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Mulheres, muçulmanos e latinos: Há razões para temer o governo de Trump?

O presidente eleito Donald Trump assume o comando dos Estados Unidos a partir de janeiro de 2017  - Carlo Allegri/Reuters
O presidente eleito Donald Trump assume o comando dos Estados Unidos a partir de janeiro de 2017 Imagem: Carlo Allegri/Reuters

11/11/2016 09h21

No dia 20 de janeiro de 2017, Donald Trump assume oficialmente o comando dos Estados Unidos.

Muitos no país manifestaram preocupação com o seu governo, pelas polêmicas declarações que ele e seu vice, o governador de Indiana, Mike Pence, deram ao longo da campanha, em particular sobre mulheres, muçulmanos e latinos.

Mas até que ponto existem motivos para temer o governo Trump?

Veja abaixo, um apanhado sobre que foi dito e o que pode vir pela frente:

'Eleitoras recatadas e do lar'

As relações entre gêneros tiveram grande destaque na campanha, mesmo porque havia a possibilidade de eleição da primeira mulher presidente da história do país.

Na última semana de campanha, a democrata Hillary Clinton tentou capitalizar sobre "os problemas de Trump com as mulheres" e o acusou de "intimidar, desprezar, insultar e atacar" as mulheres nos últimos 30 anos.

Mas votação mostrou que as críticas de Hillary pesaram pouco. Segundo análises, Trump teve o apoio de 42% das mulheres.

E mais: 53% das mulheres brancas votaram nele, contra apenas 4% das negras. Entre as latinas, mesmo os ataques e ofensas a imigrantes mexicanos tiveram pouco impacto - 26% votaram nele.

O que essas mulheres podem esperar do presidente recém-eleito?

Durante a campanha, Trump defendeu a punição de mulheres que fizessem aborto, fez insinuações de mau gosto sobre o ciclo menstrual de uma apresentadora de TV e revelou que nunca trocara fraldas nem colocara os filhos para dormir.

Para algumas eleitoras, especialmente mães que não trabalham e cuidam da família e da casa, o posicionamento contrário à igualdade de gênero soou como mais como apoio do que um problema. Muitas viram isso como o reconhecimento do papel histórico das mulheres na criação dos filhos.

Na reta final da campanha, o site Vox arriscou uma análise dos motivos que levariam as mulheres a votar em Trump, dizendo que a aprovação dele seria maior entre as mulheres que tiveram poucas chances de crescer no mercado de trabalho, "já que elas apoiam políticas e valores que privilegiam a divisão tradicional das tarefas domésticas".

Muitas foram atraídas pelas promessas de recuperação dos empregos e prosperidade para as comunidades de trabalhadores brancos e pela eventual penalização das empresas americanas que fabricarem seus produtos em outros países.

As grávidas também podem vislumbrar benefícios no governo Trump. A futura primeira-filha Ivanka Trump ajudou o pai a esboçar um plano que oferece seis semanas de licença maternidade remunerada para aquelas que não recebem o benefício dos seus empregadores.

Para as veteranas, que serviram às Forças Armadas, Trump prometeu investir no tratamento do que chamou de "ferimentos invisíveis" como estresse pós-traumático e depressão, e aumentar o número de médicos especializados em saúde da mulher.

Lei do aborto sob ameaça

As feministas, porém, tem o que temer. Elas estão especialmente preocupadas com a maneira como o presidente eleito vai tratar a lei do aborto. Atualmente, o direito ao aborto é garantido em todos os 50 Estados, graças a uma decisão de 1973 da Suprema Corte.

As ativistas temem que Trump indique um juiz conservador para a vaga existente na corte máxima da justiça americana, o que poderia levar a uma mudança radical da lei.

Ao longo dos anos, Trump mudou de opinião sobre o aborto. Em 1999, disse: "Sou a favor do direito de escolha das mulheres. Detesto a ideia de aborto. Detesto tudo o que o promove. Fico horrorizado quando ouço as pessoas discutindo o assunto. Mas, ainda assim, acredito no direito à escolha."

Mas em março de 2016, ele declarou: "Minha posição não mudou - como Ronald Reagan (que foi presidente dos EUA de 1981 a 1989), sou incondicionalmente a favor da vida."

O então candidato republicano também ameaçou punir as mulheres que fizerem abortos ilegais - mas logo depois esclareceu que a penalização seria para quem realizasse o procedimento numa mulher.

O vice, Mike Pence, por sua vez, deixou clara sua forte oposição ao aborto. Em julho, disse: "Sou a favor da vida e não peço desculpas por isso."

E prometeu mandar a atual lei do aborto para "as cinzas da história, que é o seu lugar".

