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Três possíveis consequências do ataque americano à Síria

Ataque químico mata civis na Síria

AFP

08/04/2017 09h14Atualizada em 08/04/2017 10h28

O ataque da noite de quinta-feira, quando navios americanos dispararam 59 mísseis contra um base militar na Síria, foi classificado por analistas militares como uma mudança radical na política externa do presidente Donald Trump.

Até porque foi a primeira vez que os EUA atacaram diretamente instalações do regime sírio desde o início da guerra civil no país, em 2011. Não foi surpresa, então, que a ação tenha causado reações em todo o mundo.

Mas que consequências a ordem de Trump poderá ter tanto na Síria quanto no cenário internacional? Há três grandes pontos a debater:

1. Relações EUA-Rússia

A ofensiva foi levada a cabo por ordem de Trump, como represália por um suposto ataque químico do exército sírio contra civis, na cidade de Idlib, um dos principais bastiões de forças rebeldes no país.

O regime do líder Bashar Al-Assad tem o apoio da Rússia e, durante a administração do antecessor de Trump, Barack Obama, essa relação com Moscou tinha ditado um equilíbrio por parte de Washington.

"Obama decidiu que o interesse vital dos EUA na Síria era derrotar as forças do (grupo radical muçulmano) Estado Islâmico, sem envolver-se em um conflito maior no Oriente Médio", disse à BBC o ex vice-secretário de Estado americano Philip J. Crowley.

Até a chuva de mísseis da quinta-feira, os americanos, juntamente com o Reino Unido e a França, tinham realizado bombardeios aéreos contra posições do Estado Islâmico na Síria, mas não investiram diretamente contra as forças de Assad (Washington há anos fornece apoio logístico e financeiro a grupos de rebeldes lutando contra o regime, incluindo milícias curdas).

Trump, porém, mandou essa postura às favas e decidiu atacar o principal aliado da Rússia no Oriente Médio. Isso poderá azedar as relações entre os dois países, ambos membros do Conselho de Segurança da ONU.

A Síria é um país crucial para os interesses russos: é justamente lá que Moscou tem sua maior base militar fora de suas fronteiras.

O apoio russo tem sido fundamental para a sobrevivência de Assad desde 2015, quando Moscou lançou uma campanha aérea contra grupos rebeldes e reequilibrou um jogo de forças que havia trazido várias derrotas para o regime.

Por isso, a Rússia reagiu negativamente ao ataque americano: o porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov, disse que "o passo dado por Washington causou dano significativo às relações entre Rússia e EUA, que já estavam em situação lamentável".

Isso apesar de os EUA terem avisado à Rússia previamente sobre o ataque à base e de terem evitado atingir setores em que havia presença de militares russos.

A ação militar dos EUA ocorreu dias antes de uma reunião entre o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, e o presidente russo, Vladimir Putin, o primeiro entre o um integrante do governo Trump e Putin.

2. Combate ao Estado Islâmico

Ironicamente, o ataque americano pode acabar criando problemas para a estratégia de combate ao EI.

"Um colapso do regime pode transformar a Síria em um refúgio para extremistas islâmicos, justamente a situação que Trump quer evitar", escreveu, no "New York Times", o jornalista David Sanger.

A influência do grupo extremista na Síria foi minada nos últimos meses, com a perda de mais de um quarto do território que controlava no país e no Iraque durante 2016.

A história do EI mostra que seus militantes aproveitam espaços deixados por vácuos de poder, o que aconteceu na Síria com o enfraquecimento do regime de Assad desde 2011.

Outro problema para o objetivo americano de derrotar o EI é que, por enquanto, a coalizão aérea que comanda não teve problemas para sobrevoar espaço aéreo sírio. Mas isso porque as forças do regime e a Rússia não quiseram criar maiores impedimentos.

Sem falar que os atritos com Moscou impedem uma ação mais coordenada contra os extremistas.

3. Mais intervenções

A decisão de Trump de dar a ordem para um ataque direto a instalações do regime foi uma mudança radical de retórica e ação de Washington em relação à administração de Obama. Apesar de ter advertido Assad sobre o uso de armas químicas, Obama não reagiu militarmente após responsabilizar o presidente por um suposto ataque que teria deixado mais de 1.400 mortos, em agosto de 2013 - ironicamente, o então apenas bilionário e estrela de TV Donald Trump pediu publicamente que o presidente não atacasse a Síria.

"O ataque contra crianças e bebês teve um impacto muito forte para mim", disse Trump, ao comentar o que teria acontecido em Idlib na semana passada.

"Minha atitude em relação à Síria e a Assad mudou. Estamos falando de algo totalmente diferente agora".

No entanto, Rex Tillerson negou uma mudança oficial de política em relação à Síria.

"De maneira alguma este ataque muda nossa política em relação a atividades militares na Síria hoje", disse o secretário de Estado, segundo a agência de notícias Reuters.

Há quem tenha sugerido que o ataque americano foi uma forma de desestimular o regime sírio a cometer novos ataques químicos, algo respaldado pelo porta-voz do Pentágono (o estado maior das forças armadas americanas), Jeff Davis.

"A intenção foi dissuadir o regime de fazer isso de novo e nossa esperança é que tenhamos obtido este efeito".

O mesmo afirma Jonathan Marcus, analista de assuntos diplomáticos da BBC.

"Não há qualquer indicação de que os EUA queiram remover Assad do poder por meios militares".

Mas a pergunta-chave para alguns especialistas é como Washington reagirá caso o regime leve a cabo um ataque que deixe grande número de vítimas civis: retaliar à altura ou evitar ações mais diretas, o que poderia dar uma imagem de relutância para o governo americano.

"Em 2013, Obama ameaçou Assad com ataques aéreos, mas o problema é que os riscos de acirrar o conflito são muito maiores", diz Greg Jaff, repórter do jornal americano "The Washington Post".

E a razão é simples: a presença reforçada da Rússia.

"Agora as coisas estão mais difíceis", disse ao "Post" o general aposentado John Allen, que coordenou a campanha contra o EI no governo Obama.

"Os EUA precisam se perguntar o quão moralmente indignados estão com essa situação e se estão preparados para tomar medidas que incluem a morte de russos na Síria".

Outro ponto importante é se um endurecimento com a Síria seria um caso isolado ou o início de uma administração americana mais beligerante.

Por enquanto, só há perguntas.