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Os 6 presentes de grego que Trump ganhou em véspera de Natal caótica para o governo dos EUA

O presidente dos EUA, Donald Trump, durante entrevista exclusiva na Casa Branca, em 11/12/2018. Americano quer juros baixos em meio à batalha comercial conta a China - Jonathan Ernst/Reuters
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante entrevista exclusiva na Casa Branca, em 11/12/2018. Americano quer juros baixos em meio à batalha comercial conta a China Imagem: Jonathan Ernst/Reuters

Ricardo Senra

Da BBC Brasil de Washington

22/12/2018 21h11

A bolsa de valores dos EUA teve a pior semana em uma década. O influente secretário de Defesa James Mattis pediu demissão por discordar do presidente. A Casa Branca não conseguiu mais dinheiro para o muro com o México, principal promessa de campanha de Donald Trump. Em guerra com a oposição, parte do governo federal teve serviços suspensos por um "apagão" financeiro que secou cofres de ministérios e pode deixar funcionários públicos sem salário no fim de ano.

A véspera de Natal foi marcada por uma série de revezes contra o presidente Trump, que se prepara para encarar mais um obstáculo em menos de duas semanas. Com a posse do novo Congresso, o bilionário perderá maioria na Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados do Brasil) em um momento crucial das investigações que enfrenta por suposto conluio com russos na eleição de 2016.

A tempestade fez com que Trump adiasse o recesso para as festas de fim de ano, incluindo sua viagem ao clube de golfe da família na Flórida. Mais uma vez, boa parte da ação aconteceu pelo Twitter.

"Nós derrotamos o (auto-proclamado) Estado Islamico, minha única razão para estar lá", escreveu Trump na quarta-feira, anunciando uma inesperada retirada de 2 mil soldados da Síria.

A decisão contrariava as opiniões de auxiliares importantes e surpreendeu aliados internacionais na empreitada síria, como Israel e Inglaterra, ao mesmo tempo em que rendeu elogios vindo da Rússia de Vladimir Putin - cuja relação com os EUA, para a maioria dos americanos, deveria ser como água e óleo.

Começava aí a rodada de presentes de grego que não param de se acumular na árvore de Natal do presidente americano. Conheça os principais.

1 - Secretário Mattis pede demissão

A consequência mais grave do tuíte acima também chegou por escrito à "mesa Resolute", como é chamado o historico móvel de madeira de onde os presidentes americanos despacham no Salão Oval.

"Minhas opiniões sobre tratar aliados com respeito e estar atento a atores malignos e concorrentes estratégicos são firmes graças a mais quatro décadas de imersão nessas questões", diz a carta de demissão do secretário Mattis, sempre descrito como um ponto de equilíbrio para as ideias do presidente, além de ser um dos generais mais experientes que ainda restavam no governo.

"Como o senhor tem o direito de ter um Secretário de Defesa cujas visões estejam mais alinhadas às suas nestes e em outros temas, acredito que o correto é recuar do meu posto."

A reprovação à retirada das tropas foi acompanhada por colegas do partido Republicano, que em raro momento de sintonia com os Democratas ainda enxergam riscos ligados aos extremistas do EI que, mesmo abalado, continua presente em pontos de estratégicos no país governado por Bashar Al Assad.

Na avaliação de auxiliares próprios, a medida intempestiva de Trump poderia colocar em risco aliados curdos na região e fortalecer os remanescentes do EI - bem como a influência geopolítica de rivais como o Irã e os próprios russos no tabuleiro geopolítico árabe.

Especula-se que a decisão de Trump se justifique pelos esforços da Casa Branca em garantir recursos financeiros para a construção do muro entre os EUA e o México, um imbróglio que se arrasta há dois anos - e agora dá origem ao segundo presente de grego para Trump neste Natal.

2 - Muro se mantém no telhado

"Vamos conseguir de um jeito ou de outro!", tuitou o presidente na quinta - em referência à construção do polêmico muro na fronteira entre EUA e México, orçado em mais de US$ 5 bilhões (ou R$ 19,2 bilhões).

A cifra gorda foi apresentada na proposta de lei orçamentária do governo para o próximo ano e chegou a ser aprovada com custo na Câmara dos Representantes - mas não teve fôlego no Senado, onde 60% dos parlamentares precisam dizer sim para que o texto chegue à caneta de Trump.

Tradicionalmente usada como momento de barganha entre governo e oposição, a lei orçamentária gerou bate-boca em reunião aberta para a imprensa entre Trump e os oponentes democratas Nancy Pelosi (líder da minoria na Câmara) e Chuck Schumer (líder no Senado), que se recusam a financiar o muro, que descrevem como uma violação aos direitos humanos.

"A birra de Trump vai garantir a paralisação do governo, não a construção do muro", disse Schumer após o encontro; Trump, por outro lado, vem repetindo acusações contra os democratas, que seriam os grandes responsáveis pelo apagão financeiro e ignorariam supostas ameaças à segurança nacional, como "a passagem de bandidos, armas e figuras indesejadas" pela fronteira.

