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Balneário de famosos vira refúgio para migrantes na Itália

Tendas espalham-se por um dos parques da cidade - Carolina Montenegro/BBC
Tendas espalham-se por um dos parques da cidade Imagem: Carolina Montenegro/BBC

Issaac Mumena - BBC Africa, Kampala

18/09/2016 15h50

Paraíso de férias de ricos e famosos, como Brad Pitt, Angelina Jolie e George Clooney, o balneário de Como, no norte da Itália, vive um drama inédito. Desde julho, centenas de refugiados estão acampados em tendas improvisadas e situação precária na estação de trem da cidade e em um parque.

Até o fim deste mês, um campo com 50 contêineres será aberto pela prefeitura para abrigar até 300 pessoas. Embora a medida seja emergencial, o campo poderá permanecer aberto por anos.

Enquanto alguns moradores defendem o apoio aos migrantes, outros temem que a cidade possa se tornar uma "nova Calais" ? porto francês onde refugiados acampados já somam 7 mil pessoas.

Migrantes trem - Carolina Montenegro/BBC - Carolina Montenegro/BBC
Migrantes dormem ao relento na estação de trem de Como
Imagem: Carolina Montenegro/BBC

Relento

"Mulheres e bebês dormindo ao relento no parque são uma vergonha para todos nós. É a primeira vez que acontece algo assim em Como", disse à BBC Brasil o voluntário Mattia Stancanelli.

Morador de Como desde a infância, ele faz parte de um grupo de mais de 300 pessoas que se revezam distribuindo alimentos, roupas e cobertores, além de oferecerem aulas de italiano e orientações jurídicas no parque. A Cruz Vermelha Italiana mantém um posto médico ambulante no local e a Caritas fornece o jantar no refeitório de uma igreja próxima.

Outros habitantes, porém, criticam a acolhida. "Eles vão arruinar o turismo na cidade. Eu não quero eles aqui. Já temos problemas suficientes para resolver na Itália", afirmou Maria, proprietária de um bar na cidade.

"A culpa é do governo italiano, que recebe dinheiro da União Europeia para acolher os migrantes, mas não faz nada, deixa todo mundo passar", disse Marco, enquanto aguardava um trem para sua casa em Chiasso, a cidade suíça mais próxima.

Em uma noite recente, cerca de 250 pessoas protestaram nas ruas de Como em solidariedade aos refugiados. Carregavam faixas com mensagens de "abra as fronteiras", "liberdade" e "não aos contêineres". Na sexta-feira, a cidade foi palco de uma manifestação anti-imigração do partido de direita Liga Norte, que declarou que os migrantes "estão sujando e estragando" o local.

Cruz vermelha mantém postos médicos próximos aos acampamentos - Carolina Montenegro/BBC - Carolina Montenegro/BBC
Cruz vermelha mantém postos médicos próximos aos acampamentos
Imagem: Carolina Montenegro/BBC

Bloqueio e deportações

Atualmente, cerca de 300 refugiados e migrantes estão acampados em Como. A maioria é de homens, mas também há mulheres e crianças, incluindo menores desacompanhados. São originários sobretudo de Eritreia, Etiópia, Somalia, Gâmbia e Sudão.

Todos estão ali para tentar atravessar a fronteira para a Suíça ou continuar viagem rumo à Alemanha ou à Suécia. Desde meados de julho, porém, o governo suíço restringiu fortemente a entrada de migrantes.

Sem acesso aos trens, alguns arriscam até a jornada à pé por trilhas nas montanhas que durante a Segunda Guerra Mundial foram usadas por grupos de judeus fugindo da perseguição nazista.

A polícia suíça, porém, tem patrulha reforçada na fronteira e conta com drones que fazem a vigilância aérea por meio de câmeras e de sensores de calor e de movimento.

Na fronteira da Itália com a França, a situação é parecida. Migrantes se aglomeram na região da cidade italiana de Ventimiglia sem conseguirem atravessar.

Ativistas e advogados de defesa dos direitos humanos também denunciam que migrantes estão sendo "devolvidos" da fronteira norte para outros centros no sul da Itália ou estão sendo expulsos do país, em desrespeito à Convenção de Genebra sobre os refugiados.

"É um outro sinal da política europeia completamente míope sobre a situação da imigração, que bloqueia em vez de oferecer acolhida humanitária para todos", afirmou Tommaso Fabbri, chefe do projeto Itália da organização Médicos sem Fronteiras, que monitora a situação no norte do país.

No final de agosto, um grupo de 48 sudaneses de Darfur, que tentava atravessar a fronteira em Ventimiglia, foi enviado à força em um voo de volta para Cartum, a capital do país africano.

Também estão se tornando cada vez mais comuns em Como os "ônibus da deportação", que levam dezenas de migrantes para centros de recepção no sul da Itália.

"Até aqui na Sicília estamos vendo migrantes sendo devolvidos de Ventimiglia e Como", afirmou Salvatore Maio, da Oxfam, que coordena projeto sobre expulsões de migrantes da ONG em Catânia, no sul do país.

Fronteira fechada

"Levei meses para chegar aqui. Cruzei o deserto, depois o mar, mas está tudo fechado agora. Tentei cruzar a fronteira por Ventimiglia primeiro, mas não consegui. Agora estou aqui em Como tentando de novo", contou à BBC Brasil o eritreu Ahmad (nome fictício), acampado em Como há mais de dez dias.

"A Eritreia é só pobreza e guerra, não tem trabalho, não existe futuro lá. É por isso que tanta gente está vindo para a Europa e tantas crianças sozinhas também", disse ele, apontando para dois adolescentes somalis amigos seus. Um dos meninos tinha 15 anos de idade e o outro, 17 anos.

Um deles tenta se reunir com parentes que já estavam na Suíça. Advogados e ativistas denunciam que mesmo esse tipo de pedido de reunificação familiar está sendo negado na fronteira suíça.

A ONU e a Anistia Internacional também expressaram publicamente preocupação com as crianças bloqueadas na fronteira norte da Itália.

Porta de entrada da Europa para milhares de migrantes que atravessam o mar Mediterrâneo, a Itália abriga atualmente cerca de 145 mil migrantes. Campos de refugiados estão superlotados e o sistema de recepção está sobrecarregado em todo o país.

Nesta semana, a Alemanha anunciou um novo acordo com a Itália, se comprometendo a receber 500 refugiados por mês, que serão transferidos de centros de recepção italianos.