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O que acontecerá com a prisão de Guantánamo com os EUA sob Trump?

REUTERS/U.S. Department of Defense
Imagem: REUTERS/U.S. Department of Defense

21/01/2017 15h54

A Baía de Guantánamo, em Cuba, vive tempos de incerteza. Nem os presos que ainda estão ali trancafiados tampouco os que os vigiam sabem exatamente o que vai acontecer com uma das mais famosas prisões do mundo.

Barack Obama teve oito anos para fechar a prisão, mas não conseguiu cumprir a promessa feita logo que tomou posse.

Mas como esse lugar polêmico vai impactar no mandato de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos desde sexta-feira? Gordon Corera, analista de segurança da BBC, narra suas visitas à prisão norte-americana em Cuba e discute o futuro de Guantánamo:

Há 15 anos, em janeiro de 2002, os primeiros presos chegaram ao local, que fica numa extremidade isolada de Cuba, a 831 quilômetros de Havana. Eram os primeiros meses da chamada "guerra contra o terror" iniciada pelo então presidente George W. Bush.

Visitei a prisão algumas semanas depois e vi homens vestidos de laranja envoltos em gaiolas de aço, sob o sol quente cubano, no Campo Ray-X, uma instalação temporária.

Guantánamo foi escolhida como o local da prisão em parte porque não era solo norte-americano e, assim, era possível evitar a aplicação da lei daquele país.

Em seguida, houve a sensação de que a administração Bush estava improvisando - e ninguém tinha certeza de quanto tempo isso iria durar.

Na segunda vez que fui, dois anos depois da primeira, já havia sido instalada uma estrutura permanente, o Acampamento Delta. O centro de detenção tinha sido aberto para ficar.

O número de presos aumentou, chegando a somar cerca de 700 num momento de pico.

Mas, em seu segundo dia no cargo de presidente dos Estados Unidos, há oito anos, Obama prometeu fechar as instalações da prisão e, desde então, o ritmo de transferência de detentos para outros países aumentou.

Na minha visita há algumas semanas, achei o presídio muito vazio. Mas Obama não pôde cumprir sua promessa, em parte porque o Congresso americano bloqueou a transferência para os Estados Unidos de qualquer pessoa presa.

Últimas transferências

Restam em Guantánamo hoje menos de 50 detentos. Administração de Obama transferiu alguns antes do fim do mandato.

Em 3 de janeiro, Donald Trump deixou clara sua intenção numa mensagem no Twitter.

"Não deve haver mais libertações", escreveu ele. "São pessoas extremamente perigosas e não deveriam ser autorizadas a voltar ao campo de batalha."

No entanto, a Casa Branca se comprometeu a seguir com as transferências dos presos, ignorando o pedido de suspensão de Trump.

No dia 5 de janeiro, três ex-prisioneiros iemenitas de Guantánamo chegaram à Arábia Saudita e se reuniram com suas famílias. Na última semana, Oman divulgou ter recebido dez ex-internos.

Atmosfera controlada

A incerteza é claramente percebida durante a nossa última visita ao bloco de detenção.

A maioria dos detidos que permanecem na prisão estão agora no chamado Campo Seis.

Achávamos que não sabiam que estávamos lá, mas, claramente, perceberam a partir do momento em que um preso nos mostrou um ponto de interrogação com cadeado embaixo, pintados à mão.

Os prisioneiros acompanharam atentamente o resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos.

O coronel Steve Gabavics, comandante da Força Conjunta de Detenção, disse: "Todo mundo estava assistindo à televisão, mas o comportamento era quase como o de qualquer outra noite."

"Não notamos nenhuma resposta negativa significativa, ninguém se aproximou de nós com raiva, ninguém protestou, eles estavam apenas interessados em ver o que iria acontecer", acrescentou.

Uma diferença das minhas primeiras visitas é a interação entre os presos e os guardas, atualmente muito mais calma.

Em janeiro de 2002, os ataques de 11 de Setembro do ano anterior ainda estavam frescos e havia tensão e agressão de ambos os lados.

Agora, a atmosfera é muito mais controlada.

Durante nossa visita em dezembro de 2016, vimos que os presos batiam numa janela para chamar um guarda quando queriam mandar uma mensagem. E os funcionarios afirmam que os detentos são "obedientes".

Mas o que a chegada do presidente Trump significa para eles?

"Os presos têm perguntas como 'as transferências serão interrompidas? Não sabemos responder, eles não sabem, os advogados deles podem especular, mas ninguém sabe", diz o contra-almirante Peter Clarke, comandante da Força Conjunta de Guantánamo.

Clarke havia dito, antes do último tuíte de Donald Trump, que "alguns deles poderiam reagir mal" se percebessem que não serão transferidos.

Novos prisoneiros?

"Vamos encher (Guantánamo) de bandidos", disse Trump ainda durante a campanha eleitoral, em fevereiro de 2016.

O que aconteceria se o agora presidente Trump decidisse que não apenas vai suspender as transferências como também vai mandar novos internos para Guantánamo?

A capacidade máxima do Campo Seis é de cerca de 175 presos. Há ainda uma parte da base de Guantánamo, conhecida como "Sete". Sua localização exata é sigilosa.

Nesse lugar secreto ficam os presos considerados de alto risco, como Khalid Sheikh Mohammed, o suposto mentor dos ataques de 11 de Setembro. Ele ainda enfrenta o longo e lento processo de uma comissão militar, uma forma de julgamento.

O Campo Cinco agora já está vazio. Tinha capacidade para receber até 80 pessoas, mas foi parcialmente convertido em um novo centro médico.

Isso significa que, potencialmente, Guantánamo poderia acomodar mais de 100 presos adicionais quase que imediatamente. Para mais pessoas, contudo, seria necessário construir mais infraestrutura.

Os funcionários dizem que é uma "suposição razoável" querer separar novos detentos, uma vez que há a possibilidade deles pertencerem ao grupo extremista autodenominado Estado Islâmico (EI) em vez de representarem a al-Qaeda.

"Estamos prontos para receber alguns se isso for necessário no curto prazo", disse o coronel Gabavics.

'Ordens legais'

A pressão do governo Obama para fechar Guantánamo representava resistência para prender mais pessoas em operações antiterroristas em todo o mundo, dizem ex-funcionários.

Eles acreditam que a política de "não fazer prisioneiros" criou um incentivo para matar, em vez de capturar pessoas.

No governo Obama, aumentaram o ritmo e a distribuição geográfica dos ataques com drones, que, às vezes, podem significar a perda de material de inteligência útil.

Trump também disse que iria considerar a volta de práticas que podem ser consideradas tortura, como afogamento com água. Será que isso poderia acontecer em Guantánamo?

O contra-almirante Clarke disse estar "certo" de que não haverá nenhuma tortura ali.

"Independentemente das ordens que recebemos, quando chegam a mim vindas do Comando Sul dos Estados Unidos, tenho certeza que são ordens legais e que estarei pronto para executá-las", disse ele.

Em 15 anos, desde que Guantánamo foi inaugurada, os contornos da guerra dos Estados Unidos contra o terrorismo mudaram.

Novos inimigos surgiram e a resposta sobre o que fazer com eles - onde mantê-los, como tratá-los e, inclusive, se devem ser mortos ou capturados - dependerá do novo presidente.