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Eleições americanas: a impactante foto de homem branco jogando ácido em jovens negras que voltou à tona nos EUA

Foto foi tirada em 1964 em um hotel na cidade de Saint Augustine, na Flórida - Getty Images
Foto foi tirada em 1964 em um hotel na cidade de Saint Augustine, na Flórida Imagem: Getty Images

Redação - BBC News Mundo

05/11/2018 12h35

Esta fotografia correu o mundo e foi fundamental para o avanço dos direitos civis nos Estados Unidos.

Ela mostra o rosto em pânico de duas mulheres negras em uma piscina, enquanto um homem branco joga ácido clorídrico na água.

A foto foi tirada em 18 de junho de 1964 em um hotel na cidade de Saint Augustine, na Flórida.

De imediato, o registro se converteu em um dos símbolos da segregação racial que durante décadas impediu os negros de compartilharem espaços públicos e privados com a população branca na maioria dos Estados americanos do sul.

Nesta terça-feira, mais de meio século depois, um dos candidatos ao governo da Flórida pode se tornar o primeiro governador afro-americano do Estado.

Trata-se de Andrew Gillum, prefeito da cidade de Tallahassee, que, com uma agenda de esquerda, venceu em agosto as primárias do Partido Democrata, contrariando todos os prognósticos.

Declarações polêmicas

No dia seguinte à sua vitória, o velho fantasma do racismo reapareceu na Flórida, como consequência das declarações de Ron DeSantis, adversário republicano de Gillum.

Em entrevista ao canal de televisão americano Fox News, DeSantis comentou as propostas do oponente e disse que "a última coisa que temos a fazer é macaquices, tentando adotar uma agenda socialista com enormes aumentos impostos e levando o Estado à falência".

Imediatamente, o Partido Democrata condenou as palavras do republicano, acusando o candidato de apelar ao racismo dos eleitores usando uma expressão discriminatória.

Poucos dias após a polêmica, alguns moradores da Flórida começaram a receber telefonemas com uma mensagem gravada em que um homem com sotaque exagerado se identificava como Gillum e pedia votos, ao som de tambores e barulhos de selva, como uivos de macacos, ao fundo.

Stephen Lawson, porta-voz da campanha de DeSantis, afirmou que os telefonemas, feitos por um grupo supremacistas brancos em Idaho, eram "absolutamente terríveis e repugnantes".

Apesar disso, os dois incidentes deixaram claro que a questão racial teria um papel de destaque na batalha pelo governo da Flórida.

Um passado racista

"Este tem sido historicamente um dos Estados mais racistas nos Estados Unidos", afirma Kenneth Nunn, fundador do Centro para o Estudo das Relações Raciais e de Raça da Universidade da Flórida.

"É um dos lugares em que houve mais linchamento de negros e, ao contrário de outros Estados do sul, como Geórgia ou Alabama, não houve um movimento significativo a favor dos direitos civis", explica Nunn à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

"A realidade é que havia tanta violência aqui, que era muito difícil se organizar, já que as pessoas estavam sendo mortas."

Desde o fim da Guerra da Secessão em 1865, apesar da abolição da escravatura e da aprovação de uma Lei dos Direitos Civis que reconhecia a igualdade entre negros e brancos, na Flórida, como na maioria dos Estados do sul do país, os afro-americanos viviam segregados e eram considerados cidadãos de segunda classe.

Essa marginalização era colocada em prática por meio das chamadas Leis de Jim Crow, nome que faz referência a um personagem de comédia do início do século 19, que era interpretado por um ator branco com rosto pintado de preto.

Essas leis variavam de um Estado para outro, e sua validade foi respaldada pela Suprema Corte dos EUA em 1896, sob a doutrina do "separados, mas iguais".

Entre outras coisas, elas proibiam casamentos inter-raciais e obrigavam comércios, instituições públicas, escolas e meios de transporte a oferecer espaços separados para brancos e negros.

Os afro-americanos eram obrigados a usar banheiros diferentes, inclusive, para "impedir que o homem branco fosse contaminado pela influência do negro".

Quem violava essas leis enfrentava a repressão das autoridades e de grupos supremacistas, como a Ku Klux Klan, cujos membros não tinham escrúpulos em usar de extrema violência contra os negros e outras minorias.

Apenas após a Segunda Guerra Mundial que o movimento integracionista - que defendia o fim da segregação racial - começou a ganhar força no contexto da luta pelos direitos civis.

Eles conquistaram uma vitória importante em 1954, quando a Suprema Corte declarou inconstitucionais as regras que separavam estudantes negros e brancos em escolas públicas.

O movimento de Santo Agostinho

Na Flórida, o momento da virada aconteceu a partir de 1963, com o Movimento de Santo Agostinho.

O nome faz referência à cidade de Saint Augustine, no norte do Estado - a colônia europeia mais antiga do país, em que um grupo de ativistas afro-americanos, liderados pelo dentista Robert Hayling, realizou protestos durante meses para exigir o fim da segregação.

Hayling e seus companheiros foram detidos várias vezes e nunca desistiram, mesmo depois de serem sequestrados e espancados por membros da Ku Klux Klan.

Na primavera de 1964, o Movimento de Santo Agostinho recebeu o apoio crucial da Conferência da Liderança Cristã do Sul, liderada na época por Martin Luther King Jr., que enviou à cidade vários de seus colaboradores mais próximos para ajudar a organizar manifestações em massa que acabaram ganhando atenção internacional.

Os manifestantes marcharam pelo centro de Saint Augustine, em uma área conhecida na época como "mercado de escravos", enquanto hordas de brancos os insultavam, atirando pedras e garrafas.

Centenas de ativistas foram presos, a ponto de faltar espaço nas delegacias da cidade para abrigá-los.

Aos manifestantes se juntaram freiras, rabinos e muitos cidadãos brancos que defendiam o fim da segregação. Até mesmo a mãe do governador de Massachusetts foi presa enquanto protestava em um comércio apenas para brancos.

O protesto do hotel

O próprio Martin Luther King Jr. foi até Saint Augustine, onde foi preso em 11 de junho de 1964, após tentar entrar no restaurante do hotel Monson, onde a presença de afro-americanos não era autorizada.

Um dos pontos altos dos protestos aconteceu uma semana depois no mesmo hotel, no dia 18 de junho, quando um grupo de ativistas negros e brancos se jogou na piscina do estabelecimento, em meio a uma forte presença de policiais e da imprensa.

Enfurecido, o gerente do hotel, Jimmy Brock, pegou uma garrafa de ácido clorídrico, usado para limpar azulejos, e começou a jogar nos banhistas para eles saírem da água.

Um policial pulou na piscina para deter os ativistas, que não se feriram, mas acabaram atrás das grades com seus trajes de banho.

As fotografias e gravações do episódio correram o mundo, e a repercussão foi tão forte que até mesmo o presidente americano Lyndon B. Johnson chegou a dizer: "Nossa política externa e tudo mais vai para o inferno por causa disso."

No dia seguinte, após cerca de três meses de impasse devido à falta de acordo entre os legisladores, o Senado dos EUA aprovou a Lei dos Direitos Civis, que decretou o fim da segregação racial em espaços públicos e privados em todo o país.

"Não tenho certeza se a lei seria aprovada sem o que aconteceu em Saint Augustine, foi um marco. Éramos jovens e acreditávamos que havíamos feito algo (importante), e fizemos", disse J.T. Johnson, um dos ativistas que pularam na piscina, à rede americana de rádio NPR.

A era Trump

Os eventos que ocorreram em Saint Augustine na primavera de 1964 foram apenas mais um capítulo da luta entre negros e brancos, que continua até hoje nos Estados Unidos.

Agora, muitos veem a possibilidade de Andrew Gillum se tornar o primeiro governador negro da Flórida como uma forma de compensar as décadas de abandono e marginalização que a população afro-americana sofreu no Estado.

"Historicamente, a Flórida, fora Miami, Tampa e outras cidades grandes, esteve atrás de outros lugares no sul do país em termos de avanços para a população negra", diz Kenneth Nunn.

"É por isso que a eleição de Gillum seria algo muito significativo."

Nunn diz não estar surpreso que os adversários do candidato democrata estejam apelando para o racismo dos eleitores, já que em sua opinião "basta ver o rumo que o presidente Trump está seguindo".

"É uma tendência nacional. Não quero botar toda a culpa no Trump, mas acho que ele se aproveitou da animosidade racial latente que sempre esteve presente na política americana", diz o professor da Universidade da Flórida.

"Ser racista em público volta a ser socialmente aceitável, porque as pessoas viram o presidente tolerar esse tipo de atitude."

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