Topo

Com matemático e até bombeiro, Macron coloca 'nova política' à prova em eleição na França

Gonzalo Fuentes/Reuters
Imagem: Gonzalo Fuentes/Reuters

Daniela Fernandes

De Paris para a BBC Brasil

10/06/2017 18h38

Pouco mais de um mês após ser eleito, o presidente da França, Emmanuel Macron, enfrentará seu primeiro teste nas urnas em eleições legislativas neste próximo domingo.

Segundo pesquisas de opinião, o República em Marcha (LRM, na sigla em francês), partido recém-criado por Macron, poderá obter uma ampla maioria parlamentar no pleito, que ocorre em dois turnos, neste domingo (11) e no próximo (18).

Caso as sondagens se confirmem, o LRM elegerá mais de 400 dos 577 deputados - cerca de 70% das cadeiras da Assembleia Nacional, possibilidade que surpreende analistas no país.

Nas últimas semanas desde a vitória de Macron, em 7 de maio, especialistas descartavam que o presidente pudesse conquistar maioria absoluta (290 cadeiras) no Parlamento.

Além de começar do zero, sem representantes no Legislativo, seu partido parecia enfrentar concorrencia acirrada das siglas que somaram cerca de 20% no primeiro turno do pleito presidencial - Os Republicanos (direta conservadora), Frente Nacional (extrema direita) e França Insubmissa (extrema esquerda).

Pesquisa Ipsos divulgada na última sexta-feira, por exemplo, indicava de 397 a 427 deputados para o bloco formado pelo LRM e o aliado centrista MoDem.

Se as projeções se confirmarem no segundo turno, o LRM de Macron conquistará o maior número de cadeiras para um único partido no Parlamento em 60 anos.

O recorde atual é detido por Os Republicanos, com 62% das cadeiras nas eleições legislativas de 2002.

Novos rostos

Um aspecto relevante da disputa é o perfil dos candidatos do partido de Macron: metade dos nomes nunca exerceu mandato político e vem da sociedade civil.

A idade média dos candidatos do LRM é de 47 anos (contra 60 anos no Parlamento atual). A lista respeita a paridade entre homens e mulheres, com um número um pouco maior de candidatas.

O próprio presidente nunca havia disputado eleição antes de conquistar a Presidência, e construiu sua plataforma política com forte apelo à renovação.

A relação de candidatos do LRM inclui o matemático Cédric Villani (vencedor da medalha Fields, popularmente conhecida como "prêmio Nobel" da disciplina) e o juiz anticorrupção Eric Halphen, além de candidatos de ocupações como professor, médico, engenheiro, agricultor, bombeiro e cabeleireiro.

"Alerta de tsunami na Assembleia Nacional", escreveu o jornal Le Monde na edição deste final de semana. "O República em Marcha surfa em uma onda que engole, submerge e enterra em primeiro lugar os representantes da antiga maioria parlamentar", diz o diário, em referência ao Partido Socialista e seus aliados.

Imagem e articulação política

Para analistas, além de pegar carona no desejo da sociedade francesa por renovação política, Macron soube construir rapidamente, dentro e fora da França, a imagem de presidente - apesar da inexperiência e de ter apenas 39 anos.

Durante a campanha, ele prometera "reabilitar" a função presidencial, desgastada após os mandatos do socialista François Hollande (2012-2017) e do conservador Nicolas Sarkozy (2007-2012).

No plano internacional, seu longo aperto de mãos com o presidente americano, Donald Trump, que tentou interrompê-lo duas vezes, foi amplamente comentado na imprensa americana.

O vídeo de Macron em resposta a saída dos Estados Unidos do acordo climático de Paris também ganhou destaque na mídia internacional.

O provável sucesso no primeiro teste eleitoral de Macron, que fez campanha dizendo não ser "nem de direita nem de esquerda", também tem a ver com a habilidade política que ele demonstrou ao compor seu governo, apontam especialistas.

Ele recrutou o primeiro-ministro e os ministros da Economia e do Orçamento entre políticos d'Os Republicanos, criando divisões no partido rival, que tinha chances de ser o mais votado nas eleições legislativas.

Projeções sinalizam que os conservadores deverão obter cerca de cem deputados, a metade do número atual.

"Macron está conseguindo o que seus predecessores quase jamais puderam conhecer: o consenso direita-esquerda", diz Gaël Sliman, presidente do instituto de pesquisas Odoxa.

O presidente também atraiu a seu governo, como ministro da Ecologia, Nicolas Hulot, consultor do governo francês no acordo de Paris e nome muito popular no país na defesa do meio ambiente.

Hulot nunca havia aceitado um cargo político, embora tenha recebido convites de vários presidentes, como Jacques Chirac, Nicolas Sarkozy e François Hollande.

Outro fator que deverá contribuir para o índice alto de renovação da Assembleia Nacional francesa, que poderá ser o maior em décadas, é a entrada em vigor da lei que proíbe a acumulação de certos cargos (como deputado e prefeito, por exemplo).

Mais de um terço dos parlamentares não disputarão a reeleição por terem optado atuar em suas outras atividades.

Riscos e projeções

A possível hegemonia parlamentar de Macron traz riscos, avalia o cientista político Pascal Perrineau, da universidade Sciences Po.

"Com uma maioria de 400 deputados sobre 577 não há muito debate democrático", diz.

Analistas também apontam possibilidade de recuo do pluralismo diante de um Parlamento com oposição desaticulada.

"Não vai haver oposição, mas sim oposições fragmentadas", sugere Perrineau.

A taxa de participação do eleitorado nas eleições deste domingo deverá ser baixa, segundo pesquisas - em torno de 55%.

A votação deverá ainda ser marcada pela desidratação do Partido Socialista, que poderá passar dos atuais 284 deputados para 35, segundo projeções.

Outra tendência que se desenha é o desempenho abaixo do previsto inicialmente da Frente Nacional (FN), de extrema direita, apesar de Marine Le Pen ter chegado ao segundo turno da eleição presidencial.

Pesquisas recentes indicam que a FN, que hoje possui apenas dois deputados, deverá alcançar de 5 a 15 cadeiras. Uma delas deverá ser conquistada por Marine Le Pen, candidata no Pas-de Calais, um de seus redutos eleitorais.

Um desempenho ruim deverá afetar os planos de Le Pen de representar a principal força da oposição. Estimativas na época da eleição presidencial apontavam que a FN obteria de 50 a 60 cadeiras no Parlamento.

Se chegar ao número mínimo de 15 deputados, a FN conseguirá, pela primeira vez na história, formar um grupo parlamentar, o que permite receber verba para despesas de gabinete, entre outros recursos.