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Como eleição de Merkel na Alemanha influencia futuro da América Latina

Tendência da chanceler é manter as políticas de Estado para a América Latina - Fabrizio Bensch/Reuters
Tendência da chanceler é manter as políticas de Estado para a América Latina Imagem: Fabrizio Bensch/Reuters

Pablo Esparza - Especial para a BBC Mundo

24/09/2017 20h16

Apesar de seu peso econômico, as eleições na Alemanha parecem gerar pouca agitação política. No entanto, poucas votações podem ter consequências tão importantes.

A vitória da atual chanceler Angela Merkel significa que ela comandará o governo alemão pelo quarto mandato consecutivo. Ela está no cargo desde 2005 e deve ficar pelo menos até 2021.

No entanto, a sua permanência não garante a continuidade de um governo de coalização com o principal partido da oposição, os social-democratas do SPD, com quem dividiu o poder nos últimos anos.

Na Alemanha, nenhum partido tem - ou terá após essas eleições - maioria suficiente para formar um governo sozinho. Nem mesmo a poderosa União da Democracia Cristã, a legenda de Merkel.

A decisão tomada pelos 61 milhões de eleitores no domingo sobre quem guiará a quarta economia do mundo e a maior da União Europeia terá consequências no continente e e outras regiões do planeta, inclusive na América Latina.

Entenda a seguir como o pleito impacta os países latino-americanos.

Vínculos e acordos

A Alemanha e a América Latina têm vários vínculos. Do ponto de vista comercial, o país europeu está entre os maiores exportadores para algumas das principais economias da região, como Brasil, Argentina, México, Colômbia e Chile.

Levando em conta toda a América Latina, é o terceiro principal exportador, segundo o Fundo Monetário Internacional.

Do ponto de vista político, o papel alemão como motor da União Europeia faz com que as dependências mútuas sejam enormes.

"O que temos vistos nos últimos anos é que o bloco sofre com muitas crises e instabilidades internas. Por isso, é essencial que a Alemanha, junto com a França, consigam definir um caminho comum para levar adiante a União Europeia, rumo a um projeto internacional que lhe dê estabilidade", diz Günther Maihold, vice-diretor do Instituto Alemão para Política Internacional e Segurança, um centro de estudos independente.

"A ênfase continua a ser em organizar a economia mundial por meio de um esforço multilateral e não se deixar levar por um protecionismo nacionalista: buscar fortalecer acordos por meio de tratados de livre comércio, especialmente com o Mercosul."

Relação com a América Latina

Neste sentido, apontam analistas, a chegada de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos pode reforçar de forma indireta as relações entre Alemanha e América Latina.

Desde o fim da 2ª Guerra Mundial, os Estados Unidos se tornaram o principal aliado da Alemanha fora da Europa.

Ainda que isso dificilmente mude, nos últimos meses, essa "relação especial" já foi afetada. "Em campanha, Merkel não fez oficialmente nenhum discurso controverso. Admite dificuldades, mas diz que os Estados Unidos seguem como um parceiro muito importante", diz Stefan Reith, diretor do departamento para América Latina da Fundação Konrad Adenauer.

"Ainda assim, antes da cúpula do G20, realizada em Hamburgo em agosto, Merkel fez uma viagem ao México e à Argentina. É um sinal claro de que vê a América Latina, especialmente os membros do G20, como aliados importantes."

Com a vitória de Merkel, a tendência é que sejam mantidas suas principais políticas de Estado, como a defesa do livre comércio, e o compromisso com a União Europeia. No entanto, há questões em aberto.

Influência da direita

Uma delas será saber até que ponto a Alemanha será afetada pelo crescimento dos movimentos populistas de extrema direita que já se fazem presentes em outros países como a França, onde a Frente Nacional disputou o segundo turno da eleição presidencial em julho.

Os democratas cristãos e o seu partido-irmão na região da Baviera, a União Cristã (CSU) obtiveram cerca de 33% dos votos, frente a 20,5% para os social-democratas. Atual parceiro de coalizão de Merkel, o SPD disse que agora atuará na oposição.

Na terceira posição, com 12,6%, está o Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão), um partido de extrema-direita fundado em 2013,

"Há movimentações populistas em todo o mundo. Existem na América Latina e na Europa, como na França, na Holanda e também aqui na Alemanha", diz Reith.

"O AfD está em alguns parlamentos regionais, e estas eleições mostram que vão ter mais influência no momento em que se conta com a Alemanha para ser um parceiro estável e confiável no campo das relações internacionais e também como aliado da América Latina."

Esse grupo começou a ganhar adeptos questionando a política de resgates financeiros a países do sul da Europa em plena crise do euro. No entanto, dizem analistas, a chamada crise de refugiados de 2015 e 2016 fez com que ganhasse força nas pesquisas de intenção de voto e em eleições regionais.

Nesse período, a Alemanha recebeu mais de 1 milhão de pedidos de asilo. O discurso xenófobo do partido encontrou um terreno fértil na política inicial de abrir as portas a refugiados defendida por Merkel, e o AfD chegou a ter 15% nas pesquisas de voto.

A questão dos refugiados - junto com temas relacionados como imigração, o direito a asilo e a integração - dominaram a campanha. Mas, dois anos após o início da crise, com uma redução drástica no número de pedidos de asilo, Merkel recuperou apoio, e a tendência de alta do AfD se inverteu.

Coalizão complicada

Ainda assim, o Parlamento resultante dessas eleições será o mais fragmentado dos últimos 60 anos. "O partido A Esquerda, os liberais, os verdes, o AfD, os social-democratas e o democratas cristãos estão presentes. É o Parlamento com o maior número de partidos desde 1957", diz Matthias Dilling, pesquisador de Ciência Política da Universidad de Oxford, no Reino Unido.

"Isso é importante e fará com que a formação de coalizões seja algo muito mais complicado e imprevisível."

"Há a questão de se continuaremos a ter uma grande coalizão ente os democratas cristãos e os social-democratas, se haverá apoio suficiente para uma coalizão entre o CDU e os liberais ou se assistiremos, pela primeira vez desde a reunificação, a uma coalização de mais de dois partidos. Isso seria uma grande mudança na política alemã no nível nacional", diz o especialista.

Diferentemente da vizinha França, onde a inesperada vitória de Emmanuel Macron sacudiu o sistema partidário, na Alemanha, as duas principais legendas se mantiveram à frente.

Sem grandes surpresas eleitorais, o futuro do governo da locomotiva da Europa - e dos seus aliados - será decidido tanto pelo resultado das eleições como pela distribuição das cartas do baralho a partir de agora.