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Existe saída possível para a crise com Coreia do Norte após escalada em retórica?

Os EUA recentemente realizaram uma missão sobre a península coreana como um aviso a Pyongyang  - Kamaile Casillas/ Força Aérea dos EUA via AFP
Os EUA recentemente realizaram uma missão sobre a península coreana como um aviso a Pyongyang Imagem: Kamaile Casillas/ Força Aérea dos EUA via AFP

PJ Crowley*

Ex-secretário-assistente de Estado dos EUA

09/08/2017 08h46

Com a escalada da guerra verbal entre Estados Unidos e Coreia do Norte, a impressão é de que a propaganda de Kim Jong-un está a todo vapor.

Depois de ameaçar com uma vingança "mil vezes maior" após as sanções da Organização das Nações Unidas (ONU) por causa de suas desestabilizadoras ambições nucleares, como Pyongyang deve reagir à resposta do presidente americano, Donald Trump, que prometeu usar "fogo e fúria jamais vistos no mundo" se a Coreia do Norte continuar ameaçando os EUA.

Primeiro, vamos colocar essa última troca de farpas em contexto. Já vimos essa retórica antes? Até que ponto estamos vendo algo novo e mais perigoso?

A terminologia em torno da Coreia do Norte sempre pareceu às avessas. O fim da Guerra da Coreia em 1953 tecnicamente representou o fim das hostilidades entre os dois lados. Mas, na verdade, a hostilidade tem continuado abertamente desde então.

Os Estados Unidos e a Coreia do Norte chegaram muito perto de um conflito armado em 1994 depois que Pyongyang se negou a permitir o acesso de investigadores internacionais a suas instalações nucleares, o que é exigido pelo Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

Essa crise foi resolvida diplomaticamente, mas marcou o início de um jogo de gato e rato no qual a Coreia do Norte prometeu se desnuclearizar, mas manteve suas opções abertas para construir armas nucleares reais e seus respectivos sistemas de lançamento.

Com o tempo, enquanto a comunidade internacional oferecia relações diplomáticas estáveis em troca da desnuclearização, Pyongyang queria relações normais e armas nucleares ao mesmo tempo. Sem admitir, a política americana foi de contenção, impedindo a Coreia do Norte de exportar seu conhecimento nuclear enquanto esperava que seu regime implodisse antes de conseguir a alcançar o poderio de dissuasão nuclear.

Política de segurança máxima

Nos últimos anos, dois acontecimentos-chave mudaram os contornos da questão norte-coreana.

Primeiro, a retirada de Saddam Hussein do poder no Iraque pelo governo George W. Bush e de Muammar Gaddafi pelo governo Barack Obama - dois líderes (Hussein e Khadafi) que cogitavam ter armas nucleares, mas não chegaram a construí-las - levou Pyongyang a uma conclusão simples: a capacidade nuclear é o derradeiro recurso de segurança de um regime.

Em segundo lugar, Kim Jong-il morreu em 2011. O velho Kim foi dedicado o suficiente ao seu principal patrocinador, a China, a ponto de conseguir negar de forma plausível que a Coreia do Norte estivesse atrás de capacidade nuclear. Kim Jong-un, seu filho e sucessor, abriu mão de todos os disfarces e busca abertamente o poderio nuclear.

O governo Trump precisa decidir o que pode e o que não pode permitir, e o que é possível fazer em uma situação que está indo de mal a pior rapidamente.

Ainda candidato, Trump colocou a questão da Coreia do Norte no topo de sua lista de preocupações de segurança nacional. E cobrou, de forma consistente, a China, o maior parceiro comercial da Coreia do Norte, para agir em relação ao caso.

Por outro lado, Trump subestimou o risco e a complexidade da questão da Coreia do Norte. Enquanto promete resolver a questão de uma maneira ou de outra, ele ignora o fato de não existirem boas opções políticas disponíveis.

A ameaça de "fogo e fúria" de Trump não é nova. De várias maneiras diferentes, ainda que não tão inusitadas, os Estados Unidos sempre disseram que, se a Coreia do Norte algum dia atacá-los, seu regime deixará de existir. Dito isso, a retórica de Trump parecia sugerir que ele estava preparado para tomar medidas preventivas caso a Coreia do Norte chegue perto de um poderio de dissuasão nuclear real.

Mas qualquer uso da força imediatamente colocará centenas de milhares de cidadãos inocentes da região em risco. A Coreia do Norte certamente reagirá a um ataque preventivo.

A diferença desse atual ciclo retórico é a ausência de um processo diplomático que possa servir para abrandar a situação.

Em uma coletiva de imprensa recente, o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, disse que os EUA estão abertos para o diálogo com a Coreia do Norte se a conversa for sobre parar com os testes de mísseis e abandonar as armas nucleares. Mesmo com novas sanções, Pyongyang dificilmente aceitará essas condições.

A China parece ter apreciado a atitude de Tillerson, mas o jovem líder da Coreia do Norte não parece se importar com o que Pequim pensa. E o próximo passo é seu.
O perigo é que, em algum momento, a aquecida retórica crie um ciclo de ação e reação sem freios. Eles disparam um míssil. Nós criamos mais sanções. Eles prometem vingança. Nós falamos que essas ameaças são intoleráveis. Eles disparam outros mísseis. E então o quê?

É aqui que retórica encontra estratégia. Mas não está claro se existe uma por trás da fúria e fogo de Trump.

*PJ Crowley é um ex-secretário-assistente de Estado dos EUA e autor do livro 'Red Line: America Foreign Policy in a Time of ractured Politics and Failing States' ("Linha Vermelha: A Política Externa Americana Em Tempos de Políticas Fraturadas e Estados Falhos", em tradução livre).