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Por que a primeira batalha de Trump como presidente é contra a imprensa

Sean Spicer, secretário de imprensa de Donald Trump, lê nota na Casa Branca - Alex Brandon/AP
Sean Spicer, secretário de imprensa de Donald Trump, lê nota na Casa Branca Imagem: Alex Brandon/AP

23/01/2017 17h36

O primeiro fim de semana de Donald Trump como presidente dos EUA começou com um confronto aberto com a mídia americana.

Funcionários do governo se envolveram em uma guerra de palavras e números desde o sábado, quando o próprio Trump condenou a cobertura que a imprensa fez de sua posse.

E a disputa foi pelo número de participantes da cerimônia, a partir da publicação de duas fotos que comparavam a presença do público nesta sexta-feira e na primeira posse de Barack Obama, em 2009.

Nas imagens, fica evidente que a posse de Obama atraiu mais pessoas para as ruas de Washington do que a de Trump.

Após forte mensagem de Trump contra a cobertura da mídia, o Chefe de Gabinete da Casa Branca (um dos postos mais importantes do governo), Reince Priebus, disse: "Frente a essa obsessão de deslegitimar este presidente, não vamos nos sentar e deixar passar".

"Este governo vai lutar com unhas e dentes, todos os dias, contra esta tentativa de deslegitimar as eleições", disse Priebus à rede americana Fox no domingo.

Então veio a troca de opiniões sobre números precisos de público, já que não se divulga um número oficial depois da cerimônia de posse.

Durante uma visita à Agência Central de Inteligência (CIA) Trump disse que "parecia um milhão e meio de pessoas" a multidão que foi ao National Mall, mas não deu nenhuma evidência que apoiasse sua afirmação.

Na ocasião, ele classificou os jornalistas como algumas das "pessoas mais desonestas do planeta" por publicarem que a quantidade de participantes tinha sido muito menor.

Por sua vez, o secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, afirmou que cerca de 720 mil pessoas se reuniram na posse de Trump, mas acrescentou que "ninguém" tem os dados exatos de presença do público.

Os meios de comunicação reagiram.

O jornal "The New York Times" disse que as reivindicações da Casa Branca foram baseadas em "informações falsas", e que elas eram "uma exibição chamativa de inventividade e de agravos no início de uma Presidência".

Algumas redes americanas, como a CNN e ABC, consultaram os registros históricos para refutar uma por uma as falas de Spicer.

'Fatos alternativos'

Mas talvez a frase mais controversa no meio do debate entre a mídia e Trump foi dita pela conselheira de governo Kellyanne Conway durante um programa da NBC no domingo.

Quando o apresentador do programa "Meet the Press" ( Encontro com a Imprensa, em tradução livre), Chuck Todd, disse a Conway que a apresentação de Spicer estava "cheia de mentiras", ela respondeu:

"Se vamos nos referir nesses termos ao nosso secretário de Imprensa, acredito que vamos ter que repensar nossa posição neste programa."

Mas o apresentador insistiu em questionar Spicer sobre os dados de público na posse:

"O que ele fez foi apresentar fatos alternativos. Não há nenhuma maneira de contar as pessoas dentro de uma multidão com exatidão", disse ela.

A noção de "fatos alternativos" delineados por Conway foi duramente questionada.

"Fatos alternativos não são fatos. São mentiras", Todd respondeu.

A assessora citou outro fato que gerou atritos com os meios de comunicação - quando um repórter da revista Time publicou incorretamente que o busto do líder dos direitos civis Martin Luther King tinha sido removido do Salão Oval, onde fica o escritório do presidente dos Estados Unidos.

O repórter pediu desculpas pelo erro.

Vários meios de comunicação nos Estados Unidos rejeitaram o confronto verbal com a Casa Branca.

O jornal "Washington Post"disse que as "falsidades mostradas pela Casa Branca evidenciam que a forma tradicional de cobertura de notícias sobre o presidente morreu".

O "Post" acrescentou que, a partir de agora, a mídia deve colocar menos atenção nas declarações oficiais e, em vez disso, se concentrar em pesquisa de profundidade sobre a administração Trump.

A revista "Atlantic" também expressou preocupação sobre o incidente e disse em um editorial: "Se você está disposto a mentir sobre algo tão minúsculo, por que alguém deveria acreditar no que você diz sobre algo grande e importante?".

Outro importante meio, o site Politico, chamou a atenção para as graves consequências de a equipe Trump continuar "tendo uma relação instável e difícil com a verdade" e, citando o senador Adam Schiff, observou que esse comportamento "poderia colocar muitas vidas em risco" .

"Essa linguagem combativa também poderia se estender para questões importantes do governo e da segurança nacional... o que preocupa a muitos", disse o veículo.

Outros dados

A batalha de números não reduziu a quantidade de participantes no National Mall na sexta-feira, 20 de janeiro.

No domingo, Trump escreveu em uma de suas contas de Twitter (@realDonaldTrump) que a audiência de televisão da cerimônia de posse foi de 31 milhões de pessoas, quase 11 milhões a mais dos que viram o segundo juramento de Obama, em 2013.

No entanto, esses dados - que foram entregues pela empresa Nielsen - são menores do que os 38 milhões de pessoas ligadas à TV para assistir a posse de Obama em 2009 e ainda menos do que os 42 milhões que assistiram a posse de Ronald Reagan em 1981.

Os números semeiam mais dúvidas sobre a frase do Secretário de Imprensa da Casa Branca, que falou na "posse com a maior audiência na história".

Mas, além da batalha com a mídia, Trump também se referiu às passeatas pelos direitos das mulheres e contra seu governo que foram realizadas em mais de 600 localidades de todo o país um dia depois de sua posse.

"Assisti aos protestos ontem e estava com a impressão de que acabamos de ter uma eleição! Por que todas essas pessoas não votaram?", tuitou.

Mais tarde, porém, escreveu: "Protestos pacíficos são uma marca da qualidade da nossa democracia."

Anúncios já feitos

- Kellyanne Conway disse à CBS que as 20 milhões de pessoas que dependem da cobertura médica conhecida como "Obamacare" não vão ser deixadas sem atenção durante a transição para um novo plano.

- Ela acrescentou que Trump não vai entregar sua declaração de impostos.

- Trump orientou o Departamento de Saúde e Serviços Humanos "a renunciar, atrasar, garantir isenções ou atrasar" quaisquer ações do "Obamacare" que pesem financeiramente no bolso dos Estados, indivíduos ou operadoras de saúde.

- O governo restabeleceu uma regra implementada pela primeira vez no governo do também republicano Ronald Reagan, em 1984, proibindo ONGs estrangeiras que recebem dinheiro americano de promover aconselhamento sobre aborto ou defender o acesso à prática em seus países.

- A Casa Branca ordenou que as agências federais congelassem quaisquer planos de contratações de funcionários.

- Trump decretou oficialmente a retirada dos EUA da TPP - Parceria Transpacífico, na sigla em inglês -, uma de suas promessas de campanha.

- O chefe de gabinete, Reince Priebis, disse que a primeira semana do governo incidirá sobre comércio, imigração e segurança nacional.

- O chefe de imprensa de Trump, Sean Spicer, disse que o republicano vai se reunir com Enrique Peña Nieto, presidente do México, no dia 31 de janeiro, e com a premiê britânica, Theresa May, na próxima quinta-feira.