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Bibi Perigosa real: 'Menina da favela não tem maturidade para saber que vai dar ruim se namorar bandido'

Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Lígia Mesquita - Da BBC Brasil em Londres

11/10/2017 17h29

Bibi Perigosa tem certeza de que não continuaria a ser xingada de mulher de bandido e ladra, entre outras coisas, se sua história de arrependimento tivesse sido contada no púlpito de uma igreja. Como foi por meio da escrita, em uma autobiografia chamada "Perigosa", os ataques nunca cessaram, acredita.

"O recomeço da minha vida não foram flores, passei muita dificuldade, tinha a polícia batendo na minha porta, mas não reagi com raiva. Minha mudança dependeu só de mim, não teve igreja por trás", diz por telefone Bibi, alcunha de Fabiana Escobar, de 37 anos, de sua casa na favela da Rocinha, no Rio.

"Quantos relatos de gente na igreja as pessoas aceitam e o meu não? O sistema foi falho comigo? Foi, mas lamento. As pessoas querem vingança, não justiça. Tem gente que está presa e se veste melhor do que eu, que vive melhor do que eu, que não fui presa", afirma. "O sofrimento que passei foi consequência das minhas escolhas."

A escolha que mudou a vida da ex-estudante de serviço social na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), apelidada de Perigosa por suas reações explosivas e pelo ciúme, foi continuar casada com o namorado de adolescência e pai de seus dois filhos, Saulo de Sá e Silva, quando descobriu que ele havia se tornado traficante.

Silva se transformou no "barão do pó" da Rocinha, e Fabiana aceitou o papel de baronesa, aproveitando os luxos que a nova atividade do marido lhe proporcionava.

O casamento de 14 anos, no qual tiveram dois filhos, durou mesmo após a prisão dele. Só terminou quando ela descobriu que o homem que se dizia apaixonado por ela a havia traído com várias mulheres.

Bonnie e Clyde

Fabiana ficou conhecida nacionalmente nos últimos meses por causa de A Força do Querer, novela das 21h da TV Globo que vem batendo recordes de audiência e já é a mais vista desde 2012, segundo dados do Ibope.

A autora Gloria Perez recriou o roteiro real de amor bandido no folhetim, tendo Juliana Paes e Emilio Dantas no papel de Bibi e Saulo - na trama, chamado de Rubinho.

Em capítulos recentes, a personagem, até então uma mulher honesta, foi vista empunhando revólver e atirando. "Quer saber na lata? Eu atirava direto, por palhaçada, dava tiro para o alto", conta a Bibi real à BBC Brasil, enquanto aguarda um novo capítulo da novela, que tem seu final previsto para o dia 20 de outubro.

Embora o público ainda não saiba se Bibi será ou não punida e se terminará o casamento com Rubinho, Fabiana conta o que gostaria de ver na tela.

"Eu mataria os dois. Porque essa é a história real, muita gente morre na guerra do tráfico e a Gloria estaria representando essas famílias, já que optou por mostrar como é a mão de obra do tráfico", afirma.

Na vida real, ela, que hoje sobrevive da renda de um imóvel na Rocinha e das vendas de seu livro, foi acusada de associação ao tráfico, mas como não havia provas, nada aconteceu. Já Saulo está preso há dez anos.

O mesmo não aconteceu com Danúbia Rangel, mulher do traficante Nem da Rocinha, presa nesta terça sob acusação de tráfico de drogas, associação com o tráfico e corrupção.

Analisando o caso de Danúbia, Fabiana palpita: "Ela se envolveu gastando dinheiro. Não tinha como ela fazer nada contra isso".

Não era amor, era cilada

A novela recebe algumas críticas de quem diz que a autora glamouriza a vida do crime, principalmente ao exibir Bibi ostentando dinheiro e outros luxos e se divertindo para valer em bailes funk, mesmo após ter cometido crimes - incendiou uma casa e ajudou na negociação de drogas.

A trama também mostra garotas que se aproximam de traficantes achando que eles poderiam mudar suas vidas e em troca de mimos como uma cirurgia de implante de silicone. "Dei mole e não botei, agora que tô querendo, não tem", gargalha Fabiana. "Descobri que o Saulo distribuiu silicone."

Ela diz que as meninas da Rocinha e de outras comunidades continuam se envolvendo com bandidos porque se apaixonam por eles ainda na adolescência, quando não sabem distinguir o certo do errado.

Ela não concorda com quem critica a novela por supostamente glamourizar o crime. "O primeiro contato de qualquer menina ou pessoa do asfalto com o crime é de glamour, de festa. A parte ruim vai aparecer só depois."

'Vai dar ruim'

A escritora, que hoje também se aventura em roteiros cinematográficos em um coletivo na Rocinha, diz que cresceu ouvindo histórias de mulheres que realmente amavam seus maridos bandidos. Até que viveu o mesmo.

"Elas se apaixonam mesmo, os homens são sedutores. As meninas não têm maturidade para falar: 'Isso vai dar ruim'", diz.

"É claro que também tem quem se envolva pelo luxo, pelo dinheiro", acrescenta. "Mas a maioria se envolve por paixão. É muito complicado, você fica entre a alienação afetiva e a financeira."

Para ela, a falta de maturidade dos adolescentes é um dos principais fatores para a aproximação com o crime. "Eles não têm maturidade para esperar as coisas acontecerem, trabalhar para ter algo."

No Rio, diz, a proximidade entre a favela e a classe média alta do asfalto só piora o cenário. "Porque aqui o pobre tá muito perto do rico. Você está lá na praia com fome e vê o rico puxar uma nota de 100 reais e comprar camarão..."

Vida na Rocinha

Fabiana não pensa em sair da Rocinha, mesmo com os últimos acontecimentos na comunidade do Rio, onde dois grupos rivais disputam o comando do tráfico.

"Estamos numa guerra psicológica. A qualquer hora vai ter uma guerra de verdade. Mas eu não saio daqui", fala. "Aqui, em duas semanas de guerra, eles se mataram entre eles. Aí você vai ver nos Estados Unidos e um doido lá mata muito mais gente."

Na Rocinha, Fabiana chegou a ser dona de uma loja de roupas, a Danger Girl, logo depois que a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) chegou ao morro, mas o negócio não vingou.

"As pessoas ficavam de me pagar e não me pagavam, eu ficava nervosa, dava confusão", diz, deixando claro o porquê de ter ganhado o "sobrenome" Perigosa.

Ela afirma que já briga bem menos, mas que continua merecendo o apelido que tem. "Sou estressada mesmo, não sou santa. Me controlo, assim como alcoólatra tem que se controlar. Mas sou perigosa para o bem (risos)."