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'Tenho 11 anos, e uma bomba explodiu na minha mão'

21/03/2018 13h45

O menino Abdullah, de 11 anos, encontrou um artefato debaixo de um carro. Sem saber o que era, levou o objeto para casa.

“Tentei abrir, mas não abria, então eu abri à força. Ele explodiu na minha mão e os estilhaços me machucaram”, conta.

Ele perdeu o braço e se feriu na cabeça e na perna. “Eu não consigo escrever na escola, nem andar até o banheiro. Eu vim para o hospital e eles me deram esse braço artificial. Eu tenho orgulho dele”, diz.

Abdullah é uma das milhares de crianças afetadas pela guerra civil no Iêmen, que dura três anos e já matou mais de 10 mil pessoas. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), trata-se da maior crise humanitária global em curso atualmente.

Só neste ano, 85 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas por conta do conflito.

É uma guerra que opõe duas potências do Oriente Médio. De um lado, estão as forças do governo de Abd-Rabbu Mansour Hadi, apoiadas por uma coalizão sunita liderada pela Arábia Saudita. Do outro, está a milícia rebelde Huti, de xiitas, apoiada pelo Irã, que controla a capital, Sanaa.

A menina Lamees disse à BBC que a casa onde morava foi bombardeada. Hoje ela vive com os pais em Sanaa.

“Queria que a guerra acabasse e nossa casa estivesse a salvo. Quero voltar à nossa cidade e viver em segurança”, afirma.

Nas trincheiras

Além das crianças vítimas de bombardeios em casa, muitas são recrutadas como soldados para lutar na guerra.

“Os hutis colocavam seus soldados atrás e a gente, na linha de frente”, conta um garoto à BBC.

Outro diz que viu o amigo morrer. “Uma vez eu estava lutando e dividia a trincheira com um amigo. Os hutis atiraram em nós e ele morreu. Eu fiquei arrasado e não consegui mais atirar”, relata.

“Eu queria ir embora, desertar. Um huti me agarrou e disse: ‘Você não vai a lugar nenhum! Lute até morrer ou eu te mato’.”

Em meio à guerra, o país sofre com bloqueios comerciais impostos pelos sunitas, que impedem que ajuda humanitária e itens básicos, como comida, gás de cozinha e medicamentos, cheguem a 70% da população iemenita.

Os anos de conflito não só provocaram uma escassez aguda de alimentos como destruíram o sistema de saúde do país, dificultando o combate a uma grave epidemia de cólera. Em dezembro, o número de casos suspeitos da doença alcançou 1 milhão.

Como a guerra começou

Essa guerra tem suas raízes no fracasso de uma transição política que supostamente traria estabilidade ao Iêmen após uma revolta na sequência da Primavera Árabe, em 2011, que forçou a saída do poder do ex-presidente Ali Abdullah Saleh após 33 anos – ele acabaria sendo morto em dezembro, acusado de traição.

Na época, ele passou o comando do país para o seu então vice, Abd-Rabbu Mansour Hadi, que enfrentou uma variedade de problemas, incluindo ataques da al-Qaeda, a ação de um movimento separatista no sul, a resistência de muitos militares que continuaram leais a Saleh, assim como corrupção, desemprego e insegurança alimentar.

O movimento huti, que segue uma corrente do islã xiita chamada zaidismo e havia travado uma série de batalhas contra Saleh na década anterior, tirou proveito da fraqueza do novo presidente e assumiu o controle da província de Saada, no nordeste do país.

Desiludidos com a transição, muitos iemenitas – incluindo os sunitas – apoiaram os hutis e, em setembro de 2014, eles entraram na capital, Sanaa, montando acampamentos nas ruas e bloqueando as vias.

Em janeiro de 2015, eles cercaram o palácio presidencial e colocaram o presidente Hadi e seu gabinete em prisão domiciliar. Ele conseguiu fugir para a cidade de Áden no mês seguinte.

Os hutis tentaram então tomar o controle do país inteiro, e Hadi teve que deixar o Iêmen.

Alarmados com o crescimento de um grupo que eles acreditavam ser apoiado militarmente pelo poder xiita do Irã, a Arábia Saudita e outros oito Estados sunitas árabes começaram uma série de ataques aéreos para restaurar o governo de Hadi.

Essa coalizão recebeu apoio logístico e de inteligência dos Estados Unidos, do Reino Unido e da França.

Mas, passados três anos de conflito, a guerra continua em curso e nenhum dos lados parece disposto a ceder.

A ONU tentou por três vezes, sem sucesso, negociar um acordo de paz.