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'Talvez um dia sejam encontrados, todos barbudos, em uma ilha': a esperança das famílias de tripulantes do submarino ARA San Juan

Tenho muita fé que ele voltará e voltará bem", diz Gabriela Acosta, esposa de Esteban Garcia, com quem tem dois filhos - Arquivo pessoal
Tenho muita fé que ele voltará e voltará bem', diz Gabriela Acosta, esposa de Esteban Garcia, com quem tem dois filhos Imagem: Arquivo pessoal

Marcia Carmo - De Buenos Aires para a BBC Brasil

De Buenos Aires para a BBC Brasil

28/11/2017 10h20

Treze dias depois da última comunicação feita pelo submarino argentino ARA San Juan, no último dia 15, parte dos familiares dos 44 marinheiros acredita que eles serão localizados com vida.

"Talvez um dia sejam encontrados, todos barbudos, em uma ilha", disse Carlos Mendoza, irmão do tenente de navio e chefe de máquinas Fernando Mendoza.

O pai do militar, Juan Carlos, acha que o pior, neste momento, é a "incerteza" de não saber o que aconteceu com o filho. "Eles (a Marinha) ainda não conseguem nem sequer dizer onde está o submarino", disse.

Mas a esperança de encontrá-los vivos, mais cedo ou mais tarde, é o que mantém a tranquilidade de Gabriela Acosta, de 30 anos, casada com o marinheiro Esteban García, de 31 anos, com quem tem dois filhos pequenos, Agustín, de três anos, e Nahuel, de um ano.

"Tenho muita fé que ele voltará e voltará bem. Meu coração diz isso. E ninguém consegue derrubar essa minha certeza, apesar das más notícias seguidas que tivemos nos últimos dias", disse ela à BBC Brasil, falando da sua casa em Mar del Plata.

Os dois eram amigos do colégio, conta, quando um dia se apaixonaram e decidiram casar e ter filhos. "Às vezes, é difícil, claro, mas quando penso nele, na garra que ele tem, volto a ter certeza de que tudo acabará bem", disse Gabriela.

Ela contou que tem conversado com as mulheres de outros marinheiros, e que não todas são otimistas como ela. "Algumas estão muito tristes. Mas eu digo: 'tenhamos fé, eles estão bem e vão voltar'."

Quando o filho de três anos pergunta pelo pai, ela responde que ele está "no fundo do mar". A criança sabe que Esteban García é submarinista - um sonho antigo que passou a realizar nos últimos dois anos, depois de uma década na Marinha argentina.

A família do marinheiro Hernán Rodríguez tampouco desistiu de esperá-lo, como contou à BBC Brasil, por telefone, o irmão Claudio Rodríguez.

"Nós estamos aqui, todos juntos, eu, minha mãe, meus primos, minha cunhada, meu sobrinho e afilhado, que é filho dele (de Hernán), com a maior esperança. O último que vamos perder é a esperança", disse.

Ele justificou o sentimento dizendo que, enquanto o submarino ARA San Juan não for encontrado, seu irmão será esperado - e vivo. O filho de Hernán, Francisco, tem 17 anos, é maratonista "e também espera pelo pai", contou Claudio.

"Às vezes a dor é grande, a impaciência também, mas a esperança não morre. Temos esperança de que ele será encontrado e de que ele está bem, até porque o submarino ainda não foi localizado. Ou seja, na nossa certeza, ele continua viajando no submarino e esperando ser localizado."

Vigília

No fim de semana, dezenas de argentinos se reuniram às margens da praia de Comodoro Rivadavia, na região da Patagônia, no sul do país, para demonstrar apoio às equipes dos mais de dez países que participam da operação de resgate do submarino.

Com bandeiras da Argentina, eles chegaram ao lugar após informações que circularam nas redes sociais. É dali, do porto localizado a cerca de 1,7 mil quilômetros de Buenos Aires, que estão partindo navios, aeronaves e robôs em busca do submarino, que foi fabricado na Alemanha e chegou na Argentina em 1985.

Ex-tripulante do submarino ARA San Juan, Horacio Tobías disse à BBC Brasil que um milagre poderia salvar os 44 tripulantes - a maioria do interior da Argentina.

"Você acredita em Deus? Se o submarino caiu a até 600 metros e a explosão foi na parte de cima, onde normalmente estão todos, e alguém estava embaixo nas máquinas, por algum motivo, pode ter sobrevivido."

