Topo

A estratégia política do PT por trás de tentativa frustrada de libertar Lula no TRF-4

Leonardo Benassatto/Reuters
Imagem: Leonardo Benassatto/Reuters

Mariana Sanches - @mariana_sanches - Da BBC Brasil em São Paulo

Da BBC Brasil em São Paulo

09/07/2018 05h54

Se a decisão do desembargador plantonista do TRF-4 Rogério Favreto de soltar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não produziu efeitos jurídicos - e o petista segue preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba - o despacho gerou um fato político importante para o PT. A decisão favorável a Lula pode servir para ecoar a narrativa da direção do partido sobre perseguição política ao ex-presidente e tentativa de retirá-lo da disputa eleitoral.

"O que aconteceu aqui tornou-se um fato político no sentido de revelar o que já vínhamos dizendo sobre a parcialidade da operação Lava Jato", afirmou o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), um dos autores do habeas corpus apresentado ao TRF-4 na noite da última sexta-feira e que acabou concedido por Favreto.

Damous compara a condenação de Lula no caso tríplex ao imbróglio jurídico que se desenrolou a partir das 9h da manhã desse domingo, quando Favreto ordenou a soltura do petista pela primeira vez. Depois de uma série de idas e vindas, às 19h30 o presidente do TRF-4, Thompson Flores, acabou por cassar a decisão.

Nem o PT, nem o próprio Lula acreditavam que o ex-presidente fosse mesmo ser solto nesse dia 8 quando entraram com o pedido de habeas corpus na noite da última sexta-feira. A legenda sabia que o plantão seria cumprido por Favreto e que havia chances de uma decisão positiva. Na melhor das hipóteses, o partido acreditava que uma resolução de soltura de Lula se sustentaria por no máximo 48 horas e acabaria cassada pelo próprio TRF-4.

A iniciativa, portanto, parecia visar mais um resultado político do que um ganho jurídico propriamente. Mas o modo confuso como a decisão em favor do petista acabou descumprida no domingo pode favorecer a tese do PT de que o processo judicial contra Lula é marcado por excepcionalidades. "A decisão serve para fortalecê-lo ainda mais, expondo as vísceras da anarquia judicial na qual jogaram o país", diz um dos dirigentes do partido.

Como resultado prático, o PT conseguiu mobilizar a militância e reavivar a discussão sobre o ex-presidente, que vinha apagada com o passar do tempo. Lula está preso há mais de três meses, período em que enviou cartas ao partido, recebeu inúmeras visitas e chegou até mesmo a publicar comentários sobre jogos da Copa do Mundo.

Em nenhum momento ao longo desse período, no entanto, ele obteve tanta atenção quanto nesse domingo. Um dos tópicos mais comentados mundialmente no Twitter, o termo Lula foi citado em mais de um milhão de mensagens em apenas oito horas.

A militância em frente à carceragem da PF em Curitiba - que vinha minguando - voltou a se avolumar. Um ato no sindicato dos metalúrgicos do ABC, em vigília pela liberdade de Lula, contava com centenas de pessoas na noite de domingo.

A decisão não cumprida de Favreto ajuda a solapar qualquer discussão no PT sobre um plano B a Lula como candidato à Presidência nas próximas semanas. Com o passar do tempo, a pressão de partidos de esquerda como PSB e PCdoB por um nome viável para uma coligação de esquerda vinha aumentando, diante do risco de não haver candidato do campo esquerdista no segundo turno.

O flerte das siglas com Ciro Gomes (PDT) começou a ficar cada vez mais sério, a despeito da pressão petista em contrário. Balões de ensaio do ex-prefeito Fernando Haddad como presidenciável ou até mesmo de o empresário Josué Gomes (PR), filho de José Alencar, ocupar a cabeça de uma chapa com o PT vinham sendo aventados publicamente.

