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Por que um eventual impeachment de Trump é hoje improvável

AFP PHOTO / SAUL LOEB
Imagem: AFP PHOTO / SAUL LOEB

Gerardo Lissardy

BBC Mundo, Nova York

19/05/2017 09h13

O que era apenas assunto de mesa de bar ou pauta de debates informais nas redes sociais, se tornou uma questão oficial nos corredores do poder em Washington: o presidente Donald Trump poderia ser submetido a um processo de impeachment?

Os adversários de Trump sinalizam cada vez mais a intenção de abrir um processo de impeachment no Congresso para tirá-lo do cargo, baseado nas suspeitas de que o presidente teria tentado obstruir a Justiça.

Notícia publicada na terça-feira pela imprensa americana diz que Trump pediu em fevereiro ao então diretor do FBI, James Comey, para encerrar a investigação sobre a ligação de Michael Flynn, ex-assessor de Segurança Nacional, com a Rússia.

A Casa Branca negou a informação, que se baseia em um memorando que Comey escreveu sobre a reunião em que o pedido teria sido feito. Ele foi demitido por Trump na semana passada.

A oposição não tardou em cogitar publicamente a possibilidade de abrir um processo contra Trump, que protagonizou outra polêmica nesta semana, quando foi divulgado pela imprensa que ele tinha compartilhado informações confidenciais sobre o grupo extremista autodenominado Estado Islâmico (EI) com as autoridades russas.

"Eu venho aqui hoje", disse o congressista democrata Al Green na quarta-feira na Câmara dos Representantes, "para pedir o impeachment do presidente dos Estados Unidos por obstrução da Justiça."

O deputado republicano Justin Amash, membro do partido de Trump, também indicou que haveria motivo para impeachment caso seja confirmada a veracidade do memorando de Comey.

No entanto, a probabilidade de Trump perder o cargo por um processo de impeachment no Congresso é apontada como remota por analistas.

"É muito, muito difícil que haja um impeachment do presidente", avalia John Patty, professor de ciência política na Universidade de Chicago, consultado pela BBC.

E há várias razões para isso.

Um caminho complexo

O primeiro motivo é que, até agora, Trump não foi formalmente acusado de cometer qualquer crime, requisito fundamental para removê-lo do cargo.

O memorando de Comey e sua demissão podem ser vistos como uma prova dos esforços do presidente para influenciar as investigações do FBI sobre possíveis cooperações ocultas com a Rússia, país que, segundo os serviços de inteligência dos EUA, tentou interferir nas eleições que elegeram Trump.

No entanto, para que uma acusação de obstrução da Justiça vá adiante é preciso provar que Trump agiu com intenção de corrupção, o que pode ser complexo.

Há dois caminhos possíveis para isso: um processo na justiça criminal, com caráter estritamente jurídico, ou o impeachment, que pode levar em conta questões políticas no Congresso.

Para que o processo de impeachment seja aberto, é necessário maioria de votos na Câmara de Representantes. Já para destituir o presidente do cargo, pelo menos dois terços dos senadores precisam votar pela condenação.

E parece improvável que sejam alcançados todos esses votos contra Trump, já que seu partido controla ambas as casas do Congresso.

"Não acredito que haja republicanos suficientes para derrubar Trump, mesmo que haja republicanos suficientes na Câmara dispostos a começar o processo de impeachment", diz Patty.

Cautela do Congresso

O Congresso dos EUA sempre tratou com cautela sua prerrogativa de impeachment. Na verdade, até hoje nunca chegou ao extremo de destituir um presidente.

Os dois casos mais recentes de processo de impeachment abertos contra presidentes dos EUA incluíram acusações de obstrução da Justiça: Richard Nixon, em 1974, e Bill Clinton, em 1998.

No entanto, nenhum dos processos terminou em condenação. Nixon renunciou antes que isso pudesse acontecer, em meio ao escândalo de Watergate, e Clinton foi absolvido pelo Senado das acusações que enfrentou após revelar seu caso com Monica Lewinsky.

O outro processo de impeachment foi contra Andrew Johnson, em 1868, por tentar substituir um membro de seu gabinete sem a aprovação do Senado, e foi encerrado com a absolvição do então presidente por apenas um voto de diferença.

No caso de Trump, que na quarta-feira se queixou de que "nenhum político na história" foi "tratado mais injustamente" do que ele, há sinais claros de a inquietação do Congresso está aumentando diante das polêmicas que o cercam.

Duas comissões do Senado solicitaram na quarta-feira ao FBI os registros sobre qualquer comunicação sobre a Rússia que seu ex-diretor Comey, convidado a prestar depoimento, tenha mantido com representantes da Casa Branca.

Mas os líderes republicanos argumentam que, até agora, não surgiram provas irrefutáveis ??de que Trump teria infringido a lei. Se aparecer algum fator novo, talvez haja uma mudança de postura.

No entanto, antes de um eventual processo de impeachment, a pressão que os republicanos enfrentam dos democratas é para que aceitem nomear um conselho especial para supervisionar de forma independente a investigação sobre a Rússia.

Ross Douthat, colunista conservador do jornal americano The New York Times, disse que, dada a improbabilidade de que os republicanos atuem contra Trump, uma alternativa ao impeachment seria tirá-lo do cargo usando a 25ª emenda à Constituição.

Trata-se de um mecanismo que permite a uma maioria do gabinete advertir o Congresso de que o presidente é "incapaz de executar os poderes e deveres do seu cargo".

Mas, mesmo que a acusação contra o presidente seja impetrada, ainda seriam necessários dois terços dos votos de ambas as casas do Congresso para destituí-lo.

O que, na verdade, seria mais difícil de ser alcançado do que o impeachment.