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O agente infiltrado que recebeu aval da polícia para namorar mulher espionada

Por meio de documentos obtidos pela BBC, a polícia admitiu pela primeira vez que o agente infiltrado Mark Kennedy manteve relações com Kate Wilson com o aval de seus chefes - BBC
Por meio de documentos obtidos pela BBC, a polícia admitiu pela primeira vez que o agente infiltrado Mark Kennedy manteve relações com Kate Wilson com o aval de seus chefes Imagem: BBC

21/09/2018 15h12

"Ele era carismático e romântico, e nós tínhamos os mesmos interesses e sonhos. Vivemos como amantes por mais de um ano, viajamos juntos. Ele se aproximou da minha família, era o centro do meu mundo", lembra Kate Wilson, uma ativista ambiental britânica.

Mas o homem por quem ela se apaixonou não existia.

Kate foi enganada por um policial infiltrado. Nesta sexta, 21, ela escreveu um artigo no jornal The Guardian, que começa com a frase acima, em que descreve sua revolta com o caso.

"Eu o vi pela última vez em agosto de 2010. Ele me levou para jantar fora, depois andamos ao longo do rio e conversamos sobre nossas vidas", escreveu ela. "Dois meses depois, recebi um telefone: Mark Stone não era o homem que eu pensava ser."

Na realidade, Mark Stone era Mark Kennedy. E agora, por meio de documentos vistos pela BBC, a polícia admitiu pela primeira vez que o policial infiltrado manteve relações sexuais com Kate com anuência dos chefes, que permitiram que o relacionamento continuasse. Em declarações públicas até agora, a polícia mantinha que jamais autorizaria esse tipo de relacionamento.

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O agente que se infiltrou na vida de Kate fingiu ser um ativista ambiental como ela. Eles mantiveram um relacionamento de dois anos a partir de 2003 - e moraram juntos durante um ano, segundo ela escreveu no Guardian.

Ela foi apenas uma das mulheres com quem ele se relacionou enquanto mantinha outra identidade. Durante os sete anos de trabalho infiltrado, Kennedy se relacionou com outras mulheres. Na "vida real", porém, ele era casado e tinha filhos.

Hoje, Kate está envolvida em um processo contra a Polícia Metropolitana de Londres e o Conselho de Polícia Nacional, responsáveis em diferentes períodos pelo trabalho de Kennedy.

Em documentos enviados aos advogados de Kate, a polícia admite que a relação entre ambos foi "levada a cabo com o consentimento de autoridades acima dele".

"A polícia tinha dito que esses relacionamentos haviam sido uma falha de supervisão, mas não foi esse o caso. Eles foram absolutamente cúmplices do que estava acontecendo", disse Kate à BBC.

Relacionamento continuou porque era 'conveniente'

Em novembro de 2015, a Polícia Metropolitana pagou compensação para mulheres que entraram em relacionamentos com policiais espiões.

Na época, a polícia declarou: "Relações sexuais com policiais infiltrados jamais seriam permitidas de antemão".

Segundo a advogada de Kate, Harriet Wistrich, a polícia sempre disse que isso não era permitido. "O que estamos vendo nesse caso - que nos faz questionar todos os outros - é que eles permitiram que o relacionamento continuasse porque era conveniente, ajudava com seus objetivos. É muito perturbador", afirma.

As admissões da polícia fazem parte de uma resposta entregue no processo por meio do Tribunal de Investigação de Poderes, que trata de casos ligados a Direitos Humanos. Haverá um julgamento no dia 3 de outubro.

Sua advogada disse que "Kate estava envolvida em campanhas sociais e ambientais. Ela não esperava que o Estado autorizaria que um espião mantivesse relações sexuais com ela com o objetivo de obter informações".

"É uma revelação chocante nessa chamada 'sociedade democrática."

A Polícia Metropolitana de Londres disse que não comentaria as revelações porque o processo está em andamento.

Em 2016, uma investigação da BBC e do Guardian revelou outro policial, conhecido como Carlo Neri, que pediu uma ativista em casamento enquanto ele estava infiltrado em grupos socialistas.

A Scotland Yard tentou manter a posição de não confirmar nem negar a existência de policiais infiltrados, à parte aqueles que a Justiça decidiu que devem ser revelados. Ativistas dizem que, se a polícia não revelar quantos policiais estavam infiltrados e mantiveram relações nos últimos 40 anos, vítimas em potencial nunca saberão a verdade.