Discussões nesse sentido voltam a ficar em suspenso diante dos novos desdobramentos judiciais do caso Lula. Militantes do PCdoB e do PSOL saíram em defesa do petista. "É um absurdo, ficou mais do que desmascarado o golpe que estamos vivendo, Lula foi um sequestrado político hoje o dia inteiro, com a liberdade na mão sem poder botar o pé para fora da cela", disse a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), expressando o novo ânimo dos aliados. Curiosamente, o único pré-candidato a não se manifestar sobre o imbróglio até o fechamento desta reportagem foi Ciro Gomes.

"Já havia uma decisão nossa de inscrever Lula como nosso candidato. Se em algum momento existiu essa tese de Lula não ser o candidato, hoje ela está morta", disse à BBC News Brasil Paulo Fiorilo, presidente do Diretório Municipal do PT em São Paulo.

Prejuízo ao pré-candidato

Em sua decisão de libertar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o desembargador de plantão no TRF-4 Rogerio Favreto comprou uma tese que o PT vinha tentando emplacar há semanas: a de que antes de ter a candidatura impugnada pela Justiça, o que só pode acontecer após o registro em meados de agosto, Lula não pode ter os direitos políticos cerceados.

Em seu despacho, Favreto argumenta que a prisão do petista fere os princípios de igualdade e isonomia entre os pré-candidatos envolvidos na disputa presidencial, situação que, "caso não restabelecida a equidade, poderá contaminar todo o exercício cidadão da democracia e aprofundar a crise de legitimidade, já evidente, das instituições democráticas", escreveu Favreto.

"Estão todos os pré-candidatos dando entrevista na TV, participando de debates, e o Lula está perdendo tudo isso, porque está preso. É injusto. Politicamente, a decisão do desembargador é uma vitória porque alguém na Justiça aceitou uma tese nossa", diz o deputado estadual José Américo (PT-SP).

Em seu despacho, Favreto reconhece que Lula é líder nas pesquisas de intenções de voto, garante que o ex-presidente mantém seus direitos políticos a despeito das condenações e assevera que "esse direito a pré-candidato à Presidência implica, necessariamente, na liberdade de ir e vir pelo Brasil ou onde a democracia reivindicar".

O desembargador afirma ainda que a prisão já trouxe "prejuízos" ao pré-candidato. Como exemplo menciona, especificamente, a ausência do petista no debate de presidenciáveis realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) na última quarta-feira.

O argumento de Favreto é idêntico ao usado pela presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, ao questionar a ausência do petista no evento da CNI: "Não há qualquer razão de ordem legal para excluir Lula de debates ou sabatinas. A candidatura do ex-presidente será registrada pelo PT no dia 15 de agosto e somente uma decisão posterior da Justiça Eleitoral, se provocada, poderá levantar a hipótese de inelegibilidade. Até lá, ele é pré-candidato como qualquer de seus adversários e tem o direito de expor suas ideias", argumentou a presidenta do partido.

Para juristas ouvidos pela BBC News Brasil, não caberia a Favreto fazer esse tipo de avaliação, já que não havia urgência na situação do petista que exigisse uma decisão de um magistrado plantonista.

Segundo Américo, o reconhecimento do desembargador de que o PT tem sido prejudicado no pleito eleitoral será explorado em instâncias superiores. A tese, para o corpo de advogados petistas, ganharia força especialmente diante da fragilidade da decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu prisão para condenados em segunda instância.

"Em um cenário de insegurança jurídica, manter o principal candidato fora da disputa é temerário", diz Gabriel Sampaio, assessor jurídico do PT no Senado.

Dirigentes petistas reconhecem que, embora a decisão de Favreto oxigene a situação política e mesmo jurídica do PT, ela não resolverá o principal problema do partido. É consenso hoje na cúpula que a candidatura do ex-presidente será barrada no Tribunal Superior Eleitoral pela Lei da Ficha Limpa, que impede candidatos com condenação em segunda instância de concorrer.

A legenda, no entanto, calcula que a impugnação ocorrerá apenas em setembro. Até lá, pretende fazer campanha em nome de Lula para, depois, transferir os votos ao substituto. Se os argumentos de Favreto servirem para ajudar na campanha, o gol político estará feito, esteja Lula preso ou solto.

Leia também na BBC News Brasil: