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Corrida nuclear? Tensão em Israel? 4 perguntas sem resposta após Trump implodir acordo com Irã

Trump anunciou que os EUA vão se retirar do acordo nuclear com o Irã - Evan Vucci/AP
Trump anunciou que os EUA vão se retirar do acordo nuclear com o Irã Imagem: Evan Vucci/AP

Ricardo Senra - @ricksenra

08/05/2018 18h52

O anúncio da saída dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã, nesta terça-feira, deixa mais perguntas do que respostas.

É esta a avaliação de analistas que apoiam ou criticam o chamado Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em inglês), assinado em 2015 pelo Irã e por EUA, Reino Unido, França, China, Rússia e Alemanha.

Em pronunciamento em rede nacional nesta terça-feira, Trump referiu-se mais de uma vez ao Irã como "principal país patrocinador do terrorismo no mundo" e classificou o acordo assinado pelo antecessor Barack Obama como "decadente" e "podre".

O documento rechaçado por Trump estabelecia um teto de 15 anos para o uso do estoque de urânio enriquecido do Irã - material usado para produzir combustível para reatores, mas que também pode ser modificado para uso em armas nucleares.

O pacto também limitava o número de centrífugas para enriquecer o material por 10 anos, além de estabelecer que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) monitoraria em tempo real as atividades de plantas de beneficiamento até então mantidas em segredo pelo governo iraniano.

Em troca da desaceleração das atividades nucleares, os países signatários retiraram uma série de sanções econômicas aplicadas anteriormente contra o regime iraniano.

Para Trump e seus aliados, no entanto, o tratado era insuficiente porque não garantia inspeções em instalações militares do país e oferecia janelas temporais que poderiam permitir uma retomada da corrida nuclear iraniana.

Mas o que acontece agora? O presidente americano prometeu que, logo após o pronunciamento em rede nacional, feito da Casa Branca, em Washington, assinaria um memorando para reativar "as mais duras sanções" contra o governo iraniano.

O Irã fechará o acesso estrangeiro a plantas nucleares?

Nos últimos três anos, seguindo uma das principais regras do acordo nuclear, funcionários da AIEA fiscalizaram importantes laboratórios de pesquisa nuclear iranianos.

Antes mantidas secretamente, as usinas de enriquecimento de urânio do país eram monitoradas em tempo real por uma série de câmeras e sensores controlados remotamente. A agência também coletava amostras semanais de poeira em todo o país para avaliar a presença de partículas proibidas pelo acordo.

A permanência da fiscalização internacional sobre o Irã fica agora em suspenso - já que não se sabe quais serão as consequências em médio prazo da decisão unilateral de Trump.

Imediatamente após o anúncio, o presidente francês Emmanuel Macron afirmou que "a França, a Alemanha e o Reino Unido lamentam a decisão de Trump de sair do acordo", e ressaltou que "o regime internacional contra a proliferação de armas nucleares está em jogo".

Em comunicado conjunto, a primeira-ministra britânica, Theresa May, a chanceler alemã Angela Merkel e o francês ressaltaram o "compromisso contínuo" por um acordo com o governo iraniano.

"Encorajamos o Irã a mostrar moderação em sua resposta à decisão dos EUA; o Irã deve continuar a cumprir suas próprias obrigações sob o acordo, cooperando plenamente e de maneira oportuna."

Já o presidente iraniano, Hassan Rouhani, quase simultaneamente, afirmou que o anúncio mostra que "ao contrário do Irã, os Estados Unidos são um país que não cumpre seus compromissos" e prometeu que pode ordenar a retomada do enriquecimento de urânio "em ritmo industrial".

A manutenção do acordo nos moldes anteriores, agora sem a assinatura americana, é improvável, segundo analistas. Fica também a dúvida: o Irã continuará permitindo inspeções internacionais ou retomará suas pesquisas nucleares como retaliação?

Principal aliado dos EUA, Israel será alvo de retaliação iraniana?

Minutos antes do anúncio de Trump, o governo de Israel instituiu "estado de alerta máximo de ataque" e mandou oficiais na região das Colinas de Golan prepararem e manterem abertos os abrigos antiaéreos.

Como justificativa para as medidas de segurança, militares israelenses afirmaram ter identificado "atividades irregulares de forças iranianas na Síria".

Ao lado da Rússia, o Irã é um dos principais apoiadores do atual regime sírio, comandado por Bashar Al-Assad, considerado por Trump um dos maiores inimigos dos Estados Unidos.

