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O perfil do 'terrorista doméstico', o maior temor das autoridades britânicas

Stefan Rousseau/AP
Imagem: Stefan Rousseau/AP

24/03/2017 06h51

O anúncio de que Khalid Masood, o responsável pelos ataques que na quarta-feira causaram pânico no centro de Londres e até agora deixaram um saldo de cinco mortos e 40 feridos, era um cidadão britânico, não causou surpresa entre as autoridades de segurança do Reino Unido.

Desde os atentados a bomba ao sistema de transportes da capital, em julho de 2005, o foco dos serviços de inteligência britânicos passou para o que se pode chamar de "ameaça caseira". Afinal, dos quatro homens-bomba que provocaram a morte de 52 pessoas e ferimentos em mais de 500, três deles eram nascidos no país - Hassib Hussain, Mohammad Sidique Khan e Shehzad Tanweer - e o outro, Germaine Lindsay nascera na Jamaica mas mudara-se para o Reino Unido com apenas um ano de idade.

"Apenas quem não está envolvido com estudos de segurança e antiterror no Reino Unido ficou surpreso ao saber que o Khalid Masood é um (tipo classificado de)terrorista doméstico. A principal ameaça aos britânicos é o (chamado) terrorismo doméstico, em especial vindo de jovens do sexo masculino", explica Tom Wilson, especialista da Henry Jackson Society (HSJ), um centro de estudos sobre extremismo baseado em Londres.

No início do mês, a HJS divulgou um amplo estudo que analisou 269 incidentes ligados ao extremismo muçulmano, de ataques concretizados, planos descobertos pela polícia a condenações com base na legislação antiterror, entre 1998 e 2015. Nada menos que 72% dos casos envolveram cidadãos britânicos.

"O que mais chamou nossa atenção, porém, foi o fato de que em menos da metade dos casos havia algum envolvimento direto dos agressores com organizações reconhecidamente extremistas, como o Estado Islâmico ou a Al-Qaeda. Isso nos leva a concluir que a ameaça nos tempos atuais é de indivíduos que se inspiram nessas organizações sem receberem apoio financeiro ou logístico direto delas", completa Wilson.

Vídeo mostra momentos de pânico durante ataque

BBC Brasil

Novo perfil

Especialistas em movimentos extremistas afirmam que o novo perfil de ataques não é exclusivo dos britânicos no que diz respeito a "ligações tênues" com grupos acusados de terrorismo. Usam como exemplo os problemas enfrentados pelo Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Bombardeios comandados por forças de vários países, inclusive Rússia e EUA, bem como a ofensiva do exército iraquiano em Mossul, afetaram significativamente a capacidade do grupo de organizar ações mais ambiciosas como os ataques coordenados que mataram mais de 120 pessoas em Paris, em novembro de 2015.

Além disso, criaram problemas de recrutamento de jovens muçulmanos dispostos a viajar para o front de batalha, como vinha acontecendo com frequência desde 2011 - estima-se que mais de 30 mil militantes de 104 países aderiram à causa, entre eles mais de 4 mil europeus.

O corte nas linhas de suprimentos fez com que lideranças do EI iniciassem desde 2016 uma série de apelos para que militantes "levassem a luta para solo europeu" e usassem "as armas que tivessem à mão" para causar pânico. Os simpatizantes ouviram: em 14 de julho, o tunisiano Mohamed Lahouaiej-Bouhlel usou um caminhão alugado de 19 toneladas para atropelar a multidão que assistia a uma queima de fogos na cidade francesa de Nice. Mais de 80 pessoas morreram e 434 ficaram feridas.

Em dezembro, um ataque do mesmo tipo em um feira de natal em Berlim causou a morte de 12 pessoas (incluindo o perpetrador, o também tunisiano Anis Amri) e ferimentos em outras 56.

