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Caso Marielle Franco: quem são os dois presos e o que falta saber sobre os assassinatos

Marielle Franco na Câmara Municipal do Rio de Janeiro - Folhapress
Marielle Franco na Câmara Municipal do Rio de Janeiro Imagem: Folhapress

12/03/2019 12h09

O policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Elcio Vieira de Queiroz foram denunciados pelo ataque que causou a morte da vereadora e de seu motorista; viúva de Marielle cobrou a identificação dos mandantes do atentado.

* Matéria atualizada às 17h07 de 12/03/19

A Polícia Civil do Rio de Janeiro e o Ministério Público do Estado anunciaram nesta terça-feira a prisão de dois suspeitos pelo assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e do motorista dela, Anderson Gomes, em março de 2018.

O policial militar reformado Ronnie Lessa, de 48 anos, e o ex-policial militar Elcio Vieira de Queiroz, de 46, foram denunciados pelos crimes de homicídio qualificado de Marielle e Anderson e por tentativa de homicídio de Fernanda Chaves, assessora de Marielle, que sobreviveu ao ataque.

Segundo os investigadores, Lessa efetuou os disparos contra Marielle e Anderson, enquanto Queiroz dirigiu o veículo de modelo Cobalt usado durante o ataque.

Há ruído, no entanto, entre o que Polícia Civil e Ministério Público informam sobre o tema da motivação para o crime.

O Ministério Público denunciou os acusados afirmando que teriam agido por "motivo torpe". O órgão afirma que Lessa a teria matado porque tinha "repulsa" contra sua atuação em defesa de minorias, como disse em entrevista coletiva na tarde desta terça-feira a promotora Simone Sibilio, coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

"É inconteste que Marielle Francisco da Silva [nome de batismo da vereadora] foi sumariamente executada em razão da atuação política na defesa das causas que defendia", diz a denúncia, que classificou o atentado como um "golpe ao Estado Democrático de Direito".

O órgão não exclui, no entanto, que tenha havido outras motivações, nem que o crime tenha sido encomendado por outros motivos.

O assassinato de Anderson e a tentativa de assassinato da assessora da vereadora foram planejados, segundo o Ministério Público, para garantir que os criminosos saíssem impunes.

Já a Polícia Civil diz que não sabe qual foi a motivação para o crime, mas também afirma que Lessa demonstrava ter "ódio" e "obsessão" por personalidades que militam em causas associadas à esquerda, como era o caso de Marielle. Tampouco sabe informar se o crime teve mandante.

Essas questões serão objeto de uma segunda etapa da investigação, que já está em andamento e corre em sigilo.

Em entrevista coletiva na manhã desta terça-feira, o governador do Rio, Wilson Witzel, disse que os suspeitos poderão fazer uma delação premiada, se assim quiserem.

Lessa foi preso em sua casa, no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca - mesmo local onde o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem casa. Segundo os investigadores, o fato não foi relevante para esta etapa da investigação.

De acordo com a promotora Simone Sibilo, a operação foi adiantada porque havia o boato de que os acusados teriam sido avisados. De acordo com ela, os dois foram presos por volta das 4h da manhã deixando suas casas, e Lessa reconheceu que sabia da operação quando foi detido.

Quem são os presos

Em entrevista coletiva na manhã desta terça-feira, Giniton Lages, chefe da Delegacia de Homicídios da Capital, responsável pela investigação, disse que os autores dos assassinatos cometeram "um crime perfeito", o que fez os investigadores concentrarem sua atenção em pessoas que teriam a capacidade técnica de cometê-lo.

"Esses crimes foram planejados e executados por pessoas que tinham conhecimento do sistema de investigação e de justiça", diz uma das promotoras responsáveis pelo caso, Leticia Emile Alquebres Petriz.

Lessa, acusado de efetuar os disparos, é policial reformado. Também trabalhou na Polícia Civil e foi membro do Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope), segundo Lages. Por sua experiência, avalia o delegado, era capaz de cometer um crime sofisticado.

Durante a investigação, diz Lages, observou-se que Lessa tem "obsessão por personalidades que militam à esquerda". "Numa análise do perfil dele, você percebe ódio e desejo de morte, você percebe alguém capaz de resolver diferenças dessa forma (matando)", diz o delegado.

Ainda que a Polícia Civil não tenha afirmado categoricamente qual foi a razão para o crime, o delegado a descreve, segundo o delegado, como "motivo torpe", como também o descreve a denúncia do Ministério Público.

A investigação foi feita com a quebra de dados do celular de Lessa. Segundo o delegado, ele fazia buscas por informações ligadas a Marcelo Freixo e também ao general Richard Nunes, então secretário de Segurança Pública do Rio.

Segundo o delegado, a confirmação de que de fato era Lessa no carro foi possível por métodos que não serão divulgados.

