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Eleições nos EUA: Quem ganhou o último debate presidencial?

Mark Ralston/Pool via AP
Imagem: Mark Ralston/Pool via AP

20/10/2016 12h31

O terceiro e último debate presidencial nos Estados Unidos, na noite de quarta-feira (19) em Las Vegas, pode ter sido exatamente aquilo que Donald Trump queria. Não foi, porém, o que o candidato republicano precisava.

Na última chance de convencer o eleitorado americano de que pode ser presidente, Trump precisou se esforçar para expandir sua base de suporte, encontrando uma forma de se distanciar das alegações de que teria um histórico de abusos sexuais.

O republicano teve que se posicionar como o candidato da mudança - dias após uma pesquisa da Fox ter mostrado Hillary Clinton, cujo partido (Democrata) está no poder há oito anos, à frente de Trump na questão de quem poderia "mudar o país para melhor".

No entanto, após meia hora de algo que se assemelhou a um debate consistente sobre a Suprema Corte, porte de armas, aborto e até imigração, o velho Donald Trump - aquele que interrompe constantemente o oponente, discute com o moderador e ataca inimigos reais e imaginários - emergiu.

Donald Trump chamou Hillary Clinton de mentirosa e "mulher sórdida".

O candidato republicano disse que as mulheres que o acusam de assédio sexual estavam buscando atenção ou eram lacaias da campanha democrata.

Trump afirmou ainda que a mídia estava "envenenando as mentes" do público. E se recusou a dizer se aceitaria o resultado da eleição em caso de derrota.

Em alguns momentos, Hillary Clinton ficou na defensiva - sobre seus e-mails, a Fundação Clinton e as informações constrangedoras reveladas pelos vazamentos do Wikileaks.

A diferença é que a candidata democrata manteve o equilíbrio e conseguiu mudar o assunto para temas em que ela se sente mais confortável. Hillary deu, de fato, uma aula de estratégia em debates, com defesas e ataques.

O fato mais destacado pela mídia, porém, certamente será a insistência de Trump em dizer que as eleições estão "aparelhadas". Empregou palavras que não necessariamente o eleitor americano - ou a democracia americana - precisava ouvir.

O fator russo

Hillary  - Robyn Beck/AFP - Robyn Beck/AFP
Imagem: Robyn Beck/AFP

A habilidade de Hillary em atacar Trump e atraí-lo para questões delicadas ficou evidente pela primeira vez quando o moderador Chris Wallace trouxe ao debate uma afirmação feita pela candidata democrata em uma de suas palestras em Wall Street - reveladas pelos vazamentos do WikiLeaks -, na qual ela endorsa uma zona de livre comércio e se mostra aberta à imigração.

Depois de dizer que estava falando apenas sobre um mercado aberto de energia - uma afirmação questionável -, Hillary tentou conduzir o debate para a discussão sobre se Trump recriminava ou não o governo russo, que segundo o governo americano estaria por trás dos emails hackeados.

O republicano acusou a tentativa de Hillary de desviar do assunto em questão, mas depois se atolou na questão russa.

Trump afirmou que nunca se encontrou com o presidente da Rússia, Vladimir Putin (embora tenha dito durante as primárias que havia conversado com ele em uma ocasião), e disse que Hillary era uma mentirosa e um fantoche russo.

Tudo isso surgiu quando o tema em questão era - ou deveria ser - imigração.

Uma experiência ruim

A chance seguinte que Hillary teve de cutucar Trump veio durante a parte econômica do debate. Após uma discussão sobre as propostas na área de impostos - e uma previsível troca de alegações sobre quem está cortando ou aumentando impostos -, o republicano questionou a democrata sobre seu apoio a acordos comercias no passado.

Quando ela se alongou um pouco, ele tentou rotulá-la com algo que havia usado com sucesso em um debate anterior. Trump perguntou por que Hillary não fez suas reformas econômicas durante os mais de 30 anos em que esteve na esfera pública.

"Você esteve bem envolvida em todos os aspectos deste país", ele disse. "E você tem experiência. Digo que uma coisa que você tem mais que eu é experiência, mas é má experiência, porque o que você fez acabou sendo ruim."

O problema em reutilizar linhas de ataque é que o oponente prepara a defesa - e Hillary tinha uma resposta na ponta da língua.

Ela disse que, enquanto defendia o direito das crianças na década de 1970, Trump estava se defendendo de acusações de discriminação racial.

Enquanto Hillary defendia, como primeira-dama, os direitos das mulheres na década de 1990, Trump estava insultando uma vencedora de um concurso de beleza sobre seu peso. E enquanto ela observava na Casa Branca a captura de Osama Bin Laden, Trump apresentava um "reality show" na televisão.