Depois de ir à televisão, há uma semana, para afirmar que tem documentos que provariam que o Irã teria mentido e continuado seus esforços para a produção de um arsenal nuclear, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, voltou à TV nesta terça-feira para elogiar Trump.

"Há meses, o Irã vem enviando armas letais para suas forças na Síria com o objetivo de atacar Israel", disse Netanyahu. "Nós responderemos com força a qualquer ataque em nosso território."

Segundo a imprensa israelense, esta é a primeira vez nos sete anos da guerra civil síria que Israel manda preparar abrigos antiaéreos em seu território como resposta a possíveis ameaças.

Para o lobista iraniano Trita Parsi, presidente do think tank National Iranian American Council, em Washington, a decisão de Trump "pode dar início a uma guerra regional mais ampla e uma corrida por armas nucleares".

Os EUA, no entanto, não estariam a salvo, na avaliação do iraniano.

"Trump colocou os Estados Unidos em um caminho rumo à guerra com o Irã", afirmou, em nota. "Esta é uma crise de escolhas. Trump abandonou um acordo de controle de armas que evitou uma bomba nuclear iraniana e transformou isso em uma crise que pode levar a uma guerra."

Instabilidade política mudará governo no Irã?

O principal prejudicado pelo anúncio de Trump parece ser o atual presidente do Irã, Hassan Rouhani, que assumiu o poder em 2013.

Enquanto o país passa por uma das mais profundas crises econômicas de sua história e pela principal crise política desde a revolução islâmica que transformou a sociedade, em 1979, o atual presidente, um político moderado que prometera abrir o país a uma economia globalizada, passa a ser visto por muitos iranianos como "fraco" e "manipulável", por ter assinado o acordo com os americanos.

De outro lado, os chamados "linha dura", políticos que pregam um isolamento do ocidente e governaram o país até a chegada de Rouhani, ganham força com o anúncio, já que são fortes críticos do acordo com os americanos.

"Trump violou o acordo internacional de seu antecessor, Obama, seguindo as intrigas do primeiro-ministro israelense e do príncipe herdeiro saudita Bin Salman", disse Ali Khorram, ex-embaixador iraniano na China e assessor da equipe de negociação nuclear. "Agora, ele jogou o Irã nas mãos dos linha dura".

Segundo o jornal americano The New York Times, a insatisfação da população tanto com o governo atual quanto com os linha dura poderia escalar para um eventual golpe militar, que reorganizaria novamente a sociedade iraniana.

O analista Arash Karami, do think tank especializado em oriente médio Al-Monitor, acredita que tanto o moderado Rouhani quanto os mais radicais "têm como objetivo a manutenção da República Islâmica no país, mas constroem este caminho em direções completamente opostas".

"A tentativa de maior integração com a Europa não é altruísmo de Rouhani - ele a vê como necessária para melhorar a economia iranian, quebrar monopólios e entidades corruptas que aparentemente preferem atuar sob sanções internacionais", avalia.

"Isso não significa que todos os que integram a linha dura queiram sanções, mas eles vêm uma economia mais controlada e com maior dependência do Estado como melhor."

Qual será o efeito do anúncio sobre as negociações de paz com a Coreia do Norte?

Enquanto Trump ia à televisão anunciar a ruptura do acordo com o Irã, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, cruzava o planeta em uma aeronave oficial para um encontro com o líder norte-coreano, Kim Jong-un.

O encontro visa a preparar o terreno para uma esperada reunião entre os presidentes dos dois países.

Segundo John Bolton, conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, a decisão de Trump mostra à Coreia do Norte que os EUA não estarão dispostos a aceitar "acordos inadequados", sem dar detalhes sobre o termo.

Vozes como a do ex-presidente Barack Obama, no entanto, sugerem que o gesto pode dificultar as negociações.

"No momento em que estamos todos torcendo para que a diplomacia com a Coreia do Norte tenha sucesso, abandonar o acordo coloca em risco um acerto que garante - com o Irã - o mesmo resultado que estamos buscando com a Coreia do Norte", afirmou Obama.

Por sua vez, Trump também citou os norte-coreanos durante o anúncio de saída do pacto com Teerã.

"Quando faço promessas, eu cumpro. Neste momento, o secretário (Mike) Pompeo está a caminho da Coreia do Norte, para preparar a reunião que terei em breve com Kim Jong-un", afirmou Trump.

"Hoje, mandamos uma mensagem clara: os Estados Unidos não fazem mais ameaças vazias."