Topo

'Como um desconhecido me ajudou a encontrar meu pai, 40 anos depois'

03/09/2016 16h47

"Parabéns! Encontramos seu pai!", lia-se no e-mail na caixa de entrada de Farhiya.

"Não consegui acreditar", diz ela. "Era um sonho que se tornava realidade. Eu sempre tive fé que este momento um dia chegaria."

Durante toda sua vida, Farhiya costumava perguntar a sua mãe como era seu pai. "Ela mandava eu me olhar no espelho e dizia: 'Você fala como ele, anda como ele, até discute como ele'".

  • A vida dos estudantes americanos com dívidas acima dos R$ 500 mil
  • A modelo da Playboy investigada por ridicularizar corpo de mulher em academia

Mas, fora alguns relatos e fotos em preto e branco, ela não tinha muito mais informações sobre ele.

Farhiya, de 39 anos, nasceu em Leningrado - hoje São Petersburgo - em 1976, filha de mãe russa e pai somali.

Siid Ahmed Sharif foi um dos muitos jovens oficiais da Somália convidados para estudar na antiga União Soviética, que tentava aumentar sua influência na África.

Ele e a mãe de Farhiya planejavam se casar, mas a Somália entrou em guerra com sua vizinha Etiópia um ano após o nascimento dela - e o Kremlin decidiu ficar do lado da Etiópia.

Assim, a Somália expulsou os conselheiros soviéticos do país, e todos os estudantes somalis na URSS, incluindo o pai de Farhiya, receberam ordens para voltar para casa.

"Eu e minha mãe estávamos visitando minha avó na Sibéria ocidental quando ouvimos no rádio sobre a guerra", diz ela. "Lembro-me dela falando, mais tarde, que imediatamente soube o que isso significava para nossa família, para meu pai."

Sharif teve 24 horas para arrumar suas coisas. Com sua família longe, ele nem pode dizer adeus, mas deixou um bilhete com o endereço de seus pais em Mogadício.

"Eu sabia que ele não tinha nos abandonado", diz Farhiya. "Ele só foi embora por causa das circustâncias." Mas essas circustâncias também tornaram impossível para eles manterem contato. A família ficou separada por quase quatro décadas.

Apesar disso, a infância de Farhiya foi feliz. "Eu estava cercada pelo amor incondicional da minha mãe. Os parentes dela me davam muito amor e carinho, eu me sentia muito especial", conta.

"Eu tinha orgulho da minha herança, tinha orgulho de ser diferente. Meus colegas de classe, meus professores da escola e da universidade sempre me disseram que eu era especial."

Mas Farhiya sempre se perguntou onde estaria seu pai e como ele era. "O desejo de encontrá-lo sempre esteve presente, mas decidi que precisava fazer alguma coisa para encontrá-lo quando fiz 12 anos", diz.

Nessa época, o clima político havia mudado - Mikhail Gorbachev havia implantado sua política de glasnost (abertura) e Farhiya não viu motivos para não escrever para o pai. Mas as cartas que ela enviou ao endereço deixado por ele voltaram. Ela sequer sabe se a correspondência de fato chegou à Somália.

Ela entrou em contato com organizações da URSS que ajudavam crianças a encontrarem pais africanos e com a Cruz Vermelha, que tinha um serviço semelhante. Suas tentativas foram infrutíferas.

"Outras crianças russas conseguiram encontrar seus pais em outros países africanos, porque era mais fácil. Esses países tinham relações diplomáticas, embaixadas e pessoas trabalhando na Rússia que íam e voltavam da África. Mas, na Somália, o acesso era extremamente limitado", conta ela.

De tempos em tempos ela parava de procurar ativamente, mas nunca desistiu totalmente da ideia. "Era como tentar e fracassar, desistir por alguns anos e voltar a procurar só para fracassar de novo", afirma.

Quando a Somália entrou em guerra civil, em 1991, houve um grande retrocesso. A guerra continuou por quase duas décadas, mas, quando chegou ao fim, as redes sociais estavam começando a se popularizar, o que deu novas esperanças a Farhiya.

Em uma rede social russa, Vkontakte, ela achou uma mulher que ajudava reunir pessoas e seus parentes que moravam no exterior, mas isso acabou em outra tentativa fracassada.

"Escrevi para ela, mas, quando disse que meu pai era da Somália, era falou que não poderia me ajudar", conta Farhiya. Então, ela começou a pesquisar fotos da Somália no Instagram.

Muitas fotos que ela gostava eram postadas por um jovem chamado Deeq, que parecia ser bem relacionado. Ela mandou uma mensagem para ele pedindo ajuda.

Deeq tinha muitos contatos com somalis feitos durante anos viajando pelo norte africano, Europa e pelo Chifre da África. Ele também tinha conhecidos no governo da Somália devido a seu trabalho na embaixada do país em Dubai.

No dia 16 de março, ele postou a mensagem de Farhiya em sua página do Facebook. Explicava a história, dando o nome e a idade do pai à época em que perderam contato. Os comentários começaram a chegar, e um da Noruega se destacou. "É a nossa irmã, Farhiya", dizia.

Havia sido escrito por uma das meio-irmãs de Farhiya, que morava em Oslo, e seu pai estava passando um tempo com ela. Algumas semanas depois, após várias ligações por Skype, Farhiya, sua mãe e o marido de Farhiya viajaram para a Noruega para conhecer o pai dela.

"Ele é exatamente como eu esperava", diz ela. "A gente anda exatamente igual. Falamos com a mesma voz. Era inacreditável - estávamos juntos depois de todo esse tempo!"

Ela conheceu três das meias-irmãs e um meio-irmão, que veio da Suécia, onde o pai mora a maior parte do tempo. Um tio também voou para Oslo para o encontro. Farhiya descobriu que o pai também estava a procurava. "Quando nos falamos pelo Skype pela primeira vez, ele me contou sobre suas tentativas de nos achar", afirma.

Mas ela e a mãe se mudaram quando a mãe se casou, e Sharif não tinha o novo endereço delas. E, assim como a filha, ele encontrou obstáculos por conta da quebra de relações entre os dois países.

Atualmente, Farhiya e sua mãe falam com frequência com Sharif pelo Skype e já planejam encontrá-lo novamente. Desta vez, ele deve visitar São Petersburgo.

Há muitas coisas sobre a vida do pai que Farhiya ainda precisa descobrir, e muitas outras que ela e a mãe querem contar sobre as últimas quatro décadas. Felizmente, Sharif ainda lembra do russo que aprendeu há muitos anos.

Farhiya está contente por ter descoberto mais familiares na Somália e na Escandinávia, mas, às vezes, ainda é difícil acreditar que a busca chegou ao fim. "Vai levar muito tempo para eu acreditar que agora tenho no telefone o contato mais importante da minha vida - 'pai'."