"Fico feliz em comparar meus 30 anos de experiência, o que eu fiz por este país na tentativa de ajudar de todas as maneiras possíveis, especialmente crianças e famílias, com os seus 30 anos", ela disse. "Deixo a decisão para os americanos."

Foi uma resposta ensaiada, é claro, mas eficiente.

Problemas com mulheres

Donald  - Paul J. Richards/AFP - Paul J. Richards/AFP
Imagem: Paul J. Richards/AFP

Logo após a questão da experiência veio uma pergunta que Trump já esperava - mas para a qual não pareceu preparado. O que ele achava de todas as mulheres que surgiram desde o debate anterior alegando acusando-o de assédio sexual?

O candidato republicano respondeu que as mulheres buscavam chamar atenção ou eram lacaias da campanha democrata, e que as as alegações tinham sido "em grande parte desmascaradas" - o que não é exatamente uma negação.

No último debate, Hillary pareceu segurar um pouco as críticas ao oponente neste quesito. Desta vez, Hillary foi muito mais afiada e direta.

"Donald pensa que depreciar mulheres o faz maior", ela disse. "Ele ataca sua dignidade, sua auto-estima, e eu não acho que exista uma só mulher que não saiba o sentimento disso. Agora sabemos o que Donald pensa, o que ele diz e como ele age com as mulheres. Este é Donald."

A resposta de Trump, de que ninguém respeita mais as mulheres do que ele, foi recebida com risadas da plateia.

Ele pode perder esta eleição independentemente de um vídeo divulgado há duas semanas, gravado em 2005, no qual se referia às mulheres de forma depreciativa, mas parece cada vez mais claro que sua campanha foi ferida irreparavelmente.

Fundação abalada

O moderador Chris Wallace também tinha questões pontuais para Hillary.

Ele pediu a ela que defendesse a Fundação Clinton das alegações de que seria uma organização que troca acesso ao Estado em por grandes doações em dinheiro.

Hillary respondeu defendendo as ações da fundação - mencionando as avaliações positivas de organizações de vigilância e seus esforços na área da saúde.

Trump chamou a fundação de "empresa criminosa" - mas em seguida Hillary levou o debate para a fundação de Trump, que tem tido sua própria parcela de controvérsias.

A candidata democrata lembrou que Trump usou dinheiro da fundação para comprar um retrato de si mesmo de seis pés. "Quem faz uma coisa dessa?", ela perguntou.

O republicano tentou se defender, mas Wallace questionou por que ele havia usado dinheiro de caridade para pagar uma multa recebida por seu resort na Flórida. Trump respondeu apenas que o dinheiro tinha sido destinado para caridade.

O debate sobre a Fundação Clinton poderia ter sido um momento positivo para Trump, mas em vez disso se transformou em outra oportunidade para Hillary.

Resultado da eleição

Donald Trump já estava em desvantagem neste ponto do debate. Hillary Clinton já tinha rebatido seus ataques mais perigosos e provocado no republicano o tipo de comportamento que havia lhe rendido as piores repercussões após o primeiro debate. Ele precisava de uma vitória clara, mas teve no máximo um empate.

Em seguida ele foi perguntado se, apesar de suas alegações de que a eleição estava aparelhada, seguiria o exemplo de sua oponente e se comprometeria em aceitar o resultado do pleito.

"Vou ver isso na hora", ele disse. "Não vou ver nada agora."

É o tipo do comentário capaz de gerar milhares de manchetes e dominar as discussões nos próximos dias.

Foi também apenas o começo de um enfrentamento de Trump contra a mídia que "envenenou as mentes dos eleitores".

Trump disse ainda que a democrata deveria ter sido proibida de se candidatar à Presidência. Hillary respondeu que os comentários do republicano eram "apavorantes".

Ela então habilmente expandiu sua resposta, pintando Trump como um homem que reclama de fraude toda vez que enfrenta uma situação que não gosta - seja a decisão do FBI de não processar Hillary por seus e-mails, sua derrota em Iowa nas primárias, a ação judicial contra sua universidade ou até mesmo a derrota de seu programa de TV no prêmio Emmy.

"Ele está rebaixando nossa democracia", ela concluiu. "Estou chocada que um candidato de um de nossos dois maiores partidos tenha tomado esse tipo de posição."

Conversando com republicanos depois do debate, o desconforto com a declaração de Trump era evidente.

Alguns diziam que era uma piada. Outros, que era apenas uma forma de não considerar a derrota antes da eleição.

A realidade, porém, é que os políticos republicanos devem suas posições ao voto popular, e eles dependem da legitimidade que seus oponentes lhes dão quando derrotados.

Donald Trump colocou a democracia americana em xeque - e quando ele chacoalha esta árvore em particular, é impossível determinar quem pode ser atingido pelos galhos que caem.