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Vitória de Crivella: temor de teocracia 'é exagerado', diz pesquisadora dos EUA

Prefeito eleito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB) discursa no Bangu Atlético Clube, zona oeste da cidade - Júlio César Guimarães/UOL
Prefeito eleito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB) discursa no Bangu Atlético Clube, zona oeste da cidade Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

02/11/2016 10h01

A vitória de Marcelo Crivella na eleição municipal do Rio de Janeiro repercutiu bem além do perímetro urbano da cidade, sendo recebida até no exterior como possível evidência de um avanço significativo da direita religiosa no Brasil.

Porém ela trouxe também responsabilidades que poderão se transformar em obstáculo para voos mais altos das alas evangélicas na política nacional caso a gestão do ex-senador enfrente problemas mais sérios.

O diagnóstico é da cientista política americana Christine Gustafson, do Saint Anselm College em New Hampshire, que estuda estratégias político-religiosas no Brasil e tem sua pesquisa citada por instituições como a Universidade Harvard.

Em entrevista por telefone à BBC Brasil, Gustafson diz ver o resultado do pleito no Rio como marco para a direita religiosa no país, mas que os quase 60% dos votos válidos obtidos por Crivella foram "inchados" pela rejeição ao perfil de esquerda do candidato Marcelo Freixo (PSOL) e ao PT.

Ao mesmo tempo, ela considera exageradas as acusações de que a eleição do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus poderá validar uma agenda religiosa mais radical.

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"Esse temor de uma teocracia no Brasil é exagerado e tem muito mais jeito de retórica eleitoral. Como vimos, bater nessa tecla não funciono na eleição carioca. É bem mais realista que Crivella se posicione mais ao centro para poder governar", afirma a cientista política.

BBC Brasil - Foi alguma surpresa que um candidato ligado à direita religiosa vencesse a eleição em uma capital?

Christine Gustafson - Não deveria ter surpreendido ninguém e era apenas uma questão de tempo. Os evangélicos estão crescendo no Brasil e os políticos ligados à denominação enxergaram um brecha em meio à crise política brasileira e a ascensão da direita, bem como a rejeição ao PT.

A direita religiosa também já tinha sido importante para a campanha da presidente Dilma Rousseff nas eleições de 2014. Já era uma força eleitoral que deveria ser respeitada.

Comenta-se no Brasil que o resultado poderia alavancar as pretensões eleitorais da direita religiosa no país. Como a senhora vê isso?

Não é impossível que os evangélicos lancem candidato próprio na eleição presidencial de 2018, por exemplo, mas não se pode especular sobre chances de vitória com tanto tempo pela frente.

Ninguém ainda pode afirmar se o triunfo de Crivella no Rio foi uma questão de endosso de valores ou de rejeição à esquerda. Não podemos esquecer-nos também de que houve muitas abstenções e votos nulos.

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O comportamento eleitoral do brasileiro é conservador de maneira geral. Só que isso também não diminui a importância do resultado para os evangélicos.

Mais poder também não traz mais responsabilidades?

Será muito interessante observar o comportamento desse governo, pois ele pode também ser um obstáculo para voos mais altos caso haja problemas.

Lembremo-nos também de que o Brasil ainda é um país de maioria católica. O grande teste eleitoral, a meu ver, serão as eleições de 2018, em especial o desempenho parlamentar da direita religiosa.

Mas é muito cedo para falar. O voto é muito mais imediato do que pensamos, e os eleitores normalmente vão às urnas com a memória do que aconteceu nos últimos seis meses.

O que se pode dizer dos temores ligados à agenda religiosa?

Esse temor de uma teocracia no Brasil é exagerado e tem muito mais jeito de retórica eleitoral. Como vimos, bater nessa tecla não funciono na eleição carioca.

É bem mais realista que Crivella se posicione mais ao centro para poder governar. E isso também vale para o cenário geral: para angariar mais apoio político, o bloco evangélico precisará moderar o discurso, o que inclui deixar de lado algumas promessas de campanha feitas para sua base eleitoral. Isso porque precisam lidar com forças seculares.

E o potencial de crescimento do movimento? São corretas as comparações com o Tea Party nos EUA (movimento conservador de direita com forte influência religiosa)?

Vejo, sim paralelos. Mais ainda acredito que o resultado nas eleições municipais esteja relacionado com a rejeição ao PT. Mas é verdade que o movimento político evangélico é bem mais organizado que o ligado aos católicos, e um exemplo é o fato de que pastores têm liberdade para concorrer aos cargos públicos, por exemplo, e que Crivella tivesse uma legenda própria para disputar o pleito no Rio.

Por isso é que não vai ser surpresa alguma se houver uma candidatura evangélica para a Presidência em 2018.