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Congresso dá andamento a pacote anticorrupção e PEC do teto: saiba o que está em jogo

30/11/2016 08h59

Num momento em que as atenções do país continuam voltadas para a tragédia da queda do avião que transportava a Chapecoense, o Congresso manteve votações importantes marcadas para terça-feira, e parte delas adentrou pela madrugada de quarta.

Após tensa manifestação em frente ao Congresso, com episódios de violência por parte de manifestantes e policiais, o Senado aprovou em primeiro turno a proposta de emenda constitucional (PEC) que cria um teto de vinte anos para o crescimento dos gastos federais. Foram 61 votos a favor e 14 contra, em larga vitória do governo. Para entrar em vigor, a PEC do teto ainda precisa ser aprovada em uma segunda votação, que deve ocorrer no dia 13 de dezembro.

Já a Câmara apreciou o pacote de medidas anticorrupção. Vários pontos importantes da proposta, no entanto, foram derrubados. Depois de o presidente Michel Temer anunciar um acordo com o Congresso para não aprovar uma anistia ao caixa 2 (movimentação irregular de recursos de campanha), os deputados votaram nesta madrugada outra proposta polêmica, tida como reação à Operação Lava Jato.

Por meio de uma emenda ao pacote, os deputados aprovaram novas punições para juízes e membros do Ministério Público que cometerem "abusos de autoridade", por 313 votos a 132.

O entendimento foi no sentido de revogar propostas do Ministério Público para enrijecer a legislação ou simplificar trâmites processuais.

Além disso, iniciativas como tipificação do crime de enriquecimento ilícito de funcionário público, endurecimento da prescrição dos crimes e facilitação da retirada de bens adquiridos com a atividade criminosa foram excluídas.

Ambas as casas realizaram um minuto de silêncio pelas vítimas da queda do avião na Colômbia.

Entenda o o que está em jogo em cada uma dessas propostas.

Pacote anticorrupção

Esse pacote teve início com uma proposta apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) que ficou conhecida como "dez medidas anticorrupção", prevendo aumento de punições, a criação de novos crimes e a redução das possibilidades de recursos. Ele chegou à Câmara com apoio de mais de 2 milhões de assinaturas.

Os deputados, porém, têm direito de debater as propostas e sugerir mudanças.

Eles aprovaram uma emenda prevendo que juízes, promotores e procuradores que procederem "de modo incompatível com a dignidade e decoro de suas funções" podem ser condenados a penas de seis meses a dois anos.

Mesma punição pode ser aplicada a quem expressar na imprensa opinião sobre processos ainda em curso, entre outras condutas.

Para o MPF, a proposta é uma reação à Operação Lava Jato e vai contra a intenção inicial por trás da elaboração das medidas, de fortalecer o combate à corrupção

"É um absurdo estarmos votando (essa proposta) na madrugada, na calada da noite", criticou o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que é promotor licenciado.

Por outro lado, uma das alterações cogitadas pelos deputados que gerou maior polêmica nos últimos dias - a tentativa de mudar a redação da proposta de lei que criminaliza o caixa 2 (movimentação irregular de dinheiro de campanha eleitoral) para anistiar crimes passados que já são puníveis por leis existentes, como corrupção e lavagem de dinheiro - acabou ficando de fora do pacote, após a reação negativa da sociedade.

Os deputados aprovaram o texto-base do pacote anticorrupção, prevendo a criminalização do caixa 2 com pena de prisão de 2 a 5 anos, mais multa.

Apesar do apoio popular, as medidas propostas pelo MPF receberam também críticas de algumas entidades do meio jurídico, como a Ordem dos Advogados do Brasil, que entendem que elas enfraquecem o direito à defesa.

Parte das propostas controversas do MPF foi retirada do pacote pelos deputados, como autorizar uso de prova ilícita e parte de uma série de restrições sugeridas ao uso do habeas corpus (recurso para solicitar liberdade de presos não condenados).

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro engrossou a crítica da OAB às propostas do MPF e lançou um site com um "análise crítica" da proposta: o "10 medidas em Xeque".