3 - Apagão financeiro em um quarto dos serviços públicos

Uma medida temporária chegou a ser aprovada no Senado na quarta-feira para evitar o congelamento dos serviços públicos, mas não foi sancionada por Trump que, pressionado por apoiadores para cumprir a promessa de campanha, decidiu arriscar.

Na sexta à noite, horas antes da meia noite, horário-limite para que se chegasse a um consenso para evitar o apagão orçamentário, o presidente divulgou um vídeo confirmando a dificuldade em obter apoio.

"Nós vamos ter um apagão. Não há nada que possamos fazer sobre isso porque precisamos que os democratas nos deem seus votos", disse.

Apesar de três quartos da máquina pública terem fundos em caixa até setembro de 2019, áreas importantes como os departamentos de Segurança Interna, Justiça, Interior, Estado, Moradia e Desenvolvimento urbano começaram o sábado com os cofres vazios.

Segundo estimativas de democratas, milhares de funcionários públicos ficariam sem salários com a falta de acordo na disputa orçamentária. As negociações para reverter o apagão continuam neste sábado.

4 - Maior queda na bolsa de NY desde 2008

A instabilidade contaminou investidores, que reviveram uma turbulência vista pela última vez durante a grande crise financeira de 2008, quando bancos, empresas e investidores em todo o mundo ficaram pó junto à crise do subprime.

As quedas nas bolsas americanas nesta semana também refletem resultados piores na economia do país - segundo o Departamento de Comércio, o PIB do país cresceu 3,4% no terceiro trimestre, desacelerando rem relação aos 4,2% registrados no trimestre anterior.

Contra a vontade do presidente, o banco central americano (Fed) também anunciou um aumento nos juros dos EUA para entre 2,25% e 2,5% ao ano.

Assim, as ações mais negociadas da Bolsa de Nova York, que formam o índice Dow Jones, caíram 6,9% na semana.

O Nasdaq, que reúne milhares de empresas médias e forma o segundo maior mercado de ações do planeta (depois do Dow Jones), teve queda ainda mais acentuada - 8,4%.

O S&P 500, que reúne as maiores empresas do mercado americano, também registrou queda de 6,9%, um pico de desvalorização desde 2009.

Já PIB, desemprego e confiança do consumidor, alguns dos principais indicadores econômicos dos EUA, continuam registrando bons resultados. Enquanto países como o Brasil enfrentam duras dificuldades para crescer, a expansão econômica dos EUA chega a seu 13º ano sem sinal de retração.

5 - Justiça aperta cerco contra aliados de Trump

Na última terça, em um julgamento acompanhado por todo o país, um juíz americano declarou que o ex-conselheiro de segurança nacional de Trump, Michael Flynn, "vendeu os EUA" ao se encontrar secretamente com estrangeiros ligados a Turquia e Rússia durante a campanha.

Após negar encontros em testemunhos oficiais, Flynn reconheceu, no fim do ano passado, que mentiu sobre o caso em depoimentos ao FBI. Ao juiz Emmet Sullivan, nesta terça, ele afirmou ser "culpado".

A sentença de Flynn, no entanto, foi adiada para março. É que o ex-conselheiro de Trump decidiu se tornar delator e passou a colaborar com as investigações na expectativa de penas mais brandas - um eventual perdão, no entanto, é considerado cada vez mais improvável por analistas.

Flynn renunciou ao cargo no governo 24 dias após assumi-lo, em fevereiro de 2017, quando foi acusado pela Casa Branca de enganar o vice-presidente Mike Pence e outras autoridades sobre seus contatos com o embaixador russo em Washington, Sergei Kislyak.

Apesar da paralisação orçamentária da madrugada deste sábado, as atividades do escritório do procurador especial Robert Mueller, que conduz as investigações, estão garantidas.

6 - Perda de maioria na Câmara

Nos novos capítulos nas investigações contra Trump e escalada da tensão entre governo e oposição nas negociações para a lei orçamentária antecedem uma mudança crucial que atingirá os últimos dois anos do governo do bilionário republicano a partir de 3 de janeiro.

No último mês de outubro, o número de cadeiras pertencentes aos republicanos caiu de 235 para 199, enquanto as dos democratas cresceram de 197 para 236, garantindo uma maioria de 54,1% para os últimos, contra 45,9% para os aliados de Trump.

Isso pode dificultar a aprovação de projetos importantes para o governo - incluindo um eventual enterro definitivo para os planos de construção do emblemático muro que tanto divide os americanos.

Mas também pode facilitar a abertura de novas investigações e mais pressão contra o presidente - que já mostrou planos de concorrer à reeleição, mas no momento precisa reconstruir sua credibilidade para garantir estabilidade na metade final de seu primeiro mandato.