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As escravas sexuais da 2ª Guerra que estão no centro de novo conflito diplomático entre Japão e Coreia do Sul

30.dez.2016 - Sul-coreanos depositam flores em estátua que lembra vítimas de exploração sexual por militares japoneses durante protesto diante do consulado japonês em Busan, na Coreia do Sul - Yeo Joo-yeon/News1 via Reuters
30.dez.2016 - Sul-coreanos depositam flores em estátua que lembra vítimas de exploração sexual por militares japoneses durante protesto diante do consulado japonês em Busan, na Coreia do Sul Imagem: Yeo Joo-yeon/News1 via Reuters

09/01/2017 16h12

Por causa de uma estátua, o Japão retirou temporariamente seu embaixador em Seul, na Coreia do Sul, dando início a um novo conflito diplomático entre os dois países.

A escultura de bronze, de 1,5 metro de altura, representa uma "mulher de conforto" - termo usado para designar mulheres escravizadas sexualmente por militares japoneses durante a Segunda Guerra Mundial - jovem, descalça e sentada em um banco.

A obra foi colocada por ativistas em frente ao consulado japonês em Busan, a segunda maior cidade coreana.

Mulheres da China, Indonésia, Filipinas e Taiwan também foram forçadas a trabalhar nos bordéis militares, mas as coreanas constituíram a grande maioria.

Calcula-se que cerca de 200 mil passaram por essa situação - a Coreia do Sul estima que 46 delas ainda vivem no país.

"Somos muito velhas. Vamos morrendo ano a ano - uma por uma", disse à BBC, em 2013, Lee Ok-seon, então com 88 anos.

'Como um matadouro'

Grande parte dessas mulheres mora em um asilo na cidade de Gwangiu.

Localizada em uma estrada secundária na zona rural, a construção se destaca em meio a cabanas e fazendas de tomates que a rodeiam - é cheia de placas e estátuas que contam as histórias de suas habitantes.

São histórias como a de Ok-seon, raptada aos 15 anos e enviada para uma região da China sob controle japonês na época.

A coreana contou à BBC ter tentado convencer seus pais a mandá-la para a escola, mas, com mais de uma dezena de filhos para alimentar, a família não teve condições de atender ao pedido.

Ela acabou sendo enviada para longe de casa, para trabalhar como empregada doméstica. Foi assim que acabou sequestrada e levada para a China.

Uma vez lá, foi escravizada sexualmente por três anos em uma das chamadas "estações de conforto", instaladas pelo exército japonês para atender a seus soldados.

"Era como um matadouro, mas não para animais e sim para humanos. Ali faziam coisas horríveis", disse Ok-seon.

Enquanto contava sua história, mostrava cicatrizes nos braços e nas pernas, que afirrmou serem resultado de punhaladas.

Ela tentou escapar do bordel várias vezes. "Mas me apanharam."

Por causa de espancamentos, Ok-seon perdeu parte da audição e dos dentes.

Segundo um voluntário da instituição que atende as vítimas, outras lesões a tornaram estéril.

Desculpas recentes

Apesar de dezenas de testemunhos sobre o sofrimento a que eram submetidas, mulheres como Ok-seon vieram a público pela primeira vez em 1981. Mas o Japão só reconheceu o uso de bordéis de guerra 12 anos depois.

Tóquio pediu desculpas pela primeira vez em 2007, mas muitos não consideraram o pedido sincero, já que vários japoneses seguem negando que mulheres foram escravizadas sexualmente durante a Segunda Guerra.

No dia 28 de dezembro de 2015, as autoridades da Coreia do Sul e do Japão selaram um acordo com o qual desejavam finalmente virar essa página da história - foi exatamente quando comemoravam 50 anos do restabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países.

"O primeiro-ministro (Shinzo) Abe expressa suas mais sinceras desculpas e arrependimento a todas que padeceram incomensuráveis e dolorosas experiências e sofreram feridas psicológicas e físicas incuráveis como mulheres de conforto", declarou em Seul à época o chanceler japonês Fumio Kishida.

O acordo incluía ainda um fundo de compensação de um bilhão de yens (R$ 26 milhões) para apoiar as sobreviventes.

Pelo pacto, Seul se comprometia a dar o assunto por resolvido de forma final e irreversível.

Mais estátuas

Mas com a instalação da estátua e a retirada do embaixador japonês de Seul, a história ganhou um novo capítulo.

Os ativistas instalaram a escultura em frente ao consulado do Japão em Busan em 28 de dezembro de 2016, aniversário do acordo.

A ação foi uma crítica ao pacto - as vítimas não teriam sido consultadas e o Japão não assumiu sua responsabilidade legal no caso.

E ela não é a única estátua representando "mulheres de conforto" na Coreia do Sul. Acredita-se que o total no país seja de 37. Outra foi colocada na Austrália, o que provocou uma disputa entre as comunidades japonesas e coreanas locais.

A polícia de Busan inicialmente retirou a estátua, sob protestos de habitantes locais, segundo o jornal The Korean Herald.

Mas as autoridades locais permitiram que ela fosse instalada novamente porque a ministra da Defesa do Japão, Tomomi Inada, visitou o santuário de Yasukuni, onde se encontram listados os nomes de 2.466.532 militares japoneses, 27.863 coreanos, 21.181 taiwaneses e de outras nacionalidades que morreram pelo Japão imperial.

Críticos dizem que o local é polêmico por dar espaço também a combatentes classificados como criminosos de guerra.

O Japão afirma que a estátua viola o acordo de 2015, que determinava que as reparações feitas pelo Japão resolveriam o assunto de forma irreversível.

Em uma declaração na sexta-feira, o primeiro ministro japonês Shinzo Abe disse ser importante que os países cumpram o acordo.

Além do embaixador, Tóquio também retirou do país seu cônsul-geral em Busan, suspendeu a troca de moedas e adiou importantes negociações econômicas.

"Nós pedimos repetidamente à Coreia do Sul para resolver essa questão de forma apropriada, mas a situação não melhorou, então tomamos essa ação", disse o chefe da Secretaria de Gabinete do Japão, Yoshihide Suga.

A Coreia do Sul, por sua vez, afirmou: "Ainda que haja questões difíceis, os governos dos países deveriam continuar desenvolvendo sua relação com base na confiança".