Topo

As mulheres na Tunísia que querem 'voltar a ser virgens'

REUTERS/Yannis Behrakis
Imagem: REUTERS/Yannis Behrakis

20/06/2017 11h56

Jasmine (nome fictício) parece nervosa. Ela rói as unhas enquanto checa seu celular, constantemente.

"Estou muito preocupada", diz.

A reportagem da BBC acompanhou a ida de Jasmine a uma clínica ginecológica particular em Túnis, na Tunísia, onde ela pretendia fazer uma himenoplastia - um rápido procedimento que promete "reconstruir sua virgindade" cirurgicamente.

No país norte-africano, há uma grande expectativa de que as mulheres sejam virgens ao se casar, o que tem levado a um aumento na demanda por cirurgias de reconstrução do hímen.

O casamento de Jasmine, 28 anos, está agendado para daqui a duas semanas, e ela quer evitar que seu futuro marido descubra que ela já perdeu a virgindade.

E ela teme que nem a himenoplastia seja suficiente para lhe dar paz de espírito.

"Pode ser que algum dia eu inadvertidamente deixe escapar (a perda da virgindade) durante alguma conversa com meu marido", diz. "Ou pode ser que ele suspeite de algo."

Pressão

Correm pelo país relatos de jovens mulheres que se divorciaram pouco depois de terem se casado, porque seus maridos suspeitaram que elas não eram mais virgens.

Jasmine nasceu em uma família liberal e passou muitos anos de sua vida no exterior.

"Tive um relacionamento com um homem", ela conta. "Na época, não tinha ideia do tamanho da pressão da minha sociedade e quais seriam as consequências (de ter relações sexuais). Então agora tenho medo. Se contar ao meu noivo, tenho certeza de que nosso casamento será cancelado."

Por isso, ela decidiu pagar US$ 400 (R$ 1.300) pela himenoplastia, que demora cerca de 30 minutos. Ela passou meses economizando o dinheiro em segredo.

O ginecologista dela, Rachid (nome também fictício), diz que realiza, em média, dois procedimentos do tipo por semana.

Rachid conta que 99% de suas pacientes têm preocupações semelhantes às de Jasmine: elas têm medo de causar vergonha à família pelo simples fato de não serem mais virgens.

Acontece que o hímen pode romper por outros motivos que não uma relação sexual - por exemplo, pelo uso de absorventes internos -, o que leva algumas meninas a serem acusadas erroneamente de terem tido relações sexuais antes do casamento.

"Ginecologistas fazem a reconstrução do hímen. Não tem nada de excepcional nisso", diz Rachid. "Mas alguns médicos se recusam a fazê-lo. Eu faço porque discordo daqueles que veem a virgindade como algo sagrado. Fico muito irritado. Princípios religiosos são usados como disfarce por uma sociedade patriarcal. Vou continuar a desafiar isso."

'Hipocrisia'

A Tunísia é apontada como referência em termos de direitos femininos no norte da África - sendo, inclusive, um dos primeiros países a legalizar o aborto até 12 semanas de gestação, ainda nos anos 1960.

Mas a religião e a tradição social tunisianas ditam que as mulheres devem manter a virgindade até se casarem.

As leis do país chegam a prever o divórcio como uma possibilidade em casos de maridos que descobrem que suas mulheres não são virgens.

"Na sociedade tunisiana, que é aberta, estamos nos tornando hipócritas", critica a socióloga Samia Elloumi. "Há uma espécie de conservadorismo predominante na sociedade que é difícil de ser justificado, porque alegamos viver em uma sociedade moderna. Mas não há muita modernidade no que diz respeito à sexualidade e à liberdade femininas."

Em uma universidade pública tunisiana, a reportagem da BBC conversou com o estudante Hichem, que vai se casar no ano que vem.

"Para mim, é muito importante", diz ele ao ser questionado se valoriza o fato de sua noiva ser virgem.

"Se descobrir, depois do casamento, que ela não é, nunca mais vou confiar nela. Vou considerar uma traição. E não acredito em operações de himenoplastia. Não acho que funcionem."

Ao seu lado está Radhouam, também estudante. Ele admite que a tradição tunisiana é injustamente dura com as mulheres.

"Para mim, é pura hipocrisia", afirma. "Homens jovens podem fazer sexo livremente antes do casamento, então por que culpamos as mulheres quando elas fazem o mesmo?"