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O que pensa o grupo acusado de racismo que terá representante no alto escalão do governo Trump

Steve Bannon, que trabalhou na campanha de Trump e será estrategista-chefe de seu governo - AFP PHOTO / GETTY IMAGES / Drew Angerer
Steve Bannon, que trabalhou na campanha de Trump e será estrategista-chefe de seu governo Imagem: AFP PHOTO / GETTY IMAGES / Drew Angerer

16/11/2016 09h19

A vitória de Donald Trump trouxe à luz um polêmico movimento nascido no submundo da internet - e que agora poderá ter um representante num cargo-chave da Casa Branca.

Simpatizantes da chamada "alt-right" (abreviação de "alternative right", "direita alternativa", em português) vibraram com o anúncio, no domingo, de que Trump nomearia o executivo Steve Bannon como estrategista-chefe e conselheiro sênior de seu governo.

Já críticos, de diferentes espectros ideológicos, inclusive da direita, dizem que a nomeação deixará o governo americano sob a influência de um movimento racista, antissemita e que acredita na superioridade dos brancos.

Bannon presidiu o Breitbart News, site de notícias que ele próprio definiu como a "plataforma da alt-right". Deixou a função para ser o estrategista-chefe da campanha de Trump.

O site já comparou o trabalho de uma agência que provê assistência para o aborto ao Holocausto, chamou de "judeu renegado" um comentarista conservador e aconselhou mulheres que se queixam de assédio online a sair do computador e parar de "arruinar a internet para os homens".

Para o Southern Poverty Law Center, ONG que monitora crimes de ódio nos EUA, Bannon é o principal responsável pela transformação do Breitbart News numa "máquina de propaganda etno-nacionalista branca".

Antes tido como marginal, o site ganhou importância na eleição ao apoiar ferozmente Trump em seu embate com o presidente da Câmara dos Deputados, Paul Ryan, após declarações inflamadas do candidato sobre mulheres, minorias e até veteranos de guerra.

"A extrema-direita racista, fascista estará representada a poucos passos do Salão Oval", escreveu no Twitter John Weaver, assessor do governador de Ohio, John Kasich, que concorreu com Trump pela candidatura republicana.

O chefe de gabinete nomeado por Donald Trump, Reince Priebus, que disputará com Bannon o poder de influência sobre Trump, defendeu a escolha do presidente eleito e definiu Bannon como "uma força do bem".

"Eu não vi nenhuma dessas coisas que as pessoas estão gritando sobre ele. É uma bom time, funciona", afirmou. Ele ainda sugeriu que as pessoas olhassem para ele, o conhecessem antes de emitir uma opinião.

Já o ex-líder da Klu Klux Klan (principal movimento supremacista branco nos EUA) David Duke elogiou a escolha de Bannon e disse que o assessor cuidará do aspecto mais importante do governo: a ideologia. Trump já foi criticado por não se distanciar claramente da KKK.

Identidade europeia X multiculturalismo

A 'alt-right' não tem uma definição única. Já foi chamada de extrema-direita da era digital e agrega grupos distintos com, em comum, uma intensa atuação nas redes sociais, muitas vezes provocadora. Não por acaso o Breitbart News, 'plataforma da alt-right' é o quarto site do mundo em total de comentários, segundo o próprio Bannon.

O termo foi cunhado em 2008 pelo jornalista Richard Spencer, considerado um dos principais ideólogos do movimento. Spencer preside o National Policy Institute, que se define como uma "organização dedicada à herança, identidade e ao futuro de pessoas de ascendência europeia nos EUA".

Formado em filosofia política na Universidade de Chicago, Spencer já declarou que o ativista negro Martin Luther King Jr. (1929-1968) era uma "fraude" e um símbolo da "desconstrução da Civilização Ocidental". Ele também afirmou que imigrantes latinos nos EUA estavam "se assimilando ao longo das gerações rumo à cultura e ao comportamento dos afro-americanos" e lamentou que o país estivesse se tornando diferente da "América Branca que veio antes".

Um artigo no Breitbart News coassinado pelo britânico Milo Yannopoulos, editor do site e tido como um dos porta-vozes da alt-right, diz que o movimento agrega várias correntes de pensamento unidas mais pelo que querem destruir do que construir.

