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O insólito lugar onde foram parar pedaços de construções dizimadas pela bomba de Hiroshima

Cidade de Hiroshima destruída na Segunda Guerra  - Getty Images/BBC
Cidade de Hiroshima destruída na Segunda Guerra Imagem: Getty Images/BBC

16/05/2019 15h41

Mais de 70 anos após lançamento da bomba atômica pelos EUA, equipe de geólogos encontra possíveis partículas de material explodido em praia japonesa.

Na manhã de 6 de agosto de 1945, a bomba atômica lançada pelos Estados Unidos na cidade japonesa de Hiroshima matou cerca de 80 mil pessoas no mesmo dia. No fim de 1945, o número de mortos havia chegado a pelo menos 140 mil.

A explosão também destruiu ou danificou 90% das construções da cidade.

"Foi o pior evento já causado pelo homem", afirma o geólogo Mario Wannier.

"Você tinha uma cidade inteira, e um minuto depois não tinha mais. Uma grande questão para mim era: onde está essa cidade? Para onde foi todo esse material?"

Wannier já havia se aposentado como professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, quando um colega mostrou a ele partículas incomuns coletadas em praias do Japão.

O geólogo havia participado de um projeto para comparar areias de diferentes partes do mundo com o intuito de avaliar a saúde dos ecossistemas marinhos.

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As amostras foram analisadas em escalas de menos de um mícron - ou um milionésimo de metro
Imagem: Wannier et AL. Anthropocene

Por isso, reconheceu de cara que as partículas encontradas na península de Motoujina, perto de Hiroshima, eram especiais e poderiam desvendar o mistério das construções que desapareceram.

"É um tesouro ter descoberto estas partículas. É uma história incrível", afirma Wannier, autor principal de um novo estudo publicado na revista científica Anthropocene.

Partículas incomuns

"Já examinei centenas de amostras de areia do sudeste asiático, e sou capaz de distinguir imediatamente grãos minerais de outras partículas criadas por animais ou plantas," destacou Wannier.

O geólogo começou então a analisar as amostras de areia de Motoujina coletadas pelo colega, o geólogo basco Marc de Urreiztieta. E encontrou vestígios de organismos unicelulares chamados foraminíferos.

"Mas descobri algo mais. Aquelas partículas aerodinâmicas, vítreas e arredondadas me fizeram lembrar imediatamente das partículas esféricas que havia visto em amostras do período Cretáceo Terciário", encontradas na Península de Yucatán, no México, onde o impacto de um meteorito provocou a extinção em massa de espécies, incluindo dinossauros.

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As partículas vítreas encontradas em praias próximas a Hiroshima lembram as partículas produzidas por impactos de meteoritos
Imagem: Wannier et Al. Anthropocene/BBC

Quando um meteorito atinge o solo, o material na superfície se liquefaz e é lançado para a atmosfera, onde forma gotas de material vítreo que caem no solo em forma de chuva.

O geólogo viajou para o Japão em 2015 para coletar mais amostras de areia.

Nas praias localizadas a uma distância entre 7 km e 11 km de Hiroshima, o cientista encontrou uma alta concentração destas partículas, o que o levou a suspeitar que a bomba atômica de 1945 poderia ser um fator-chave para explicar o enigma.

Em todas as amostras havia entre 12 gramas e 23,3 gramas destas partículas a cada quilo de areia.

No total, Wannier coletou cerca de 10 mil partículas de areia e as classificou em seis grupos diferentes, de acordo com suas características físicas.

Os pesquisadores estimam que para cada quilômetro quadrado de praia, até uma profundidade de 10 cm, havia entre 2,2 mil e 3,1 mil toneladas dessas partículas.

Algumas eram semelhantes a partículas encontradas em locais de impacto de meteoritos, mas outras pareciam ter uma composição similar à da borracha e continham uma variedade de materiais revestidos com uma camada de vidro ou silício.

A maioria das partículas tinha entre 0,5 e 1 milímetro de diâmetro.

Mais de 1.800 graus

Para determinar a composição das partículas, Wannier e Urreiztieta entraram em contato com Rudy Wenk, professor de mineralogia na Universidade de Berkeley.

Wenk identificou uma composição química variada, incluindo concentrações de alumínio, silício e cálcio, glóbulos microscópicos de ferro rico em cromo e ramificações microscópicas de estruturas cristalinas. Outras partículas eram compostas de carbono e oxigênio.

As amostras foram analisadas com microscópios eletrônicos e técnicas de raios-X com escala menor que um mícron, ou um milionésimo de metro.

hiroshima - Getty Images/BBC - Getty Images/BBC
No fim de 1945, a bomba e a radiação subsequente já haviam matado pelo menos 140 mil pessoas
Imagem: Getty Images/BBC

Um dos cientistas de Berkeley que analisaram as amostras foi Nobumichi Tamura, que tinha um interesse especial no projeto.

"Minha mãe e meu pai nasceram no Japão", disse Tamura.

"Meu pai tinha 12 anos quando lançaram a bomba. Ele morava a cerca de 300 km ao norte de Hiroshima e testemunhou os resultados deste terrível acontecimento."

A composição das partículas corresponde aos materiais que eram comuns nas construções de Hiroshima na época da bomba, incluindo cimento, mármore, aço inoxidável e borracha.

As análises determinaram que as partículas foram formadas sob condições extremas, a temperaturas superiores a 1,8 mil graus Celsius.

E sua microestrutura única também indica como se formaram.

De acordo com Tamura, "a hipótese da explosão atômica é a única explicação lógica possível para sua origem".

Wannier explica o processo nos seguintes termos: "O material do solo volatiza e se move em direção à nuvem atômica, onde altas temperaturas alteram suas condições físicas".

"Existem muitas interações entre as partículas, há muitas pequenas esferas em colisão, que produzem essas aglomerações."

Wenk enviou cópias das análises das partículas para Jun Ichi Ando, professor da Universidade de Hiroshima, que vem estudando o granito do famoso Memorial da Paz de Hiroshima, a única estrutura que permaneceu de pé na região do epicentro do impacto.

Os cientistas esperam ainda analisar as amostras de areia das praias próximas a Nagasaki no futuro, onde a segunda bomba caiu em 9 de agosto de 1945, matando cerca de 80 mil pessoas.

"Há mais de 70 anos esse material estava ali e nunca foi estudado em detalhes", afirma Wannier.

"Esperamos que este estudo chame a atenção da comunidade científica e que outros pesquisadores aproveitem essa oportunidade."