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Generais da ativa elogiam comandante e citam líder integralista após mensagens de Villas Bôas

Divulgação/Twitter General Eduardo Villas Bôas
Imagem: Divulgação/Twitter General Eduardo Villas Bôas

Ricardo Senra - @ricksenra - Da BBC Brasil em Washington

04/04/2018 15h30Atualizada em 04/04/2018 17h31

Após fazer comentários controversos "de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição", o General Eduardo Villas Bôas, ocupante do posto mais alto do Exército, recebeu apoio e manifestações públicas de pelo menos cinco generais da ativa em diferentes partes do país.

Os tuítes foram postados na página do militar no Twitter na véspera do julgamento do pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo Tribunal Federal (STF).

"Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?", perguntou Villas Bôas, e complementou: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais".

A fala dividiu opiniões não apenas entre os atores políticos, mas também entre os companheiros de farda de Villas Bôas. Enquanto a maior parte dos integrantes das Forças Armadas manifestaram apoio à declaração do comandante, tido como discreto e ponderado, outros classificaram os tuítes como uma "empolgação" do General, que teria usado suas impressões pessoais para constranger os juízes do STF.

Entre os satisfeitos está o comandante da 16ª Brigada de Infantaria de Selva, conhecida "Brigada das Missões", no Amazonas, o general Cristiano Pinto Sampaio, que citou o advogado Gustavo Barroso, um dos principais porta-vozes e teóricos do movimento ultra-nacionalista e conservador Ação Integralista Brasileira.

Barroso é descrito pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas como "Antissemita extremado", cujas ideias "se aproximavam mais do nazismo alemão do que fascismo".

"Como disse o consagrado historiador Gustavo Barroso: 'Todos nós passamos. O Brasil fica. Todos nós desaparecemos. O Brasil fica. O Brasil é eterno. E o Exército deve ser o guardião vigilante da eternidade do Brasil'", afirmou Pinto Sampaio, em resposta aos tuítes do comandante Villas Bôas.

"Sempre prontos, Comandante!" , continuou.

Comandantes militares

Ocupantes de dois dos principais cargos das Forças Armadas brasileiras, os generais Geraldo Antonio Miotto e José Luiz Dias Freitas também aplaudiram pubicamente as palavras do general Villas Bôas.

Homem mais forte do comando militar da Amazônia até o mês passado, quando liderava a proteção de 9 mil quilômetros de fronteiras com sete países, e prestes a assumir o comando militar do Sul, onde liderará mais de 50 mil militares, o general Miotto afirmou: "Estamos firmes e leais ao nosso comandante! Brasil acima de tudo! Aço!".

Já Dias Freitas, responsável pelo comando militar do Oeste, que protege fronteiras com a Bolívia e Paraguai, falou em nome dos "cidadãos que vestem fardas".

"Mais uma vez o Comandante do Exército expressa as preocupações e anseios dos cidadãos brasileiros que vestem fardas. Estamos juntos, Comandante General Villas Bôas!", publicou Dias Freitas.

Edson Skora Rosty, atual chefe do Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia, foi mais suscinto. "Estamos juntos, Comandante. Selva!"

Até o interventor federal para a segurança Pública do Rio de Janeiro repercutiu a fala de Villas Boas: "Soldado, líder e cidadão: nosso comandante", escreveu o general Braga Netto, usando o perfil oficial da intervenção federal no Twitter.

Sobre os tuítes recentes de Villas Bôas, o Ministério da Defesa, pasta a qual o Exército está subordinado, divulgou nota afirmando que o comandante do Exército "mantém a coerência e o equilíbrio demonstrados em toda sua gestão, reafirmando o compromisso da Força Terrestre com os preceitos constitucionais, sem jamais esquecer a origem de seus quadros que é o povo brasileiro".

"(O general) manifesta sua preocupação com os valores e com o legado que queremos deixar para as futuras gerações. É uma mensagem de confiança e estímulo à concórdia", diz a nota.

Procurado pela BBC Brasil, o Exército informou, por meio do Centro de Comunicação Social, "que não haverá pronunciamento sobre o assunto".

A reportagem pediu para que a Força explicasse se foi o próprio o general quem escreveu ou ditou os textos e como ele reagia às críticas. Também pediu ao Exército para esclarecer o que o comandante quis dizer exatamente com a postagem, publicada um dia antes do julgamento do caso do ex-presidente Lula no STF.

Um decreto de 16 anos atrás, assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, delimita o comportamento público de membros das Forças Armadas e restringe manifestações sobre política sem autorização prévia.

Na relação de tansgressões enumeradas pelo decreto 4346, de agosto de 2002, está a proibição de "manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária".

Nem o general Villas Bôas nem seus subordinados citaram diretamente partidos ou políticos nas mensagens.

Preocupação e críticas

A fala despertou preocupação dentro das próprias Forças Armadas. O Comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do Ar Nivaldo Luiz Rossato, emitiu nota afirmando que "é muito importante que todos nós, militares da ativa ou da reserva, integrantes das Forças Armadas, sigamos fielmente à Constituição, sem nos empolgarmos a ponto de colocar nossas convicções pessoais acima daquelas das instituições".

"Os Poderes constituídos sabem de suas responsabilidades perante a nação e devemos acreditar neles. Tentar impor nossa vontade ou de outrem é o que menos precisamos neste momento. Seremos sempre um extremo recurso não apenas para a guarda da nossa soberania, como também para mantermos a paz entre irmãos que somos", continuou.

As críticas do Brigadeiro ressoam preocupações expressas por civis de que as falas representassem pressão sobre o Supremo Tribunal Federal ou até mesmo uma possível ameaça do Exército à democracia.

Após os tuítes, o comandante não comentou as críticas ou a repercussão da fala, associada pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot ao golpe militar de 1964.

"Isso definitivamente não é bom. Se for o que parece, outro 1964 será inaceitável. Mas não acredito nisso realmente", escreveu Janot.

Em nota pública, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, disse que "repudia qualquer iniciativa de interferência indevida no livre exercício da missão constitucional do Supremo Tribunal Federal" e ressaltou sua "defesa intransigente das instituições democráticas e de respeito ao Poder Judiciário".

Sem menção direta à fala do comandante do Exército, o presidente Michel Temer defendeu obediência à Constituição e disse, na manhã desta quarta-feira, que apoia a liberdade de expressão.

"(A Constituição) enfatizou em várias passagens a liberdade de informação em consequência a liberdade de imprensa. É da ordem jurídica que nasce a liberdade de expressão e de imprensa", afirmou o presidente.

Presidente do Congresso Nacional, o senador Eunício Oiveira (MDB-CE) também pediu respeito à Constituição.

"Nos momentos de tensão social e política, a missão dos líderes que têm responsabilidade institucional é transmitir serenidade à população. É garantir que a Constituição, as leis e a democracia serão respeitadas. Esse é o melhor caminho para o Brasil, sem atalhos", afirmou.

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, afirmou que "cada órgão do Estado deve seguir exercendo suas funções nos limites estabelecidos por ela".