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Assembleia da Venezuela declara 'abandono de cargo' de Maduro: que efeito prático isso pode ter?

A Assembleia Nacional diz que Maduro não tem cumprido suas obrigações constitucionais  - Fernando Llano/ AP
A Assembleia Nacional diz que Maduro não tem cumprido suas obrigações constitucionais Imagem: Fernando Llano/ AP

10/01/2017 09h27

A Assembleia Nacional da Venezuela, controlada pela oposição, declarou na segunda-feira o "abandono de cargo" do presidente Nicolás Maduro, intensificando o embate político em curso no país.

A Assembleia avaliou que Maduro não tem cumprido suas obrigações constitucionais em meio à grave crise econômica. A declaração foi acompanhada de uma petição por novas eleições.

A oposição controla a Assembleia desde as eleições legislativas de dezembro de 2015. No fim de 2016, a Casa disse que Maduro é responsável pela devastação da economia, que sofre com forte inflação e escassez de alimentos e produtos básicos.

Os deputados recorreram ao artigo 233 da Constituição, que prevê como "ausência absoluta" do chefe de Estado os casos de morte, renúncia, destituição por ordem do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e "abandono de cargo".

Teoricamente, a decisão poderia levar à destituição de Maduro e à realização de novas eleições em até 30 dias, segundo a Constituição. Mas isso é improvável - e a própria oposição está ciente disso.

"Não somos imbecis. Sabemos muito bem que não haverá eleições. Ainda assim, não podemos nos abster de nossos deveres constitucionais", disse ao fim da sessão o deputado Henry Ramos Allup, um dos líderes da oposição.

Embate de poderes

Mas por que uma decisão tomada pelo Legislativo e contemplada na Constituição não terá efeitos práticos? A explicação está na disputa política atual na Venezuela, que se reflete na dinâmica entre os poderes estatais.

As atividades da Assembleia têm sido anuladas pelo TSJ, que declarou inconstitucional a maioria dos projetos de lei aprovados desde o início da atual legislatura, há um ano.

Desde agosto, a Corte considera que o Parlamento age "em desacato" ao realizar sessões com a presença de três deputados do Estado do Amazonas que tiveram seus cargos suspensos cautelarmente por suposta fraude nas eleições.

Na semana passada, a Assembleia aprovou a destituição desses deputados. Assim, ela deixaria de estar "em desacato", mas a oposição não acredita que terá trégua do tribunal, que vê como controlado pelo Executivo.

'Golde de Estado'

Minutos antes da sessão de segunda-feira, o TSJ publicou um comunicado afirmando que a "Assembleia Nacional não tem poder para destituir o presidente da República".

Acredita-se, portanto, que a Corte declarará nula tanto a sessão quanto a declaração de "abandono de cargo" do presidente.

Héctor Rodríguez, porta-voz e líder da bancada do governo, chamou a declaração de "uma tentativa fracassada de golpe de Estado".

"É uma interpretação ridícula. Uma barbaridade do ponto de vista jurídico e político", afirmou Rodríguez ao final da sessão.

Ouvido pela BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o professor de Direito Constitucional Pedro Afonso del Pino, disse acreditar que "o abandono de cargo não procede".

"O abandono é quando o presidente deixa de exercer sua função. Se ele a exerce mal ou inconstitucionalmente, não é abandono de cargo."

'Até que haja eleições'

Apesar de tudo, o deputado opositor Allup sinalizou não se tratar de um "exercício de retórica inútil".

O deputado Freddy Guevara, também da oposição, afirmou ser preciso "fazer cumprir" a decisão e convocou uma mobilização nas ruas "até que haja eleições".

A oposição também vem tentando destituir o presidente pedindo oficialmente, desde abril de 2016, um plebiscito de revogação do mandato de Maduro. Mas este processo foi suspenso pelo Conselho Nacional Eleitoral em outubro passado.

O plebiscito revogatório é um mecanismo previsto na Constituição que permite tirar o presidente do cargo por votação popular.

As coletas regionais de assinaturas em prol do plebiscito seriam realizadas no final de 2016, mas foram adiadas pelo Conselho Nacional Eleitoral para o final do primeiro semestre deste ano.

Pelo menos 20% do eleitorado precisa apoiar a medida.

O adiamento da coleta, entretanto, inviabilizou um dos principais objetivos da oposição, o de conseguir a convocação de novas eleições após uma eventual destituição de Maduro. Para isso, o plebiscito teria de ser realizada até 10 de janeiro deste ano.

Mas agora, caso o plebiscito avance, quem assume é o vice-presidente, pois já terá se passado da metade (dois anos) do atual mandato presidencial.

Na Venezuela, o vice é indicado pelo presidente, que pode trocá-lo quando quiser - o que, aliás, Maduro fez na semana passada.

Assim, o partido de Maduro continuaria no poder até o final do atual governo, em 2019, para quando estão previstas as próximas eleições presidenciais.

Encontro

A oposição diz que Maduro rompeu com a ordem constitucional do país e que o direito a voto na Venezuela foi sequestrado.

Será nesse forte clima de conflito institucional que, no dia 13, será feita uma reunião entre os dois lados, com a intermediação do Vaticano.

Mas o descumprimento de acordos e a troca de acusações ameaçam esse diálogo, que, até o momento, tem se mostrado bastante improdutivo.