O principal alvo do movimento é o multiculturalismo, a crença de que povos com diferentes culturas podem conviver harmonicamente num mesmo espaço. "A alt-right acredita que algum grau de separação entre os povos é necessário para que uma cultura seja preservada", afirma o texto.

O movimento, que defende conter a imigração nos EUA para preservar a cultura branca e europeia, abraçou com entusiasmo a candidatura de Trump e sua proposta de construir um muro na fronteira com o México.

Em agosto, a candidata democrata Hillary Clinton citou a alt-right ao acusar Trump de promover o preconceito e a paranoia na campanha. Ela definiu a alt-right como uma "ideologia racista emergente".

Membros do movimento agradeceram a publicidade. "A alt-right sempre se lembrará do dia em que você ajudou a nos tornar a verdadeira direita", tuitou um simpatizante.

Racista ou racialista?

O professor de ciência política do City College of New York Thomas Main, que está escrevendo um livro sobre a alt-right, define o movimento como "racialista".

"Racialismo é uma ideologia, a noção de que a minha identificação política está ligada à minha raça e de que eu buscarei avançar as bandeiras dela, mesmo que à custa de outras raças", ele diz à BBC Brasil.

Main distingue a alt-right de grupos como a Klu Klux Klan e neonazistas. "Esses são grupos violentos, quase criminosos, formados por iletrados. A alt-right não é violenta, não prega a violência".

O professor afirma que o movimento vem ganhando corpo desde o início deste século, período em que ocorreram os ataques de 11 de Setembro, sucessivas guerras no Oriente Médio, o colapso financeiro de 2008 e a eleição do primeiro negro como presidente dos Estados Unidos.

"Esses fatos chacoalharam muitas pessoas na direita, que pensaram que o velho sistema de pensamento conservador não estava funcionando mais, que era preciso buscar outras estratégias, outras retóricas. Isso deu fôlego à alt-right."

Em sua pesquisa para escrever o livro, Main mediu o alcance dos principais sites ligados ao movimento. Ele afirma que, no último semestre, a audiência desses sites - Breitbart News à frente - cresceu 86% por mês e que eles tiveram em média 85 milhões de visitas mensais.

Em comparação, os principais sites da direita tradicional (como os das revistas National Review e Weekly Standard) tiveram 46 milhões visitas por mês e um crescimento mensal de 13,7% na audiência.

Apesar dos crescimento, o professor diz que o movimento ainda é pouco conhecido nos EUA, embora possa ter tido um papel relevante na eleição.

Ele afirma que a alt-right "forneceu ideias e um vocabulário que foram usados por muitos dos apoiadores de Trump, e nesse sentido pode ter sido útil para a vitória dele".

Durante a campanha, simpatizantes da ideologia identificada com a 'alt-right' inundaram as mídias sociais com memes favoráveis ao candidato. Essa atuação intensa nas mídias sociais já levou o movimento a ser classificado de extrema-direita da era digital.

Em agosto, após trazer Steve Bannon para a campanha, o candidato negou manter qualquer laço com a alt-right e disse que "ninguém sabe o que é isso". De fato, a maioria dos americanos desconhece a denominação, mas a chance de já ter se deparado com as ideias expressas por simpatizantes é grande.

O ex-presidente da Câmara dos Deputados Newt Gingrich, cotado para assumir um cargo importante no próximo governo, rebateu as suposições de que a administração Trump será influenciada pela alt-right.

"Donald Trump é um conservador tradicional que quer golpear profundamente a esquerda", ele afirmou na segunda, após as reações negativas à nomeação de Bannon.

Diversão e desafio das normas

No artigo no Breitbart News em que explica o movimento, Milo Yannopoulos diz que, desde os anos 1960, a mídia e o establishment político consideram aceitáveis discursos de movimentos de "mulheres, LGBT, negros e outos grupos demográficos não-brancos, não-héteros e não-masculinos, mesmo quando desembocam em puro ódio".

Por outro lado, afirma que "qualquer discussão sobre a identidade branca, ou os interesses brancos, é vista como uma ofensa herética".

Ele diz que muitos "jovens rebeldes" aderem à alt-right não por serem "instintivamente conservadores" nem por viverem um "despertar intelectual".

Ironicamente, afirma Yannopoulos, esses jovens são seduzidos pela alt-right pelos mesmos motivos que os jovens dos 1960 eram atraídos pela nova esquerda: "porque ela promete diversão, transgressão e o desafio de normas sociais que eles simplesmente não entendem".