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'Cidade Proibida' que abrigou soviéticos e nazistas tenta se livrar de passado militar na Alemanha

05/03/2017 19h11

Ruínas, antigas casernas restauradas e casas novas dividem o espaço na "Cidade Proibida", localizada a cerca de 40 quilômetros ao sul de Berlim. Mas antes de ganhar esse apelido, durante quatro décadas Wünsdorf foi conhecida como a "Pequena Moscou", onde militares soviéticos e seus familiares viviam isolados do resto da Alemanha.

Com acessos bloqueados e uma cerca ao seu redor, apenas alemães com autorização podiam entrar na cidade escolhida para abrigar a sede do Comando Superior das Forças Soviéticas na Alemanha a partir de 1953. Escolas, lojas, supermercado e um centro de lazer e de esportes proporcionavam aos militares soviéticos e seus familiares todo o conforto necessário.

"Os russos que moravam em Wünsdorf tinham acesso a uma variedade maior produtos do que os alemães que moravam na República Democrática Alemã (RDA)", contou Jürgen Naumann, que trabalhava para uma empresa de segurança que prestava serviço na cidade durante o período que ela foi ocupada pelo Exército Vermelho.

Estima-se que cerca de 35 mil cidadãos da União Soviética moraram na cidade até 1994, quando Wünsdorf perdeu todos os seus habitantes pela segunda vez em menos de 90 anos.

A primeira perda marcou o início da história militar da região, em 1907, com os planos do Império Alemão para a construção de complexo para treinamento da Forças Armadas.

Segundo o historiador Sascha Gunold, do Centro para História Militar e Ciências Sociais das Forças Armadas da Alemanha, a proximidade de Berlim, a malha ferroviária existente na região e um certo isolamento foram os aspectos que levaram a escolha de Wünsdorf para abrigar o projeto.

De centro de treinamento a base de guerra

Com a escolha imperial, os habitantes da pequena vila foram obrigados a deixar suas casas em 1910. Neste período, foram construídos os principais e mais imponentes prédios do complexo, incluindo o espaço chamado a partir de 1945 de "Casa dos Oficiais", destinado à prática de esportes até o fim da Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, transformado no centro cultural da "Pequena Moscou".

Durante a Primeira Guerra Mundial, foram construídas ainda duas prisões e a primeira mesquita em solo alemão, para atender soldados muçulmanos detidos em Wünsdorf. O templo foi usado por muçulmanos berlinenses por alguns anos após o fim da guerra - devido ao risco de desabamento, acabou demolida em 1925.

No entre guerras, Wünsdorf se tornou um centro de treinamento esportivo para militares, usado inclusive na preparação de esportistas alemães que participaram dos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim. Mas, além desta sua função oficial, o local também serviu como uma base para o desenvolvimento de tanques de guerra.

"O Reichswehr [Defesa do Império] e Wehrmacht [Forças Armadas do Regime Nazista] construíram uma ampla infraestrutura militar em Wünsdorf, com casernas, depósitos, espaços para treinamento de tiro e para a formação de militares", destacou Gunold.

Na década de 1930, um complexo de bunkers, que incluía uma central de comunicação, passou a integrar a vila militar. Toda essa tecnologia e infraestrutura contribuíram para que Wünsdorf fosse escolhida para receber a maior central de comando da Wehrmacht, as forças armadas da Alemanha no período nazista. Da cidade, foram tomadas muitas decisões sobre os rumos da Segunda Guerra Mundial.

Apesar da importante posição militar, o complexo sobreviveu a Segunda Guerra praticamente intacto. Em abril de 1945, foi ocupado por tropas soviéticas quase sem resistência alguma, pois a grande maioria dos militares alemães estacionados ali fugiu antes da chegada do Exército Vermelho, que assumiu então o controle da vila militar.

De complexo militar alemão a cidade proibida

Em 1953, o Comando Superior das Forças Soviéticas na Alemanha foi transferido para Wünsdorf. Durante esse período de ocupação, a antiga vila militar se transformou em uma verdadeira cidade - uma das maiores mudanças foi o estabelecimento de um centro cultural na "Casa dos Oficiais", com teatro, cinema, diorama, piscina, sauna e jardim.

O local ganhou ainda uma grande estátua de Lênin, que teve um destino diferente da que havia em Berlim - lá, logo após o fim da República Democrática Alemã, em 1991, o objeto de 19 metros de altura foi rapidamente desmontado e enterrado num areal.

Em Wünsdorf, porém, Lênin sobreviveu ao fim da Guerra Fria e continua em pé, olhando para o horizonte.

Em 1977, a "Pequena Moscou" também conquistou uma linha trem que a ligava diariamente com a Grande na Rússia. Na estação ferroviária, o nome da cidade era escrito em alemão e em russo.

Apesar de ter se tornado uma verdadeira cidade, Wünsdorf preservou durante esse período seu passado militar. Ao abrigar o Comando Superior das Forças Soviéticas na Alemanha, também teve um importante papel na preparação de um plano operacional, caso a tensão da Guerra Fria passe às vias de fato, lembrou Gunold.

Mas essa bomba-relógio nunca chegou a explodir e toda a preparação se revelou desnecessária. Com a queda da União Soviética e o fim da Guerra Fria, os soviéticos que moravam em Wünsdorf tiveram que deixar a cidade e voltar para sua terra natal.

E assim a "Pequena Moscou" tornou-se uma cidade fantasma da noite para o dia.

"Tudo aconteceu muito rápido. Os habitantes de Wünsdorf formam notificados que tinha que voltar para a Rússia imediatamente e muitos deixaram quase tudo que tinham para trás", contou Naumann, que atualmente é o responsável pela segurança das ruínas da "Casa dos Oficiais".

Proibida

Com a retirada, a região de Wünsdorf voltou a pertencer ao governo do Estado de Brandenburgo e grandes planos foram feitos para os prédios abandonados. Foi nesta época também que ela ganhou o apelido de "Cidade Proibida", devido às restrições de acesso impostas pelo Exército Vermelho, que imperaram durante 40 anos no local.

Depois de perder todos os seus habitantes duas vezes em pouco menos um século, o distrito tenta agora deixar para trás seu passado militar e atrair moradores da capital alemã que desejam viver perto da natureza ou fugir de aluguéis elevados.

Hoje, 6,5 mil pessoas vivem na região. Algumas nas antigas casernas reformadas, outras em casas novas que surgiram em terrenos vazios.

Os planos iniciais do governo previam atrair 10 mil novos moradores para a antiga cidade, que acabou virando um distrito do município de Zossen.

O governo ainda busca investidores para reformar antigos prédios militares, a maioria construída na década de 1910, e a "Casa dos Oficiais", que é protegida pelo patrimônio histórico.

Em 2015, no auge da crise dos refugiados, algumas casernas foram reformadas e transformadas num abrigo que recebeu cerca de mil requerentes de asilo.

Mas, segundo Naumann, nem todos gostaram da nova vizinhança. Um grupo de interessados em adquirir um antigo prédio administrativo, localizado ao lado do abrigo, e transformá-los em apartamentos habitacionais acabou desistindo do negócio.