A promotora Elise Fraga, da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MPRJ, apontou um dos elementos. Disse que imagens do braço direito do atirador são compatíveis com as do braço de Lessa - ambas mostram uma tatuagem.

O sargento reformado Lessa ingressou na Polícia Militar em 1991 e, a partir de janeiro de 2003, passou a atuar na Polícia Civil como adido, cargo no qual permaneceu até 2010, quando sofreu um atentado que o afastou definitivamente da atividade policial.

Segundo o MP, não há provas contundentes de seu envolvimento com milícias, mas isso ainda está sendo investigado. O órgão afirma, no entanto, que ele é suspeito de ter cometido homicídios ligados à contravenção (jogo do bicho).

Segundo a Polícia Militar, o ex- sargento Queiroz, que seria o motorista do carro, foi expulso dos quadros da corporação em 2015, após conclusão do Conselho de Disciplina instaurado pela Corregedoria. O Conselho foi instaurado em função do envolvimento do ex-policial em atividade ilegal de exploração de jogos de azar.

De acordo com o MP, ele é amigo de Lessa.

A Polícia não descarta a possibilidade de que houvesse uma terceira pessoa no veículo, algo que será avaliado na próxima etapa da investigação. Já o MP negou que houvesse uma terceira pessoa ali, em outro ruído entre os dois órgãos.

Como foi o ataque, segundo as autoridades

"A empreitada criminosa (contra Marielle e Anderson) foi meticulosamente planejada durante os três meses que antecederam o atentado", diz nota do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ).

A operação foi batizada de Lume - uma referência ao Buraco do Lume, onde Marielle atuava num projeto chamado Lume Feminista.

"É inconteste que Marielle Francisco da Silva [nome de batismo da vereadora] foi sumariamente executada em razão da atuação política na defesa das causas que defendia", diz a denúncia, que classificou o atentado como um "golpe ao Estado Democrático de Direito".

Os investigadores dizem que os assassinos sabiam onde Marielle estaria, em um compromisso na Casa das Pretas, na Lapa, e tinham informações sobre o carro que a levava.

Eles reconstituíram, por meio de imagens de câmeras de rua, a viagem de cerca de uma hora feita pelo carro, da Barra da Tijuca até o endereço onde estava Marielle. A identificação do veículo foi possível, segundo o delegado, porque ele tinha um "defeito traseiro inconfundível".

Ao chegarem ao endereço, não encontraram o carro do motorista Anderson, então deram uma volta no quarteirão. Na segunda volta, toparam com o veículo, e estacionaram próximo a ele. Ficaram lá por duas hora, até que Marielle deixou o local.

Os assassinos seguiram o carro e efetuaram os disparos alguns quilômetros dali.

Além das prisões, a operação realiza mandados de busca e apreensão nos endereços dos denunciados para apreender documentos, telefones celulares, notebooks, computadores, armas, acessórios, munições e outros objetos.

Os promotores do Gaeco/MPRJ concederão uma entrevista coletiva sobre a operação na tarde desta terça-feira. Desde o fim da manhã, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) e policiais civis envolvidos na investigação também estão dando detalhes da operação a jornalistas.

Além dos pedidos de prisão, o Ministério Público pediu a suspensão da remuneração e do porte de arma de fogo de Lessa, além da indenização por danos morais aos parentes das vítimas e do pagamento de uma pensão ao filho de Anderson até que ele complete 24 anos.

Repercussão

A prisão da dupla teve grande repercussão nas redes sociais - o termo #MarielleFranco entrou na lista dos trending topics globais no Twitter.

Muitos, porém, cobravam a identificação dos mandantes do ataque - e não apenas dos executores -, além da elucidação dos motivos do crime.

Os pedidos pela responsabilização dos mandantes foram endossados pela arquiteta Mônica Benício, viúva de Marielle.

"Parabéns às promotoras, e a todos os envolvidos. Espero poder ter acesso aos detalhes para que sinta segurança nesse resultado. Mas ainda falta a resposta mais urgente e necessária de todas: QUEM MANDOU MATAR Marielle? Espero não ter que aguardar mais um ano para saber", ela escreveu no Twitter.

Em nota, a ONG Anistia Internacional pediu que um grupo independente de especialistas possa acompanhar as investigações. "A organização reitera que ainda há muitas perguntas não respondidas e que as investigações devem continuar até que os autores e os mandantes do assassinato sejam levados à Justiça", diz a ONG.

Outra ONG, a Human Rights Watch, afirmou que a detenção dos suspeitos, "se confirmadas as evidências sobre seu envolvimento, é um passo muito importante na eludicação deste grave crime que chocou o Brasil e o mundo".

"Para além disso, permanece o desafio fundamental de que os investigadores da polícia e o Ministério Público avancem no inquérito que visa identificar os mandantes do assassinato. A sociedade precisa saber não só quem apertou o gatilho, mas quem mandou matar e o porquê", diz a organização.

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