Predador de mulheres

A campanha de Trump foi marcada por várias acusações de mulheres que disseram ter sido assediadas pelo bilionário. Assessores chegaram a ficar bastante preocupados com sua candidatura após a divulgação de um vídeo de 2005.

Na gravação, Trump diz a Billy Bush, apresentador do programa de TV Access Hollywood: "Eu vou logo beijando. É como um ímã... Quando você é um astro, elas deixam".

Agora, a grande pergunta é se Trump vai cumprir a promessa de campanha: "Vou processar todas essas (mulheres) mentirosas depois das eleições".

Muçulmanos na mira

Trump defendeu a vigilância de todas as mesquitas dos EUA e disse que não se importava se a medida seria ou não "politicamente incorreta". Também sugeriu que os muçulmanos deveriam ser monitorados pelos serviços de segurança e combate ao terrorismo.

Logo surgiram notícias de que o republicano pretendia montar um grande banco de dados sobre todos os muçulmanos nos EUA. Trump negou e acusou a imprensa de ter interpretado erradamente suas declarações.

Quando um jornalista da rede de TV NBC perguntou a Trump como isso diferia dos esforços feitos no século passado para rastrear judeus na Alemanha nazista, ele disse: "Me diga você".

A comunidade islâmica, portanto, tem bons motivos para temer pelo futuro no governo Trump.

Analistas lembram que esta foi a única minoria étnica que Trump não buscou atrair durante toda a campanha eleitoral.

Os críticos o acusam de tirar partido da islamofobia e de estereótipos negativos para atrair eleitores que temem que os EUA sofram novos atentados terroristas.

Trump divulgou um comunicado logo depois do massacre de San Bernardino, na Califórnia, em que um casal de origem paquistanesa - que jurara lealdade aos terroristas do Estado Islâmico - matou a tiros 14 pessoas em um centro comunitário.

Ele defendia a "proibição total e completa" da entrada de muçulmanos nos EUA "até as autoridades do país descobrirem o que realmente está acontecendo".

A comunidade internacional reagiu com indignação. No Reino Unido, milhares de pessoas assinaram uma petição para proibir a entrada de Trump no país.

Entre os que condenaram esta atitude estava aquele que viria a ser seu vice. Mike Pence disse que a proposta era "ultrajante e inconstitucional" e apoiou Ted Cruz, então adversário de Trump, nas primárias do Estado de Indiana.

Aparentemente, o bilionário deixou de lado a ideia.

No mês passado, a rede de TV americana CNN perguntou a Pence por que ele não criticava mais o plano de proibir a entrada de muçulmanos nos EUA.

"Porque essa não é mais a opinião de Donald Trump", respondeu.

Um muro e empregos

Uma das propostas mais controversas do futuro presidente é a criação de um muro na fronteira com o México.

Além de prometer deportar 11 milhões de imigrantes ilegais, Trump disse que impediria a entrada deles nos EUA com a força do concreto.

"Vou construir um grande muro, e ninguém constrói muros melhor do que eu, pode apostar. E não vai custar nada", prometeu em junho de 2015.

"O México ainda não sabe, mas pagará 100% do muro".

O presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, disse que Trump era "uma ameaça" e avisou que não pagaria um centavo pela construção da barreira.

Trump calculou o custo da obra em US$ 8 bilhões (R$ 26 bilhões).

Uma estimativa do jornal The Washington Post, no entanto, é de que o muro consumiria US$ 25 bilhões (US$ 81,5 bilhões).

Mas latinos que moram na área de fronteira com o México acreditam que há um lado bom no muro - a obra criaria empregos.

Para 29% dos latinos que votaram em Trump, o que está em jogo não é a imigração, mas sim a economia e os empregos para a comunidade.

Já os 11 milhões de imigrantes ilegais - muitos deles latinos - têm motivos para temer Trump. Ele prometeu triplicar o efetivo das "forças de deportação" assim que assumisse o poder.

O objetivo: chegar a 1,2 milhão de deportações por ano.

Diarimente, um milhão de pessoas - entre turistas mexicanos, trabalhadores, estudantes e empresários - atravessam a fronteira diariamente.

Críticos lembram que o comércio bilateral criou mais de seis milhões de empregos para a economia dos EUA.

Vale lembrar que a chamada "comunidade latina" reúne várias tendências políticas.

Por exemplo, a posição de Trump em relação a Cuba é atraente para o grande contingente de expatriados cubanos que vivem em Miami. Eles fugiram da ilha logo depois da revolução comunista, nos anos 1960, e desde então, votam maciçamente no Partido Republicano.

Enquanto Hillary Clinton fazia campanha e apoiava o descongelamento das relações EUA-Cuba, Trump defendia a manutenção do embargo à ilha. Se ele mantiver essa postura na Casa Branca, certamente desagradará os empresários que poderiam se beneficiar do livre comércio com os cubanos.