"O combate à corrupção não pode resultar da supressão de direitos previstos na Constituição. (...) A Defensoria Pública do Rio analisou o pacote de medidas e constatou que muitas implicam supressão de direitos e repercutem em toda a população", diz a instituição.

As medidas aprovadas pela Câmara seguem para ser votadas no Senado, possivelmente ainda esta semana. Por ser um projeto de lei, basta voto da maioria simples dos deputados e senadores para sua aprovação.

PEC do teto

A PEC do teto dos gastos foi proposta pelo presidente Michel Temer que defende a medida como crucial para tirar as contas públicas do vermelho, restabelecer a confiança na economia e o país voltar a gerar empregos.

Desde 2014, o governo federal registra deficits bilionários, o que vai se repetir esse ano e, provavelmente, no próximo.

A proposta prevê que o crescimento anual dos gastos públicos ficará limitado à inflação do ano anterior por 20 anos, mas a PEC prevê uma janela para que a regra possa ser revista após uma década.

Esse teto afeta apenas os gastos primários, ou seja, sem contar despesas financeiras como juros da dívida. A ideia é gerar anualmente um saldo (superávit primário) que permita manter o endividamento do governo brasileiro sob controle.

O limite proposto por Temer, no entanto, tem sido alvo de intensas críticas, inclusive de economistas liberais a favor do ajuste econômico.

Ex-assessor econômico de senadores tucanos e diretor executivo do recém-criado Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, Felipe Salto, por exemplo, escreveu um artigo junto com a economista Monica de Bolle intitulado A PEC do Teto não é uma Brastemp.

Eles consideram que a duração proposta para o teto, de 20 anos, é muito longa e deve criar superávits muito altos, além do necessário para manter o endividamento sob controle, já que a expectativa é que a inflação caia, reduzindo o patamar de reajuste dos gastos a cada ano. O efeito prático disso é que o país destinará recursos demais para pagar juros, desviando investimento de outras áreas.

Dessa forma, defendem que ajustes deveriam ser feitos no texto proposto, para evitar esse efeito. A base de Temer no Senado, porém, descarta qualquer alteração no texto já aprovado na Câmara, pois isso obrigaria que a proposta voltasse àquela casa e o governo tem pressa em aprovar a PEC.

Uma emenda constitucional só passa a valer depois de ser aprovada com texto idêntico por três quintos dos deputados e senadores, em dois turnos de votação em cada casa. Agora, ele será novamente apreciado pelo Senado, possivelmente dia 13 de dezembro.

Por outro lado, Salto e Bolle apontam como lado positivo que um teto forçará o Estado a ser mais eficiente com seus gastos e alocar melhor os recursos.

Já a oposição, liderada por parlamentares do PT, PCdoB, PSOL e Rede, sustenta que se PEC for aprovada provocará uma grande redução do Estado brasileiro, reduzindo gastos em saúde e educação.

Senadores desses partidos tentaram propor que a votação fosse adiada, devido à tragédia da Chapecoense, mas sabiam que o pedido não seria aceito pela maioria.

Esses parlamentares defendem que o ajuste fiscal deveria ser feito não só com corte de gastos, mas também com aumento de impostos sobre os segmentos mais ricos da população.

O presidente, no entanto, sempre rechaça qualquer possibilidade de elevar tributos, sob a justificativa de que a carga tributária é alta no país.

Mas até mesmo Armínio Fraga, economista ligado ao PSDB e que vinha se posicionando contra novos impostos, disse ao jornal Valor Econômico nesta semana que a medida pode ser necessária, assim como redução de desonerações (isenções ficais).

"Teríamos um programa muito mais robusto de enfrentamento da crise, se o governo não estivesse deixando parte importante do ajuste (fiscal) para o futuro", afirmou.

Horas antes da votação desta terça, policiais usaram bombas para dispersar protesto em frente ao Congresso, enquanto manifestantes viraram dois carros estacionados e colocaram fogo em um deles. Também houve depredação em pontos de ônibus e na fachada de ministérios.