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Nova Zelândia: Por que a primeira-ministra do país decidiu nunca pronunciar nome do atirador

19/03/2019 14h49

Em discurso emocionado no Parlamento da Nova Zelândia, a primeira-ministra do país, Jacinda Ardern, anunciou que nunca dirá o nome do atirador que matou 50 pessoas em duas mesquitas na cidade de Christchurch.

"Ele buscou muitas coisas em seu ato de terror, entre delas a notoriedade - é por isso que você nunca me ouvirá mencionar seu nome", disse.

Segundo a rede americana CNN, a estratégia tem surtido efeito: é o rosto dela, e não o do atirador, que tem dominado a cobertura da mídia. Com 38 anos, a política progressista é a chefe de Estado mais jovem do mundo atual e tem recebido apoio dentro e fora do país pelas declarações e medidas pós-ataque.

O que está por trás da decisão de não nomear atiradores?

"Eu imploro, fale os nomes daqueles que perdemos em vez do nome do homem que os levou. Ele é um terrorista. Ele é um criminoso. Ele é um extremista. Mas ele vai, quando eu falar, ser alguém sem nome", afirmou a primeira-ministra neozelandesa em seu discurso.

Esta não é a primeira vez que conteúdos perturbadores relacionados a massacres circularam em redes sociais, deixando muitos sobreviventes e parentes de vítimas irritados com a publicidade que eles oferecem aos perpetradores.

Os pais de uma das vítimas do ataque em um cinema em Aurora, no Estado americano do Colorado, em 2012, montaram uma campanha chamada "No Notoriety" (Sem Notoriedade, em tradução livre) para combater a cobertura jornalística dominante sobre quem comete esse tipo de ataque.

Seu site defende "nenhum nome, nenhuma foto e nenhuma notoriedade" aos criminosos, desafiando a mídia a "privar indivíduos com mentalidade violenta dos holofotes que tanto desejam".

A campanha "Don't Name Them" (Não os Nomeie, em tradução livre), do Centro ALERRT da Universidade Estadual do Texas, é parecida, argumentando que dar publicidade "permite ao atirador realizar um de seus objetivos e valida sua vida e suas ações".

Como foi o discurso da primeira-ministra?

Jacinda Ardern foi eleita em 2017 por meio de uma coalização entre o partido Trabalhista, de esquerda, e o NZ First, que é populista e anti-imigração. Ela, que encerrou uma década de domínio conservador no Parlamento, conseguiu ampliar sua aprovação popular à frente do cargo e atrair os holofotes internacionais, a exemplo da licença-maternidade que tirou enquanto era primeira-ministra.

O discurso de Ardern no Parlamento após o atentado teve bastante repercussão no país. Em sua fala, ela abordou outros três pontos importantes no debate que dominou o país: tolerância religiosa, redes sociais e restrições a armas.

Ela abriu seu discurso com a saudação árabe "As-Salaam-Alaikum", que significa "a paz esteja com você", e recomendou aos neozelandeses que reconhecessem a dor da comunidade muçulmana na sexta-feira - que é o dia de adoração dos muçulmanos e marcará uma semana desde os ataques em Christchurch.

Ardern recebeu elogios por sua condução do caso, em especial de muçulmanos pelo gesto simbólico de cobrir seus cabelos com um véu enquanto falava com familiares de vítimas do ataque.

"Eu olhei para o rosto das pessoas quando ela estava colocando o hijab e havia sorrisos nessas faces", afirmou à CNN Ahmed Khan, que sobreviveu ao ataque, mas perdeu o tio.

Há outro ponto sensível do ataque ligado aos muçulmanos. A tradição islâmica pede a limpeza e o enterro dos corpos o mais rapidamente possível após a morte, mas isso foi adiado devido ao lento processo de identificação e documentação forense.

"A polícia está ciente das frustrações das famílias associadas ao tempo necessário para o processo de identificação após o ataque", afirmou a corporação em comunicado. "Estamos fazendo tudo o que podemos para realizar este trabalho o mais rápido possível e devolver as vítimas aos seus entes queridos."

Mohamed Safi, 23, cujo pai Matiullah Safi foi assassinado na mesquita Al Noor, reclamou da falta de informação.

"Eles estão apenas dizendo que estão fazendo seus procedimentos. Por que eu não sei o que esá sendo feito para identificar o corpo?", disse à agência de notícias AFP.

Responsabilização do Facebook

Em seu discurso, a primeira-ministra também pediu que as plataformas de mídia social façam mais para combater o terror.

"Não podemos aceitar passivamente que essas plataformas simplesmente existam e que o que é dito dentro delas não seja responsabilidade dos lugares onde elas são publicadas", disse ela. "Eles são os editores, não apenas os 'carteiros'. Não pode haver um caso de lucro sem responsabilidade."

O vídeo do atirador foi visto menos de 200 vezes durante a transmissão ao vivo e cerca de 4.000 vezes no total antes de ser removido.

O Facebook disse que removeu mais de 1,5 milhão de cópias do vídeo nas primeiras 24 horas após o ataque - 1,2 milhão das quais foram bloqueadas durante o upload.

Restrição ao acesso de armas

A primeira-ministra também defendeu restrições ao acesso a armas no país, mas ainda não divulgou detalhes de sua proposta.

Em 2016, a polícia da Nova Zelândia estimou que 1,2 milhão de armas legais estavam em posse de civis - o equivalente a uma arma para cada quatro pessoas no país.

A idade mínima para possuir uma arma legalmente na Nova Zelândia é 16 anos - ou 18, no caso de armas semiautomáticas de estilo militar.

Qualquer um acima dessas idades e que seja considerado capaz pela polícia pode possuir uma arma de fogo.

Todos os donos de armas precisam de uma licença, mas a maioria das armas individuais não necessita de registro. A Nova Zelândia é um dos poucos países a seguir essas regras.

Para possuir uma arma legalmente, os interessados devem passar por uma checagem de antecedentes criminais e do histórico de saúde. Fatores como saúde mental, vícios e violência doméstica são considerados na avaliação.

Uma vez que a licença é concedida, o cidadão pode comprar quantas armas quiser.

Os números indicam que, desde 2010, houve 28 homicídios provocados por pessoas que possuíam armas legalmente, e 126 causados por pessoas sem licenças.

O que aconteceu ao acusado do ataque?

Preso após os ataques transmitidos ao vivo no Facebook, o extremista, autodeclarado supremacista branco, responderá pela acusação de homicídio.

O jornal The New Zealand Herald informou na terça-feira que ele foi transferido para uma prisão de segurança máxima em Auckland, onde está isolado, sem receber visitas nem ter acesso a jornais, televisão e rádio.

Ele apareceu no tribunal no último sábado e não negou as acusações. Seu advogado, indicado pelo Estado, disse que o suspeito não queria seus serviços e indicou que representaria a si mesmo a partir de agora.