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As 3 grandes incógnitas sobre a Assembleia Constituinte convocada por Maduro na Venezuela

Carlos Garcia Rawlins/Reuters
Imagem: Carlos Garcia Rawlins/Reuters

05/05/2017 11h29

Na última segunda-feira, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, convocou uma Assembleia Nacional Constituinte para "redigir uma nova Constituição" com a missão de "reformar o Estado".

A medida gerou duras críticas da oposição, que a viu como "a consumação de um golpe de Estado" e uma forma de o chavismo se manter no poder após a derrota nas eleições legislativas do final de 2015.

Em parte, as críticas foram reforçadas pelas incertezas sobre a convocação. Nem mesmo a publicação do decreto de convocação da Assembleia, com apenas dois artigos e nove propostas, esclarece as dúvidas que pairam no ar.

Sabe-se, basicamente, que a Constituinte terá 500 membros.

O governo disse que a oposição poderia propor "recomendações", isso em meio à escalada da onda de protestos contra Maduro, que dura mais de um mês e já deixou 30 mortos e centenas de feridos - e poucos dias depois de o país anunciar sua saída da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Entenda a três grandes incógnitas que pairam sobre a convocação da Assembleia Constituinte na Venezuela:

O presidente pode convocar uma Assembleia Nacional Constituinte?

Essa é a questão mais polêmica do anúncio feito por Maduro. Para a oposição e alguns constitucionalistas, ela só poderia ser convocada "pelo povo", em um plebiscito.

Segundo o governo, o presidente não precisa solicitar esse plebiscito.

"Não há necessidade de se perguntar hoje (à população) se eles querem ou não uma Constituinte", disse na quinta-feira Aristóbulo Istúriz, ministro das Comunas, em entrevista ao canal de televisão Globovisión.

Istúriz, que faz parte da comissão apontada para a criação da assembleia, explicou que o ex-presidente Hugo Chávez convocou um plebiscito em 1999 para criar uma Constituinte porque "a Constituição anterior não previa esse procedimento."

Mas para Enrique Sánchez Falcón, advogado constitucionalista e professor de direito na Universidade Central da Venezuela, o presidente não teria autoridade para fazer essa convocação.

"Segundo o artigo 347 da Constituição, o poder original está no povo e caberia a ele solicitar o acionamento desse mecanismo."

O artigo diz que, no exercício deste poder, "o povo da Venezuela pode convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, com o objetivo de transformar o Estado, criar novas leis e redigir uma nova Constituição".

De acordo com Sánchez, o Executivo teria o direito, apenas, de dar os primeiros passos no processo, conforme prevê o artigo 348 da Constituição.

"Eles podem fazer a proposta, pedindo ao Conselho Nacional Eleitoral que convoque um plebiscito para deixar o povo decidir se quer que a Constituinte aconteça ou não", esclarece.

Para a oposição, a não convocação do plebiscito é uma "violação constitucional" e uma estratégia do governo para permanecer no poder sem o correr o risco de ir às urnas.

Como será formada a Assembleia Nacional Constituinte?

Maduro disse na segunda-feira que a Assembleia Constituinte terá 500 membros e será comunitária e "chavista". Segundo ele, metade de seus integrantes serão eleitos pela base da classe trabalhadora.

Os outros 250 constituintes serão escolhidos por "um sistema territorializado, com caráter municipal".

De acordo com o decreto, a Constituinte será composta por pessoas que façam parte dos âmbitos "setoriais e territoriais".

Estas especificações não estão, no entanto, contempladas na Constituição - e não se sabe como serão definidas pelo governo.

Para isso, Maduro criou uma comissão, formada por membros do governo, responsável --por informar as regras que vão reger o processo - como a seleção dos integrantes e o tempo da duração.

Alguns constitucionalistas estão preocupados que a estrutura possa violar o princípio da universalidade do voto.

Professores de direito institucional da Universidade Central da Venezuela (UCV) declararam em um comunicado conjunto que a eleição dos membros da Constituinte "deve ser por sufrágio democrático, ou seja, voto livre, universal, direto e secreto".

Eles também observam a potencial natureza partidária dos conselhos comunitários, que o presidente disse querer incluir como membros da Assembleia Constituinte.

Maduro afirmou que a natureza "comunitária" da Assembleia estaria garantida na participação de representantes de organizações de base, trabalhadores, jovens, indígenas e operários.

A oposição vê a proposta como uma forma de reunir beneficiários e simpatizantes do governo, o que facilitaria a continuidade da gestão de Maduro.

Sobre o sistema "territorializado", sabe-se pouco além do fato de o governo descrevê-lo como de caráter municipal.

Por enquanto, já foi realizada a primeira reunião da comissão. Porta-vozes do governo convidaram a oposição a participar, embora ainda não se saiba se estes aceitarão o convite.

O que está claro é que o processo de definição da base da Constituinte promete ser longo, em um contexto de grave crise econômica e descontentamento popular. E os protestos não parecem diminuir no futuro próximo.

Será que a oposição vai participar do processo?

Outra incógnita se refere à participação da oposição, que faz críticas à ausência de detalhes no processo. Segundo eles, a Constituinte parece ter sido convocada para favorecer o partido no poder.

Mas, de acordo com Daniel García, correspondente da BBC Mundo - o serviço em espanhol da BBC - na Venezuela, o tempo e a ausência de outras possibilidades podem fazer com que a oposição resolva participar do processo na tentativa de ganhá-lo.

Na quinta-feira, o governo estendeu para a Mesa da Unidade Democrática (MUD) o convite para ouvir as motivações da Assembleia Constituinte e dar "sugestões" sobre os detalhes da eleição de seus integrantes.

A movimentação do governo dividiu a oposição. Enquanto parte vê a iniciativa como uma armadilha, outros a entendem como uma oportunidade para ganhar espaço, uma vez que a pressão nas ruas está a favor deles.

Há quem diga que não entrar no processo é pior do que participar. A oposição já triunfou nas eleições legislativas de 2015, por exemplo, em condições pouco favoráveis.

Em alguns conselhos comunitários, apesar de serem redutos muito ligados ao chavismo, há muita gente descontente com o governo - alguns, inclusive, são militantes da oposição.

Para o correspondente da BBC Mundo, a decisão sobre participação ou não do processo, seja qual for, não agradará a todos.