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Tim Vickery: Exame obrigatório de DNA mostraria que somos todos migrantes

Tim Vickery

Colunista da BBC Brasil*

12/01/2018 17h05

Uma das minhas ambições para 2018 - e quando cumpri-la, prometo compartilhar os resultados aqui - é fazer um teste de DNA. Não estou me referindo a uma prova de paternidade, mas ao código genético que passa de geração em geração ao longo de milhares de anos. Gostaria de descobrir mais sobre a minha própria história e origens.

A minha pele fica bronzeada com uma facilidade não tão comum para um inglês branco. Será que existem, lá atrás, ancestrais do Império Romano, que dominaram a Inglaterra durante quatro séculos? Tomara que assim seja. Mas, de qualquer maneira, com 100% de certeza, o resultado vai mostrar que tenho raízes em outras partes do mundo.

Somos uma ilha de imigrantes - e, por esse motivo, acredito que seria bom se o teste de DNA fosse compulsório nas escolas britânicas.

O aluno poderia se descobrir entre os vários fluxos da humanidade pela Terra: tribos do Oriente levando consigo técnicas de agricultura, povos oriundos da Península Ibérica com técnicas avançadas para fabricar panelas, os romanos, os vikings dinamarqueses, outras tribos da Alemanha, invasores da França mil anos atrás, protestantes expulsos da França seis séculos depois, judeus fugindo da perseguição no leste da Europa, vários fugindo de uma Europa dominada por Hitler, uma imigração caribenha (fluxo que comemora 70 anos em junho), uma onda gigante do subcontinente indiano, mais migrações nos últimos anos vindas da Polônia e da Romênia.

Trata-se de um fluxo constante, um processo cujo início é impossível de se identificar - e que tampouco vai ter fim. Daí a importância do teste de DNA fazer parte do currículo escolar. Não seria uma mera curiosidade acadêmica, mas sim um reconhecimento de como a importância da imigração é fundamental para a convivência e funcionamento das nossas sociedades.

Se a Humanidade começou na África, então todos que vivem em outros continentes são migrantes - só que uns chegaram onde hoje residem mais cedo do que outros.

Sob uma perspectiva de longo prazo, histórias de imigração são narrativas que temos em comum. É só quando o enfoque se limita às últimas décadas que o assunto se transforma em um fator divisivo.

Não existem dúvidas de que o meu país, assim como outros da Europa Ocidental, está mais intolerante com os imigrantes recém-chegados. Ficou evidente que a hostilidade ante a imigração foi um dos motivos principais da aprovação do Brexit, votação de 2016 que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia.

Não se trata apenas de ignorância histórica e preconceito. Acima de tudo, é a luta pelos recursos escassos, o medo de perder um emprego para um recém-chegado disposto a receber menos ou do colapso de um sistema de saúde já sobrecarregado.

É muito fácil fazer um contra-argumento: que uma economia muito mais produtiva daquela de, por exemplo, 1967, deveria gerar recursos para serviços estatais muito melhores que os de 50 anos atrás. Ou que a existência de um mercado de trabalho bem regulamentado impediria que alguém pagasse salários excessivamente baixos. A culpa não é do imigrante, que normalmente vem para somar.

Mas são argumentos abstratos e fracos demais para convencer alguém em situação precária, que enxerga o recém-chegado como uma ameaça. Porém, é muito importante ganhar esse debate.

As sociedades da Europa Ocidental estão envelhecendo. Há cada vez menos pessoas trabalhando para pagar a Previdência e cada vez mais pessoas recebendo. Sem o fluxo de imigrantes, a conta não vai fechar.

Pode ser que seja quase impossível convencer os mais velhos, sempre dispostos a enxergar mais a ameaça que a oportunidade. Acredito, porém, que a tarefa não seja tão difícil com os mais jovens: são globais e também pertencem a uma geração conectada em redes.

Dá para convencê-los, espero eu, de que a história não é a de uma disputa entre uma população local, estabelecida, sofrendo ataques de imigrantes recentes, mas sim de uma sucessão de ondas de imigrantes. Pelo teste de DNA, o aluno poderia identificar onde ele se insere, a qual rede ele pertence nesse processo tão antigo.

É a minha humilde sugestão para o sistema educacional do meu país, e também gostaria de estender a ideia para o sistema educacional do Brasil. Aqui, porém, acho que o teste de DNA na escola acabaria tendo outros fins - mas isso é assunto para colunas no futuro.

*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick.