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'Lava Jato será fortalecida com Moro no Ministério da Justiça', diz promotor que fundou instituto contra corrupção

Moro aceitou convite do presidente eleito para ser o ministro da Justiça - Silvia Izquierdo/AP
Moro aceitou convite do presidente eleito para ser o ministro da Justiça Imagem: Silvia Izquierdo/AP

Ricardo Ferraz - De São Paulo para a BBC News Brasil

Da BBC News Brasil, em São Paulo

07/11/2018 10h20

Reportagem atualizada às 21h19 do dia 07 de novembro de 2018

O promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Roberto Livianu, luta contra a corrupção desde 1996, quando decidiu fazer uma tese de doutorado sobre o tema, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Especializado em direito penal, ele viu os sucessivos escândalos se multiplicarem nos últimos anos e decidiu agir. Fundou, em 2015, o Instituto Não Aceito Corrupção e tem atuado para aprimorar a legislação brasileira. Esse trabalho o aproximou do juiz Sergio Moro, com quem se reuniu em quatro ocasiões para debater medidas contra a corrupção.

O promotor acompanha de perto o trabalho da Lava Jato e considera a atuação de Moro "exemplar" - a operação recebeu especial atenção na edição ampliada de seu livro Corrupção, cujo prefácio foi escrito pelo futuro superministro da Justiça. Desde que começou atuar nos casos, até pendurar a toga para integrar o governo de Jair Bolsonaro, o juiz determinou 215 condenações de 140 réus. Entre elas, um ex-presidente da República, outros políticos poderosos e grandes empresários.

O rigor levou o juiz a colecionar fãs e inimigos. As críticas, que têm aumentado desde o anúncio que ele integrará o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, consideram as decisões de Moro como sendo políticas - acusação que ele refuta, e da qual também é defendido por Livianu.

"É um esperneio previsível, mas é preciso ter clareza que os processos em que ele atuou foram observados com lupa. Os réus foram defendidos pelos maiores escritórios de advocacia do país, com o direito à ampla defesa sendo assegurado de maneira total e absoluta. O índice das confirmações das decisões de Moro é da ordem de 97%", diz o promotor, para quem a ida do juiz para o governo fortalecerá a Lava Jato.

Livianu atuou junto à Fundação Getúlio Vargas e à Transparência Internacional nas 70 novas medidas contra a corrupção, que contou com o apoio de outras 373 entidades e mais de 200 especialistas na área jurídica. O abaixo-assinado virtual da campanha pela aprovação das propostas no Congresso Nacional já teve a participação de mais de 480 mil brasileiros.

Entre as medidas, está a criação de um Sistema Nacional de Combate à Corrupção, a criminalização do caixa dois e a redução do foro privilegiado. A proposta de número 36, que estabelece o Programa de Prevenção da Corrupção na Gestão Municipal, voltada aos pequenos municípios, foi resultado de um concurso promovido pelo instituto dirigido por Livianu.

Em entrevista à BBC News Brasil, ele fala sobre a nomeação de Moro e as consequências para a operação Lava Jato.

BBC News Brasil - Como o senhor avalia a nomeação do juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça?

Roberto Livianu - Do ponto de vista do presidente, como um ato de ousadia e coragem, por um lado. Por outro lado, um ato de um enfrentamento profundo da corrupção e da criminalidade. Sinaliza que essas agendas serão prioritárias no próximo governo.

Sergio Moro sempre demonstrou ser, além de um grande jurista, um estrategista. Ele conhece com profundidade tudo o que ocorreu com a operação Mãos Limpas, na Itália. Tenho a impressão clara que Moro se inspirou em Giovanni Falcone. Depois de ter sido um brilhante magistrado, o juiz italiano deixou a toga para se dedicar ao governo.

Nada impede que um juiz, um promotor, um defensor público, um procurador do Estado cumpra uma outra jornada. Devemos partir sempre da premissa da boa fé das pessoas. Sergio Moro um homem que tem uma folha de serviços prestados ao país.

BBC News Brasil - Diminui a resistência ao governo Bolsonaro?

Livianu - Eu acho que contribui sim. É uma grife para o governo Bolsonaro e um instrumento que colabora para legitimação do governo. Moro chega ao governo com grande força. Sem dúvida, há uma perspectiva de um grande protagonismo no governo.

BBC News Brasil - Como o senhor vê as críticas, vindas principalmente do PT, de que a nomeação do juiz da Lava Jato por parte de um governo alinhado à direita evidencia que as condenações da Lava Jato foram motivadas politicamente?

Livianu - É natural que haja reações, principalmente por aqueles que foram investigados, processados e punidos pelas ações de Sergio Moro. É um esperneio previsível, mas é preciso ter clareza que os processos em que ele atuou foram observados com lupa. Os réus foram defendidos pelos maiores escritórios de advocacia do país, com o direito à ampla defesa sendo assegurado de maneira total e absoluta.

O índice das confirmações das decisões de Moro é da ordem de 97% e nós temos o duplo grau de jurisdição, que garante a possibilidade de pedir revisão das decisões, inclusive por parte de um ministro do Supremo, nomeados por Dilma e Lula. Essa tese de complô não se sustenta.

BBC News Brasil - Como fica agora a operação Lava Jato?

Livianu - A operação Lava Jato e os processos em fase de apuração serão fortalecidos. Instituiu-se um novo paradigma de trabalho, inclusive reconhecido com prêmios internacionais. A Lava Jato se tornou parte do patrimônio do povo brasileiro, não há mais como voltar para o período anterior. Quem vai cuidar desses casos agora tem, na atitude, na produtividade e no desempenho de Sergio Moro, um modelo exemplar a ser seguido.

Por outro lado, um ministro da Justiça, com 22 anos de experiência na magistratura e com uma gama de poder ampliada, fortalece a operação Lava Jato, já que ela passa a ter suporte e respaldo do governo federal.

Já ouvi pessoas dizendo que a nomeação de Moro é uma grande armação, que Bolsonaro estaria fazendo uma espécie de pagamento de algo que foi tramado lá atrás... Eu não acredito nessa teoria da conspiração. Os dois se encontraram no ano passado e, na ocasião, Moro teve até uma atitude de desconsideração com o presidente eleito. Moro aceitou um convite para trabalhar pela nação.

BBC News Brasil - O general Mourão, vice-presidente eleito, disse que o convite aconteceu durante o período de campanha...

Livianu - Foi apenas uma sondagem.

BBC News Brasil - Não ficou claro em que momento essa sondagem ocorreu, e durante a campanha Moro divulgou os termos da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, que implicava o ex-presidente Lula.

Livianu - Isso já foi devidamente justificado. Houve um pedido da defesa para ter acesso a essa delação. Isso foi autorizado e o Moro quis garantir a universalidade, uma vez que estava concedendo vistas para uma das partes. A publicidade é a regra, garantida no artigo 37 da Constituição Federal. Não há porque ter medo dela.

Há uma tentativa desse grupo político de inverter as coisas. Os membros do Ministério Público, da Polícia, da magistratura não tem responsabilidade pelos atos de corrupção.

BBC News Brasil - Em sua opinião, há alguma possibilidade de o STF anular o julgamento de Lula pelo juiz Moro, como quer o PT?

Livianu - Não tenho bola de cristal. Mas quando o PT registrou, ao arrepio da lei, a candidatura de Lula, sabendo que ele era inelegível, estava trabalhando na construção de um discurso. Sob esse ponto de vista, seria perfeitamente possível a ideia de que Lula é vítima de uma perseguição.

Mas que perseguição é essa, quando você tem a confirmação de 97% das decisões? Isso não existe! É uma construção patética de quem quer, na calmaria das águas, jogar uma pedra para turvá-las. Pedir, requerer, dar versões faz parte do jogo.

BBC News Brasil - Ao longo da atuação de Moro na Lava Jato, houve pontos de atrito com o STF. Como o senhor imagina que será a relação entre o Sergio Moro e o Supremo?

Livianu - Será positiva, principalmente pela credibilidade que Moro detém. Mas isso dependerá da atitude concreta do novo ministro, da maneira pela qual ele vai colocar os temas. Há uma reconfiguração de forças, ele deixa de ser magistrado para se tornar o homem do governo. Isso não acontece automaticamente, pode levar um tempo.

Moro já foi chamado para ser ouvido em alguns assuntos de interesse do país, como o projeto sobre abuso de autoridade e o projeto das dez medidas contra corrupção. Naqueles momentos, houve uma interlocução com os Poderes Legislativo e Executivo. A relação foi amistosa e marcada pela civilidade.

Moro é uma pessoa educada, bem preparada, inteligente, estrategista, conhece bem os campos de competência de cada um dos players desse jogo. Tem todas as condições de exercer a sua nova função de maneira absolutamente adequada.

BBC News Brasil - Qual a agenda anticorrupção que o senhor imagina que Moro vai apresentar?

Livianu - As dez medidas anticorrupção viraram 70 depois que foram verdadeiramente trucidadas pelo Congresso Nacional, em novembro de 2016. Não foi por acaso que Moro se deixou fotografar no avião com o livro que reúne todas elas em mãos, durante o voo de Curitiba para o Rio de Janeiro. Elas foram gestadas pelo diálogo, envolvendo a Transparência Internacional, a Fundação Getúlio Vargas, centenas de especialistas, defensores públicos, advogados e juristas.

Esse é um pacote da sociedade, mais de 500 mil pessoas assinaram. Mas não estou dizendo que Moro será o xerife das 70 medidas, imagino que haverá uma priorização de um conjunto dessas proposições.

BBC News Brasil - Para aprová-las, ele terá de demonstrar habilidade como político em um Congresso Nacional em que a regra é a troca de apoio por cargos e verbas. Como Moro deve lidar com isso de que maneira?

Livianu - É um desafio dificílimo, mas que o país precisa enfrentar. Se, de um lado, existe fisiologismo, de outro, existe o desejo de uma sociedade que não teve os seus anseios acolhidos quando houve a discussão da reforma política. Velhos caciques não foram reeleitos, a população fez uma renovação histórica na representação política.

Há um viés mais conservador, é verdade, mas há também uma credibilidade alta de Sergio Moro. Eu tenho certeza que uma ida do superministro da Justiça ao Congresso para discutir com os parlamentares, com ampla cobertura da imprensa, terá um peso muito grande.

BBC News Brasil - E o controle da Polícia Federal, como o senhor acha que Moro deve lidar com a pressão de políticos que não querem ser investigados?

Livianu - No momento em que o presidente eleito coloca a Polícia Federal sob o controle do Ministério da Justiça novamente e sinaliza total independência e autonomia, já é uma proteção significativa em relação às pessoas que querem promover um desvio de rota, à velha cultura do compadrio e à impunidade. Ter esse poder na mão é uma garantia de uma Polícia Federal que não se submete a esses jogos.

BBC News Brasil - Como se deve dar a agenda da segurança pública e o combate ao crime organizado?

Livianu - É complexo. Falta-nos uma política de segurança pública, uma estratégia de combate à criminalidade. Moro precisará se cercar de bons colaboradores nesse superministério, uma equipe ampla diversificada, com pessoas escolhidas de maneira criteriosa para cumprir essa missão. A experiência como magistrado o credencia a apresentar um plano de enfrentamento, não só dos crimes violentos, mas também de lavagem dinheiro, tráfico de entorpecentes, entre outros.

BBC News Brasil - Em sua opinião, como Moro deve lidar com propostas controversas do novo governo, como o excludente de ilicitude, que protege policiais e soldados das forças armadas em serviço que matarem outras pessoas?

Livianu - É preciso olhar com muito cuidado. Enfrentamento à criminalidade é necessário, mas isso deve ser feito dentro da lei. Eu penso que Bolsonaro, ao escolher Moro, trouxe para seu governo alguém que representa a legalidade. Não podemos pensar em soluções que extrapolem essa esfera.

Esse assunto precisa ser debatido, bem amadurecido, porque ele não diz respeito exclusivamente ao executivo. Trata-se de uma mudança nas regras jurídicas que precisa ser apreciada pelo Congresso Nacional, até para se respeitar a separação de poderes. Isso é necessário para a preservação total e absoluta do estado democrático de direito.

BBC News Brasil - Isso vale também para a possibilidade da criminalização dos movimentos sociais dentro da lei antiterrorismo, outra proposta aventada pelo novo governo?

Livianu - Isso me preocupa muito, já que resvala no princípio constitucional de livre manifestação de pensamento e de associativismo. É lógico que indivíduos que transgridam a lei devem ser investigados, responsabilizados e punidos, mas precisamos ter muito cuidado para não demonizar os movimentos sociais.

O presidente eleito gerou preocupação em fatias do eleitorado com declarações que foram lidas com um viés autoritário. Depois de vencer a disputa, ele vem fazendo um novo discurso, mais suave. É necessário que ele tenha clareza de que é preciso governar para todos e respeitar a Constituição. Isso inclui a oposição, a imprensa e o próprio do sistema democrático.

BBC News Brasil - Isso pode ser um ponto de atrito entre o presidente eleito e seu ministro da Justiça?

Livianu - Atrito sempre pode haver, mas o próprio Moro declarou que iria ao Rio de Janeiro negociar sua nomeação. Tenho a impressão de que ele avaliou bem os riscos e deve ter recebido uma sinalização clara de autonomia e independência.

É óbvio que ele está subordinado ao presidente, mas não é qualquer pessoa. Todo mundo sabe que não é uma coisa simples demitir alguém como Sérgio Moro.

Ele não é intocável. Mas, se por alguma incompatibilidade, passar pela cabeça de Bolsonaro demitir o ministro da Justiça será algo muito complicado. Até porque Moro exonerou-se do cargo de juiz para entrar no Executivo.

BBC News Brasil - O senhor acredita em uma agenda político-eleitoral de Moro no futuro?

Livianu - Não sei avaliar isso. Formular hipóteses é livre.

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