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Como 'visão' do momento político e golpes de sorte tornaram Macron favorito à Presidência da França

Eric Feferberg/AFP Photo
Imagem: Eric Feferberg/AFP Photo

24/04/2017 12h19

Totalmente desconhecido dos franceses há apenas três anos, quando se tornou ministro da Economia do presidente François Hollande, o centrista Emmanuel Macron é o primeiro candidato de um partido que nunca disputou eleição no país a chegar ao segundo turno de uma eleição presidencial.

A imprensa francesa chegou a chamá-lo de "óvni" político quando entrou na corrida presidencial - afinal, era um "jovem", de 39 anos, concorrendo por uma sigla que acabara de ser criada. Agora, é o favorito para o cargo de presidente da terceira economia da Europa.

"Ninguém podia imaginar que um homem como Macron poderia se tornar o próximo presidente da França", diz o cientista político Martial Foucault, diretor do Cevipof (Centro de Pesquisas Políticas), da renomada universidade Sciences Po de Paris.

"Se Macron vencer, será uma ruptura na história política da França. Será a vitória de alguém que não pertence a nenhum partido institucionalizado e a nenhuma organização", completa Foucault.

Macron venceu o primeiro turno no domingo com 23,75% dos votos e enfrentará Marine Le Pen, da extrema-direita, que obteve 21,53%.

Pesquisas realizadas após a contagem do primeiro turno preveem ampla vantagem de Macron no pleito derradeiro do dia 7 de maio, dizendo que ele levaria de 61% a 64% dos votos.

O "movimento" do centrista, En Marche! (Em Marcha), foi criado há apenas um ano, depois que pediu demissão do cargo de Ministro da Economia do governo do socialista Hollande.

Social-liberal, Macron disse várias vezes durante a campanha que não é "nem de esquerda nem de direita". Se apresenta como um candidato que não faz parte do "sistema" político. Seu programa de governo foi várias vezes qualificado de "vago" pela imprensa.

"Estamos claramente virando uma página da vida política francesa. Os franceses expressaram seu desejo de renovação. Nossa lógica agora é a da união nacional", disse ele em discurso após a confirmação de que havia sido o mais votado no primeiro no turno.

Fim do bipartidarismo

A vitória de Macron e Le Pen no primeiro turno põe fim ao sistema de dois grandes partidos tradicionais - Os Republicanos, da direita, e os Socialistas, da esquerda - que alternam o poder na França há quase 40 anos. Pela primeira vez na história, ambos ficaram simultaneamente fora do segundo turno. François Fillon, dos Republicanos, levou 19,91% dos votos, e o socialista Benoît Hamon, apenas 6,35%.

Macron, o candidato mais pró-europeu entre os 11 que estavam na disputa, também é o mais jovem da história na França a vencer o primeiro turno de uma eleição presidencial - e seria o mais jovem a chegar ao cargo, caso eleito.

No evento que reuniu seus partidários no domingo, em um pavilhão de exposições em Paris, havia pessoas de várias idades, mas sobretudo jovens na faixa de 20 a 30 anos.

Seus eleitores ali presentes disseram ver Macron como algo novo, a personificação de um desejo de mudança pela juventude. Outros disseram ter votado nele porque não o veem como o "político profissional", presente há décadas na vida dos franceses, e ressaltaram o fato de "parecer honesto, até que provem o contrário".

O centrista e Marine Le Pen se beneficiaram do descrédito e até mesmo da rejeição dos franceses em relação à elite política tradicional e aos dois grandes partidos que dominaram o poder nas últimas décadas.

Os dez anos de governo do ex-presidente conservador Nicolas Sarkozy, de Os Republicanos, e do socialista François Hollande, o mais impopular dos últimos 60 anos, e a falta de medidas concretas para resolver os problemas do país - como o desemprego, na faixa dos 10% - decepcionaram os eleitores.

Para analistas, boa parte dos votos dados em Le Pen e Macron foram votos de protesto.

Os candidatos mais extremistas - Le Pen, da direita, e Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, da extrema-esquerda, que ficou em quarto lugar no primeiro turno -, levaram pouco menos de 40% dos votos.

Sorte

Mas para obter a liderança no primeiro turno e ser o grande favorito no segundo, Macron também se beneficiou de um golpe de sorte que nem ele mesmo esperava.

As primárias de Os Republicanos e do Partido Socialista eliminaram políticos de peso, que representavam o passado, como o ex-presidente Sarkozy, o ex-primeiro-ministro Alain Juppé, da direita, e o ex-premiê socialista Manuel Valls.

"Nem mesmo Macron poderia imaginar que líderes como Juppé ou Sarkozy fossem eliminados nas primárias e que o presidente Hollande não fosse se candidatar à reeleição", afirma Foucault, do Cevipof.

Foram escolhidas as alas mais extremas em cada campo: o conservador François Fillon, ultraliberal, e o socialista Benoît Hamon, que representa a ala antiliberal do PS. Isso levou descontentes com os nomes a migrar para Macron.

Além disso, Fillon, que liderava as pesquisas até o início do ano e era considerado o favorito na disputa - em razão da impopularidade do governo socialista - teve sua campanha profundamente abalada pelo escândalo de empregos fantasmas envolvendo sua mulher e filhos.

Políticos importantes de Os Republicanos, como o ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin, preferiram, depois disso, apoiar Macron.

Macron conseguiu, durante a campanha, atrair políticos de campos opostos: do ex-lider comunista Robert Hue ao ultraliberal Alain Madelin.

Os principais nomes da ala social-democrata do Partido Socialista (PS), representada pelo ex-premiê Valls, descontentes com a escolha do antiliberal Hamon, também declararam voto a favor de Macron. Para o segundo turno, o conservador Fillon, que chegou em terceiro lugar com 19,9% dos votos, e o socialista Hamon já declararam apoio ao centrista.

Hamon teve apenas 6,35% dos votos, o pior resultado do partido em eleição presidencialdes desde 1969 .

História

Macron, nascido em Amiens, no leste da França, em 1977, filho de médicos, formou-se em filosofia e estudou na renomada Escola Nacional de Administração (ENA), por onde passaram vários ex-presidentes, ex-primeiros ministros e grandes empresários.

Aos 16 anos, ele se apaixonou por sua professora, hoje sua mulher, Brigitte Trogneux, 25 anos mais velha e mãe de dois filhos. Na época, os pais de Macron se opuseram à relação e ele foi morar com a avó em Paris.

Funcionário público de alto escalão na área do Ministério da Economia, ele iniciou, em 2008, uma carreira no setor privado, no banco Rothschild.

Foi membro do PS entre 2006 e 2009, ligado a Michel Roucard, figura de proa da corrente social-liberal dentro do partido.

Após a eleição de Hollande, em 2012, Macron se tornou secretário-geral-adjunto de gabinete da Presidência, antes de ser nomeado ministro da Economia, em agosto de 2014, e deixar o governo apenas dois anos depois.

Le Pen

Sua rival, Marine Le Pen, que defende a saída da França da União Europeia (UE) e da zona do euro, está há mais tempo na vida política francesa. Ela disputa sua segunda eleição presidencial.

Formada em Direito, a deputada europeia, que também já foi vereadora no final dos anos 2000, assumiu em 2011 o comando da Frente Nacional (FN), fundada por seu pai há mais de 40 anos.

Desde então, procura desvincular a imagem da FN à de partido racista e antissemita, da época de seu pais.

Le Pen obteve mais de 7,6 milhões de votos no primeiro turno, batendo o recorde da FN em uma votação na França.