Topo

Necessário ou sinistro? Imprensa internacional começa a escrever sua história do impeachment

O "The Washington Post" classificou o processo como "difícil, mas necessário" - Reprodução
O "The Washington Post" classificou o processo como "difícil, mas necessário" Imagem: Reprodução

01/09/2016 09h14

Horas após ser consumado, o impeachment de Dilma Rousseff começa a ter sua história escrita também pela imprensa internacional.

Em editorial, artigo que apresenta a opinião do grupo responsável pela publicação, o jornal americano "The Washington Post" classificou o desfecho do processo como "difícil, mas necessário".

A publicação de 140 anos, comprada em 2013 pelo CEO da Amazon, Jeff Bezos, considera que o impeachment foi "legal, politicamente legítimo e abre caminho para reformas que o Brasil precisa desesperadamente".

Outras publicações trouxeram opiniões que questionam a legitimidade do processo --ou seja, se foi justo, democrático.

"Todos os impeachments são políticos. Mas o do Brasil foi mais sinistro?", questiona Amanda Taub em artigo no "The New York Times".

Para a colunista, a mudança no Brasil não é golpe no sentido estrito da palavra, ou seja: uma tomada ilegal de poder, mas seria uma "exploração da vontade popular e da letra da lei" para servir interesses políticos, e não democráticos.

A ex-advogada de direitos humanos, que escreve sobre ideias e contextos de grandes eventos mundiais, vê a crise política "enraizada em problemas que afetam todo o sistema político brasileiro, não apenas a esquerda ou a direita".

The Guardian - Reprodução - Reprodução
"The Guardian" fala em votação esmagadora contra Dilma
Imagem: Reprodução

Taub lembra que o escândalo de corrupção investigado pela Operação Lava Jato envolve integrantes do novo governo e cita a frase do senador Romero Jucá (PMDB) - em diálogo gravado em março pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado - sobre "estancar a sangria" representada pela operação.

Por outro lado, ela critica como "caricatura" a visão de "devotos do PT" que concebem o impeachment em termos de luta de classes, de elite contra povo. Para sustentar a sua opinião, cita uma pesquisa do Datafolha de agosto de 2015 que indicou 66% de apoio à abertura do impeachment e apenas 11% de aprovação a Dilma.

No editorial, em que defende a legalidade e a necessidade do impeachment, o "Washington Post" classificou como "falsas" e "irônicas" as alegações de Dilma sobre o impeachment supostamente ter sido um "golpe".

"Esses protestos têm uma ironia própria, à luz de sua defesa dura da destruição da democracia venezuelana por Hugo Chávez e de seus negócios de pai para filho com o regime dos Castro em Cuba", diz o jornal.

Votação esmagadora

"Brasil derruba Rousseff depois de votação esmagadora no Senado", titulou o jornal britânico "The Guardian".

Em texto assinado do Rio de Janeiro e de Brasília, a publicação analisa a queda de popularidade de Dilma como a soma de "declínio econômico agudo, governo paralisado e um escândalo de corrupção que envolveu quase todos os grandes partidos".

A publicação diz ainda que o processo pode reforçar para alguns a "impressão de que a classe política do país ainda se sente desconfortável com a democracia".

Em uma escala de gravidade de 1 a 10, o jornal afirma que a crise do Brasil bate hoje em 11. Também lembra a gravação em que Romero Jucá aparece, segundo o diário, em uma "trama para remover a presidente e suspender a investigação da Lava Jato" - algo que o senador nega - e a intervenção do senador e ex-jogador Romário na maratona de discursos que precedeu a votação.

O diário econômico "Financial Times" menciona o papel de "políticas intervencionistas" de Dilma na crise econômica e o "desafio" de Temer nessa área, reforçado pela divulgação da contração de 0,6% do PIB no segundo trimestre de 2016.

"Embora não haja um problema de legalidade [no impeachment], há claramente uma questão de legitimidade", afirmou ao diário o analista Paulo Sotero, do Wilson Center (EUA). "Ele [Temer] tem apenas um tiro para resolver isso, que é reverter a recessão e começar a mostrar que pode tirar o Brasil desse buraco para crescer de novo."

O britânico "The Daily Telegraph" destaca a decisão da defesa de Dilma de questionar a votação no Supremo Tribunal Federal e a promessa da ex-presidente de fazer uma oposição "firme, incansável e energética".

Impacto regional

Colunista do jornal argentino "La Nación", Carlos Pagni lembrou as consequências econômicas e políticas do impeachment para o país vizinho.

Para ele, o rumo do PIB brasileiro será uma variável importante para o governo de Maurício Macri, que tenta reerguer a própria economia, e ainda haverá repercussões políticas, já que a ex-presidente Cristina Kirchner também abraçou o discurso do "golpe" para rebater suspeitas de enriquecimento ilícito.

O colunista lembra como Macri apoiou Temer "desde a primeira hora", sobretudo pela vinculação do novo presidente brasileiro aos tucanos Aécio Neves e Fernando Henrique Cardoso.

O artigo no "La Nación" considera que Dilma foi retirada do poder mediante um "procedimento legal inquestionável", mas também diz que Temer precisa "fortalecer a legitimidade" de sua gestão, e que buscará isso de forma "hiperativa" no campo diplomático, citando a presença do peemedebista na cúpula do G20 na China já nesta semana.

O jornal chileno "La Tercera", em texto do repórter Alejandro Tapia, narrou a queda de Dilma como a de uma tecnocrata "desconfiada", "soberba" e "fria".

"Segundo analistas políticos, brasileiros, Rousseff cavou sua própria cova em dois sentidos: a sua aposta econômica também se revelou um fracasso", escreveu.

PT 'no inferno'

Para o jornal francês "Le Monde", o afastamento permanente da petista representa "a descida ao inferno do Partido dos Trabalhadores".

"O impeachment decidido por mais de dois terços dos senadores marca o fim de um ciclo, aberto em 2003 com a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, o outrora menino pobre do Nordeste transformado em porta-voz dos esquecidos, dos pobres e dos sem-voz", diz o diário, em texto assinado pela correspondente.

O "Le Monde" também assinala que o processo que culminou na saída definitiva da petista foi uma "tragédia sem suspense".

"A dramatização de sua queda, a denúncia de um 'golpe de Estado' ameaçando a jovem democracia brasileira, o seu passado de guerrilheira, o seu sofrimento e a sua resistência à tortura sob a ditadura militar (1964-1985) não garantiram a leniência de seus juízes [senadores]."

Em outro artigo, assinado pela mesma correspondente, o jornal ainda pergunta se Michel Temer, que substitui Dilma na Presidência, será "o Maquiavel ou o salvador" do Brasil.

"Tão impopular quanto a sua antecessora, este habitué dos bastidores da política se vê à frente de um país endividado, mergulhado em recessão, desemprego e inflação. Se ele é estimado nos círculos financeiros, não lhe será concedido nenhum estado de graça", diz o diário.