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Guerra na Síria: divisão do país poderia estabelecer a paz?

A guerra completou cinco anos sem perspectivas de um fim - Bassam Khabieh/ Reuters
A guerra completou cinco anos sem perspectivas de um fim Imagem: Bassam Khabieh/ Reuters

Pablo Esparza

Da BBC Mundo

03/11/2016 06h47

Após cinco anos de guerra civil, centenas de milhares de mortos e refugiados, o conflito na Síria não parece estar próximo do fim.

Diante da baixa perspectiva de vitória para todos os lados beligerantes , a questão que ganha força é se o país conseguirá recuperar a unidade perdida durante o conflito.

Há meses, diferentes setores têm lançado propostas que sugerem a divisão de poder e a separação, ao menos por um tempo, do território como opção para chegar a um cessar-fogo que permita depois a negociação de uma paz duradoura e a reconstrução do Estado sírio.

Mas a divisão do país é inevitável para se alcançar a paz? Ou será possível manter a unidade do território?

Bassel Salloukh, professor associado da Universidade Americana Libanesa, disse à BBC Mundo que um possível acordo para dividir o poder vem sendo discutido há algum tempo.

"Acredito que o termo 'divisão' é equivocado. A discussão não está em dividir a Síria em diferentes Estados, mas em afastar-se do modelo de Estado unitário centralizado em direção a algum tipo de federalismo ou confederação".

Desacordo

No final de setembro, o secretário geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul-Gheit, defendeu o modelo federal como uma via para evitar uma divisão maior do país.

Meses antes, às vésperas de um efêmero cessar-fogo - que começou em 26 de fevereiro e foi rompido semanas depois -, o secretário de Estado americano, John Kerry, sugeriu que se a trégua fracassasse "poderia ser tarde demais para manter a Síria unida".

Mas não há uma única fórmula para o país se reorganizar. "O governo sírio, a Rússia e provavelmente o Irã pensam em termos de resgatar o Estado sírio em sua unidade e restaurar a autoridade do governo em todo o território", afirmou Salloukh.

Os curdos, que controlam partes do norte e do nordeste do país, defendem uma solução diferente: desde março eles declararam unilateralmente um sistema federal na zona sob seu poder.

O governo em Damasco não reconheceu a ação e argumentou que ela não teria base legal.

Deter os combates

Entretanto, alguns analistas sugerem que, para começar a negociar sobre a futura organização do Estado sírio, primeiro é necessário chegar a um cessar-fogo.

E isso implica assumir que a situação no terreno é, de fato, uma divisão em áreas controladas pelos rebeldes, pelo governo, pelas forças curdas, pelo autoproclamado Estado Islâmico e por outros grupos jihadistas.

"Defendemos que a primeira coisa a se fazer é deter os combates. Se isso acontecer é necessário que a Síria seja dividida, mesmo que seja de forma temporária, com algumas zonas governadas pelo regime e outras pela oposição", afirmou James Dobbins, que foi embaixador dos Estados Unidos na União Europeia entre 1991 e 1993 e representante especial de Washington no Afeganistão e no Paquistão entre 2013 e 2014.

Dobbins é um dos autores do relatório Um plano de paz para a Síria, publicado pela RAND Corporation, um centro de estudos sobre políticas globais, sediado nos Estados Unidos.

"A solução a longo prazo do conflito através do diálogo político provavelmente terá como resultado um certo grau de descentralização".

"Mas defendemos um cessar-fogo primeiro e uma negociação depois sobre a forma e estrutura do novo Estado sírio", afirmou ele à BBC Mundo.

"Os sírios deverão escolher (...). Há vários modelos. Um é o modelo bósnio, que é um país dividido geograficamente e com um acordo de poder no centro. Outro modelo é o Líbano, que não está dividido geograficamente, mas tem acordos de divisão de poder."

"E outro modelo é o Iraque, que prevê a opção de ter regiões separadas - uma das quais já existe no Curdistão (...). Acredito que há muitos modelos que os sírios podem copiar quando tentarem reconstruir seu Estado", disse o diplomata americano.

Zonas seguras

O plano que Dobbins ajudou a elaborar prevê a criação de várias "zonas seguras" em função de limites étnico-religiosos e das linhas das frentes de batalha no momento em que for estabelecido o cessar-fogo.

Na atualidade, isso suporia a criação de três áreas nas quais se respeitaria uma cessar-fogo negociado entre as partes: uma zona controlada pelo governo de Bashar Assad, outra controlada pela oposição e uma terceira controlada pelos curdos.

Os territórios fora dessas demarcações são aqueles ocupados pelo autoproclamado Estado Islâmico, com o qual não se prevê o estabelecimento de um cessar-fogo.

"Isso é preferível à continuidade da guerra. Não creio que haja uma alternativa em vista. E parece menos provável que a oposição ganhe a guerra. Por isso, as alternativas são uma vitória completa de Assad ou um cessar-fogo baseado mais ou menos nas posições atuais", disse Dobbins.

"Se houver uma intenção de manter um Estado unitário, haverá um conflito contínuo e, talvez, a divisão definitiva do país", afirmou ele.

Entretanto, os especialistas dizem que demarcar as áreas de cada força trará grandes dificuldades.

"A questão é o que ficará de cada lado das linhas. Aleppo é muito interessante. Dentro das zonas controladas pelo governo há uma mistura de religiões, etnias e classes sociais", disse Salloukh.

"Os tipos de limites estabelecidos dependerão de como evoluirá a batalha por essa cidade", disse o professor libanês.

Mais divisões

Os críticos dessa opção argumentam que a criação de zonas seguras pode abrir a porta para a consolidação de zonas autônomas, independentes ou semi-independentes, potencialmente conflitivas ou instáveis.

Eles afirmam que corre-se o risco de aumentar as divisões religiosas e étnicas na região.

"Se fala de etnias ou de afiliações religiosas, mas na realidade a situação na Síria é mais complexa", afirmou Nicolas Tenzer, professor associado da Escola de Assuntos Internacionais de Paris.

"Por exemplo, se considerarmos a minoria cristã teremos alguns grupos que apoiam Assad e outros que foram perseguidos por seu governo. De modo que não há grupos puros. Dentro das zonas sunitas encontramos minorias xiitas".

O francês critica a criação de zonas seguras porque ela permitiria que o presidente sírio consolide seu poder ao menos em uma parte do país.

"Creio que é uma questão de prioridades. A descentralização poderia funcionar caso se acabe antes com o regime de Assad e com o Estado Islâmico", disse Tenzer à BBC Mundo.

"Nessas condições, poderia se entrar em um processo de verdade e reconciliação e planejamento a longo prazo de um tipo de descentralização. Mas com o regime de Assad, com o EI e com as interferências de combatentes estrangeiros, do Irã, de milícias xiitas, do Hezbollah e de outros grupos... não vejo como a descentralização poderia funcionar".

"Não há boas opções no momento (...). Creio que a única opção boa é estabelecer uma zona de exclusão aérea".

"Para mim essa seria a prioridade. Impor ao regime de Assad uma zona de exclusão aérea e lutar de forma mais decidida conta o EI".

"Mas para isso é preciso esperar a próxima administração americana e ver se estará disposta a propor essa opção".