"É uma mudança de foco para o uso de amadores. Grupos como o EI perceberam que não precisam investir pesado em treinamento ou financiamento se sua propaganda é capaz de influenciar jovens nascidos ou radicados na Europa. Claro que seus líderes preferem ataques mais 'espetaculares' como o de Paris, mas perceberam que ainda podem causar pânico com ações mais improvisadas e isoladas".

Uma estratégia que torna ainda mais difícil a missão das autoridades de segurança de detectar ameaças. O relatório da HJS, por exemplo, diz que 76% de extremistas que participaram ou tentaram participar de ataques no Reino Unido entre 1998 e 2015 tinham sido de alguma maneira monitorados pelas autoridades de segurança.

A relação agora inclui Khalid Masood, que tinha sido investigado pelo MI5, mas não fora considerado uma ameaça iminente. Pode parecer uma falha da inteligência britânica, mas números divulgados pelas autoridades mostram a complexidade da tarefa: em outubro do ano passado, quando revelaram ter descoberto e desbaratado planos de 10 ataques extremistas em solo britânico entre 2014 e 2016, as autoridades do país disseram ainda estar envolvidas em mais de 550 investigações.

"Para investigar uma única pessoa, é necessário o envolvimento de até 30 agentes, entre monitoramento e infiltração em redes extremistas. Uma única pessoa. Isso mostra que é impossível conter todos os ataques, ainda mais porque apenas 26% dos casos registrados no Reino Unido incluíam gente fichada na polícia", diz Wilson.

O perfil típico dos extremistas britânicos traçado pela HJS chama a atenção também por revelar o quão jovem eles podem ser: a média de idade dos envolvidos é de 22 anos - Masood, aos 52 anos, é uma exceção. Há um grande desequilíbrio de gênero: 93% dos perpetradores são homens. No entanto, a participação feminina quase triplicou entre 2011 e 2015, justamente o período de popularização do Estado Islâmico e de sua ambiciosa campanha de recrutamento, marcada pelo uso de mídias sociais.

No entanto, o estudo da HJS reforça o argumento de que a radicalização de indivíduos ainda é mais potente como parte do dia a dia, e que o trabalho de conversão ainda é mais "analógico" - por meio de parentes ou pessoas conhecidas e sermões de clérigos mais próximos em vez de contas do Twitter ou mensagens de "tele-evangelistas" como o advogado britânico Anjem Choudary, ativista islâmico conhecido por posições extremistas e antissemitas, inclusive apologia às ações do EI, defendidas amplamente em aparições na mídia de vários países - ele atualmente cumpre pena de cinco anos por violações à legislação antiterror do Reino Unido.

O que não é questionado pelos analistas da HJS é o fato de que o típico extremista britânico surge de uma combinação entre má condição econômica e isolamento social. A proporção de extremistas desempregados ou fora do sistema educacional é de 53% e quase metade dos casos são indivíduos que vieram de algumas das regiões no topo da lista de mais pobres do Reino Unido.

Embora o último censo britânico (2011) estime que menos de 5% dos mais de 60 milhões de habitantes do Reino Unido sigam a religião muçulmana, em algumas regiões do país, a presença populacional é bem mais expressiva. Incluindo Birmingham, cidade que foi palco nesta quinta-feira de uma série de operações policiais ligadas ao ataque de Masood - e cuja proporção de muçulmanos na população é de 22%.

"Birmingham teve 39 prisões de extremistas entre 1998 e 2015, ficando apenas atrás de Londres. Três quartos deste total eram indivíduos dos bairros de Hall Green e Hodge Hill, não apenas de grande presença muçulmana, mas também com alguns dos piores indicadores sociais do Reino Unido", ressalta Tom Wilson.

"A não ser que estratégias de prevenção à radicalização surtam efeito e que os serviços de inteligência recebam mais informações do público, o Reino Unido continurá vivendo uma situação em que um atentado não será uma questão de 'se vai acontecer', mas sim de 'quando vai acontecer'.