Topo

Por que Trump está indicando tantos militares para compor seu gabinete?

Os generais reformados Michael Flynn, John Kelly e James Mattis foram nomeados por Trump para postos importantes em seu governo - Reuters/AP/AP
Os generais reformados Michael Flynn, John Kelly e James Mattis foram nomeados por Trump para postos importantes em seu governo Imagem: Reuters/AP/AP

17/12/2016 17h00

Em meio a todas as dúvidas causadas pela iminência de um governo de Donald Trump nos Estados Unidos, uma inquietação particular diz respeito à tendência do presidente eleito a apelar para os militares na administração do país.

Trump nomeou até agora três generais da reserva para postos chave, como assessores diretos ou secretários de seu gabinete. Isso deu margem a questionamentos sobre o poder que os militares terão em seu governo.

Ele escolheu o general John Kelly para chefiar o Departamento de Segurança Interna, o general James Mattis para ser o secretário de Defesa e o general Michael Flynn para ser seu conselheiro de segurança nacional, um posto importante nas áreas de Defesa e Política Exterior.

Trump também tornou pública sua intenção de nomear o político e ex-militar Ryan Zinke para ser seu secretário do Interior (nos EUA, a pasta gere terrenos federais e recursos naturais). Zinke é do Partido Republicano e foi comandante dos Seals, a unidade de elite da Marinha usada em operações especiais e de inteligência que matou Osama Bin Laden.

Alguns analistas estão agora tentando prever como isso pode influenciar políticas de impacto mundial dos Estados Unidos.

"Estou bastante preocupado", disse Gordon Adams, professor emérito da Universidade Americana de Washington e coautor de um livro sobre a militarização da política externa dos Estados Unidos.

"Se um presidente latino-americano ou de qualquer outro país tivesse feito essa arquitetura de governo, é provável que os Estados Unidos dissessem: vocês sabem que isso não é muito inteligente?".

'A pessoa certa'

Os defensores das escolhas de Trump afirmam que esses militares têm grande experiência em temas de segurança, em missões no exterior --em países como Iraque, Afeganistão e, no caso de Kelly, à frente do Comando Sul para a América Latina.

O próprio Trump, que durante sua campanha eleitoral questionou a eficácia dos generais no governo de Barack Obama, destacou recentemente a trajetória daqueles que nomeará.

"É a pessoa certa para encabeçar a missão urgente de deter a imigração e proteger nossas fronteiras", disse Trump sobre Kelly nesta semana, destacando suas "décadas de serviço militar e compromisso profundo na luta contra a ameaça do terrorismo".

Nos Estados Unidos, segundo pesquisas, os militares gozam de maior confiança do público do que o Congresso e o presidente. Por isso muitas pessoas dizem aprovar as indicações de Trump.

"Uma das razões pelas quais usam as Forças Armadas para mil coisas (...) é que eles (os militares) sabem como fazer as coisas", disse Stephen Donehoo, um ex-militar americano que serviu em vários postos, entre eles a Casa Branca, e atualmente trabalha na consultoria privada McLarty e Associados.

Donehoo diz que, em comparação com os políticos, "os militares tendem a querer tudo preto no branco", ou seja, que tudo seja deixado claro. Ele descarta que os militares tentem tomar o poder, como ocorreu em outras partes do mundo.

Nos Estados Unidos "sempre há uma cadeia de comando na qual a autoridade civil está por cima. Nunca houve um golpe de Estado".

De qualquer modo, se as nomeações de Kelly e Mattis forem aprovadas pelo Senado (a de Flynn não precisa de confirmação), o poder dos militares em Washington alcançará níveis extraordinários.

Democratas

Mattis seria o primeiro general a chefiar o Pentágono desde que o presidente Harry Truman nomeou George Marshall para o cargo em 1950.

Mas, para que isso se concretize, será preciso superar uma possível barreira legal: para obter o aval do Congresso, os secretários de Defesa americanos devem estar afastados das tarefas militares por pelo menos sete anos, para garantir a predominância civil. Mattis passou à reserva só em 2013.

Além disso, Trump escolheu Mike Pompeo para a CIA, a agência de inteligência americana. Ele é um conservador do Kansas graduado na academia militar de West Point, que também passou pela Universidade de Harvard, pelos negócios e pela politica.

Stephen Bannon, um conservador de discurso antissistema que será o estrategista chefe e principal conselheiro de Trump na Casa Branca, serviu anos na Marinha americana antes de estudar em Harvard e se tornar empresário.

O presidente eleito também nomeou empresários e milionários civis para seu gabinete.

Para o cargo de secretário de Estado, ele optou por Rex Tillerson, chefe executivo da gigante petrolífera Exxon Mobil. Mas críticos afirmaram que, assim como Trump, ele não tem experiência de governo e deve recorrer ao conselho de assessores.

Os democratas disseram que vão analisar o caso, apesar de vários já terem expressado abertamente seu incômodo com a quantidade de indivíduos com passado militar escolhidos por Trump.

"Me preocupa o sinal que isso envia às democracias emergentes --que podem ter um histórico de confiar mais em seus militares do que nas incipientes instituições civis democráticas cujo desenvolvimento nós, a democracia líder do mundo, trabalhamos tanto para fomentar", disse o representante democrata Steny Hoyer.

"Como aprendemos ao longo dos anos", disse o senador democrata Chris Murphy, "olhar os problemas do mundo através de uma ótica militar pode ser desastroso".