Neste caso, afirmou, a reserva de oxigênio poderia render até mais de dez ou quinze dias além do previsto, uma que haveria menos gente consumindo esse ar.

"Existem máscaras de oxigênio no submarino", acrescentou. "Mas se o submarino caiu abaixo dessa profundidade, é mais difícil (que existam sobreviventes) por causa da pressão do mar."

Engenheiro naval, Tobías fala português. Morou no Brasil para trabalhos de cooperação entre a Marinha argentina e a brasileira e tem uma filha carioca, batizada de Maria Mar em homenagem ao ambiente de trabalho do pai.

Marinheiro por trinta anos, ele acha que o "São João" ('San Juan') já fez "pelo menos um milagre": o de unir países com trajetórias de disputas na operação de resgate do submarino no Atlântico Sul.

Ele refere-se a Grã-Bretanha e Argentina, que travaram uma guerra em 1982 pelas Ilhas Malvinas, ao Chile e Peru, que disputaram a Guerra do Pacífico, no século 19, e aos Estados Unidos e a Rússia, inimigos dos tempos da Guerra Fria. "O São João fez o milagre de unir antigos inimigos", disse.

Mais uma vez perguntado sobre a possibilidade de os 44 tripulantes ainda serem encontrados com vida, o porta-voz da Marinha, Enrique Balbi, disse no fim de semana que eles poderiam estar tendo uma "sobrevida", mesmo que em condições difíceis.

A missão americana que faz parte da operação de resgate carrega 44 salva-vidas em um de seus veículos, movidos a controle remoto, que chegariam ao fundo do mar.

Nesta segunda-feira, o navio norueguês Sophie Siem teria chegado à área onde o submarino estaria, segundo a última comunicação que realizou e onde ocorreu uma explosão duas horas depois daquele contato.

O navio da Noruega levou um minissubmarino de resgate da Marinha dos Estados Unidos, que chega a 600 metros de profundidade, pode transportar até 16 pessoas e transporta os salva-vidas e mudas de roupas secas.

Aos poucos

O ARA San Juan iniciou sua viagem no dia 31 de outubro em Ushuaia, na Patagônia. O que ocorreu entre a noite do dia 14 de novembro, quando teria sofrido sua primeira avaria, e o dia seguinte, 15 de novembro, quando fez sua ultima comunicação, está vindo à tona ao poucos.

Na noite de 14 de novembro, o capitão Pedro Fernández teria informado à base sobre um curto-circuito. No dia seguinte, às 7h30 da manhã, ele teria avisado que o problema tinha sido resolvido. E três horas depois, por volta das 10h30, teria ocorrido uma explosão na região onde a embarcação estava, como foi detectado dias depois.

Na noite desta segunda-feira, outra comunicação veio à tona. No dia 15, o capitão teria informado sobre a entrada de água do mar por sistema de ventilação no tanque de baterias número 3, que ocasionou um curto-circuito e principio de incêndio na área das baterias.

"Eles corrigiram isso, isolaram a bateria e navegaram com outro circuito", afirmou o porta-voz da Marinha argentina, Enrique Balbi. Segundo ele, após o incidente o submarino recebeu ordens para voltar à sua base, em Mar del Plata. Mas desapareceu.

Antes de embarcar no ARA San Juan, que oficialmente fazia trabalhos de rotina, fiscalizando barcos ilegais de pesca, Fernández tinha dito à mãe que essa seria sua última viagem como submarinista.

A Marinha argentina tem sido criticada por não ter enviado ajuda ao submarino imediatamente após a notificação de problemas. O argumento do órgão, que tem sido repetido por seu porta-voz, é o de que foram respeitadas as 36 horas após a última comunicação, exigidas por protocolos internacionais, antes do pedido de ajuda de outros países.

Familiares menos esperançosos apontam o que veem como "abandono" do setor como justificativa para o que aconteceu com o San Juan, como afirmou Itati Leguizamón - para quem seu marido, Germán Oscar Suárez, não voltará mais.

A operação de busca do submarino não tem data para terminar, segundo a Marinha, e no próximo dia 5 está prevista a chegada de um equipamento russo com capacidade para chegar a até 6 mil metros de profundidade, de acordo com o porta-voz Balbi.