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'Não temos lugar aqui': a rotina de medo da minoria cristã no Egito

Marian Abdel Malak (à esq. na foto) perdeu o irmão, Bishoy, em ataque contra cristãos no Egito - BBC
Marian Abdel Malak (à esq. na foto) perdeu o irmão, Bishoy, em ataque contra cristãos no Egito Imagem: BBC

28/04/2017 15h37

No antigo Mosteiro de São Menas, nas areias do deserto do Egito, uma tumba de concreto guarda os restos mortais de cristãos massacrados por sua fé -- não na época do Império Romano, mas em abril de 2017.

Eles estavam entre quase 50 pessoas mortas em ataques coordenados contra duas igrejas. O grupo extremista autodenominado Estado Islâmico (EI) reivindicou a autoria dos atentados realizados no Domingo de Ramos.

Padres que vivem no mosteiro dizem que a perseguição é tão antiga quanto a fé cristã.

"A história dos cristãos é assim", disse o padre Elijah Ava Mina, em túnica preta que contrasta com a longa barba branca. "Jesus disse: 'Estreita é a porta e difícil o caminho'."

A cripta tem agora sete caixões, mas há espaço para mais. Ataques futuros são praticamente certos. O braço egípcio do EI já afirmou que cristãos são suas "vítimas favoritas".

Estima-se que essa minoria sitiada corresponda a 10% da população egípcia, país de 90 milhões de pessoas de maioria muçulmana.

A maior parte dos cristãos no país pertence à Igreja Ortodoxa Copta, cuja origem é traçada desde o apóstolo São Marcos. O EI atacou o coração histórico dessa fé. Um de seus alvos foi a igreja mais antiga do Egito -- a Catedral de São Marcos, no porto de Alexandria.

Gergis Bakhoom escapou por pouco do atentado na Catedral de São Marcos - BBC - BBC
Gergis Bakhoom escapou por pouco do atentado na Catedral de São Marcos
Imagem: BBC

'Meu filho'

Quando o autor do atentado chegou aos portões de ferro da catedral, Gergis Bakhoom tinha acabado de sair. De volta a sua pequena alfaiataria, o senhor de 82 anos soube da explosão.

Ele correu ao hospital em tempo de testemunhar seu filho mais velho, Ibrahim, dar seu último suspiro.

"Ele estava ofegante, tentando respirar", disse Gergis, imitando o que viu. "Depois disso, pegaram um lençol, cobriram o corpo e o enviaram ao necrotério. Vi com os meus próprios olhos, ele que deveria ter me enterrado", afirmou o alfaiate, aos prantos. "Em vez disso, eu que o enterrei."

Pai e filho trabalhavam juntos, dividindo uma máquina de costura. "Ele tinha um objetivo na vida", disse Gergis. "Nós trabalhavamos duro, ponto a ponto, para sustentar os filhos dele."

A dor dessas pessoas se mistura com a raiva. Após o primeiro ataque naquele dia, em uma igreja na cidade de Tanta, cristãos espancaram um policial de alta patente na rua --enfurecidos diante da possibilidade de um novo ataque do EI. Em dezembro de 2016, um ataque suicida deixou cerca de 30 pessoas mortas durante uma missa no Cairo.

O filho de Gergis Bakhoom, Ibrahim, foi morto no atentado na Catedral de São Marcos - BBC - BBC
O filho de Gergis Bakhoom, Ibrahim, foi morto no atentado na Catedral de São Marcos
Imagem: BBC

'Não temos valor'

Os atentados mais recentes tiraram de Marian Abdel Malak três de seus entes queridos, incluindo seu irmão de 18 anos, Bishoy. O rapaz vinha frequentando a igreja com regularidade e havia dito à família que desejava morrer como um mártir cristão.

De algum modo, os sobreviventes esperam o mesmo destino, diz Malak.

"Se coisas continuarem assim e não tivermos nossos direitos assegurados, definitivamente não teremos futuro", disse a jovem de 26 anos. "Nós estaríamos melhor se estivessemos mortos, por não temos lugar nesse país, nas escolas, no governo. Não temos nenhum valor."

Sandro George, um amigo do jovem morto, afirma que as autoridades deveriam ter reforçado a segurança ainda em 2011, quando cerca de 25 pessoas morreram em um atentado contra uma igreja em Alexandria.

"Se tivessem realmente a intenção de dar segurança às igrejas e afastar qualquer perigo, teriam feito isso naquela ocasião", afirma. "Depois daquela explosão, apenas dois policiais foram enviados para fazer a segurança da igreja."

A segurança aumentou após os ataques recentes. O presidente do Egito, Abdul Fattah al-Sisi, decretou estado de emergência por três meses e enviou o Exército para imediações de igrejas.

Mas alguns cristãos alertam que, conforme o assunto for deixando os jornais a força de segurança também desaparecerá.

Visita do Papa

Enquanto fieis se concentravam na Catedral de São Marcos para uma missa recente, tropas em um veículo blindado marcavam posição em uma esquina próxima.

Algumas horas depois --com multidões ainda chegando para o serviço religioso-- o veículo já não estava mais lá.

Sitiados, os coptas dizem que sua comunidade está sob ameaça, não só pelo EI, mas também por tensões sectárias e um longo histórico de discriminação.

Uma lei do ano passado dificultou a construção de novas igrejas cristãs, de acordo com Ishak Ibrahim, um pesquisador que estuda liberdade religiosa.

E se cristãos tentarem se reunir em casa para rezar podem ser alvo de ataques, afirma ele.

Enquanto ainda praticam o luto pelas últimas vítimas, os cristãos do Egito se preparam para a visita do papa Francisco, que chegou nesta sexta-feira ao país para uma visita histórica de dois dias.

No primeiro discurso em solo egípcio, o papa disse que não pode haver violência em nome de Deus. "A paz por si só... é sagrada, e nenhum ato de violência pode ser perpetrado em nome de Deus, o que profanaria Seu nome", disse o pontífice.

Em meio a uma das comunidades cristãs mais antigas do Oriente Médio, o papa deverá se deparar com uma nova onda de medo diante do futuro.

Mas há quem tire força do sofrimento.

"Não tenho medo", disse Nadia Nazeem, a mãe de Bishoy, com a voz embargada.

"Coisas ruins aconteceram, estão acontecendo e acontecerão no futuro, mas não vou parar de ir à igreja. Irei a todas as igrejas."