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'Não nos preocupa, os argentinos protestam toda semana', diz deputada do partido de Macri sobre atos contra Bolsonaro em Buenos Aires

Mauricio Macri, presidente da Argentina - Nicolás Celaya/Xinhua
Mauricio Macri, presidente da Argentina Imagem: Nicolás Celaya/Xinhua

Camilla Veras Mota

Da BBC News Brasil, em Buenos Aires

06/06/2019 07h11

À semelhança do que aconteceu no Chile, grupos marcaram protestos em Buenos Aires contra visita, nesta quinta, de Bolsonaro; Mercosul e tarifas de trigo são assuntos que podem ser 'espinhosos' em encontro com Mauricio Macri.

A presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara de Deputados da Argentina, Cornelia Schmidt-Liermann, diz não estar preocupada com os protestos marcados para esta quinta-feira em Buenos Aires em oposição à visita do presidente Jair Bolsonaro.

"Veja, nós temos protestos aqui toda semana", disse, referindo-se ao hábito antigo dos portenhos de marchar pelo centro da capital para reivindicar suas demandas e expor seus descontentamentos.

Bolsonaro chegará à Buenos Aires nesta quinta e, segundo a agenda divulgada pelo Itamaraty, se reunirá a partir das 11h05 com o presidente Mauricio Macri na Casa Rosada, a sede da presidência. Ele retomará os compromissos no Brasil na sexta-feira.

À semelhança do que aconteceu durante a visita presidencial ao Chile em março, na Argentina foram convocados atos públicos contra Bolsonaro. Até a noite de quarta-feira, a página do evento "Argentina rechaza Bolsonaro" tinha 1,8 mil confirmações de comparecimento e 6,4 mil interessados. "Nos enche de vergonha e indignação o ódio que Bolsonaro manifesta quando fala sobre mulheres, negros e homossexuais", diz um trecho da descrição, que também afirma que Mauricio Macri "é um dos poucos chefes de Estado que se deixariam fotografar" ao lado do líder brasileiro.

"Se não tivesse nenhum protesto e fosse só amor e paz, pra nós seria melhor, claro. Mas se há protestos, há protestos. Estamos acostumados. E creio que Bolsonaro também", declarou a parlamentar à BBC News Brasil em entrevista na quarta-feira no anexo do Palácio do Congresso.

A deputada pertence ao mesmo partido de Macri, o Proposta Republicana (PRO), e esteve reunida com Eduardo Bolsonaro - a quem se refere como "Bolsonaro Júnior", que é, na verdade, o nome do filho mais novo do presidente, Jair Renan - quando este visitou a Argentina em meados de maio.

O deputado federal desempenha função semelhante à de Schmidt-Liermann desde maio de 2019, quando foi eleito presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Segundo ela, Eduardo também estará presente na comitiva presidencial que desembarca nesta quinta em Buenos Aires.

'Mercosul é prioridade para nós'

A deputada é uma das parlamentares envolvidas nas negociações sobre o Mercosul, que, acredita, será um dos grandes temas da visita de Bolsonaro ao país, marcada para esta quinta-feira (6/5).

Um dos principais focos dos argentinos é finalmente concluir a negociação de um acordo entre o bloco e a União Europeia, que se arrasta há 20 anos, avançar nas tratativas do bloco com o Canadá, que começaram em dezembro do ano passado, e discutir formas pelas quais Brasil e Argentina possam trabalhar em cooperação para tornar a região um ator mais expressivo no fluxo de comércio global.

Questionada sobre a declaração dada em outubro do ano passado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o Mercosul não seria prioridade na gestão Bolsonaro, ela afirmou que para a Argentina o bloco segue sendo prioridade e que, por sua experiência com o atual governo, muita coisa "se destravou".

'Poderiam ter conversado conosco antes'

Perguntada sobre a relação da Argentina com o Brasil e o fato de o presidente ter escolhido viajar ao Chile, aos Estados Unidos e a Israel antes de visitar Macri, a parlamentar afirmou ver com naturalidade esta que seria uma "decisão do presidente".

Também disse não estar preocupada com o compromisso que Bolsonaro fez nos Estados Unidos para baixar as tarifas de importação do trigo. Hoje, a Argentina é o principal fornecedor do cereal para o Brasil, que entra no país sem tarifa de importação, conforme as regras do Mercosul. Para países fora do bloco, a taxa é de 10% - percentual que, pela nova regra, seria zerado até o limite de 750 mil toneladas anuais.

A deputada declarou que, "pessoalmente", ainda não havia feito avaliação se a medida poderia ter impacto negativo sobre os produtores locais e ressaltou que o trigo argentino é demandado em várias partes do mundo. "O ideal seria, obviamente, se possível, conversar antes conosco (de anunciar a decisão durante a visita aos EUA)", admitiu.

Sobre a política externa brasileira, a argentina pontuou que não seria seu papel opinar sobre as políticas de outros governos.

E preferiu falar sobre o governo da antecessora de Macri, a atual senadora Cristina Kircher.

"Onde houve um grande posicionamento ideológico (da política externa) foi no Foro de São Paulo (organização criada nos anos 1990 e que reunia partidos de esquerda da América Latina e liderada pelo PT), que marcou uma linha puramente ideológica que vigorou em grande parte dessa região. Isso é o que estamos tratando reverter, buscando os consensos."

As opiniões de Bolsonaro sobre as eleições argentinas

Em relações às opiniões que vêm sendo dadas por Bolsonaro sobre as eleições argentinas, a parlamentar reconheceu que não são comuns na relação bilateral, mas classificou-as como "normais".

"Nosso presidente também poderia opinar sobre alguma outra eleição. Cada presidente... o que nós privilegiamos é a liberdade de expressão."

No último mês, o presidente afirmou em pelo menos três ocasiões que uma eventual vitória do kirchnerismo no pleito marcado para outubro poderia transformar a Argentina em uma "nova Venezuela". A frase foi repetida também durante encontro com o ex-presidente americano George W. Bush no Texas.

Candidato à reeleição, Macri tem como principal rival a ex-presidente Cristina Kirchner, que governo o país entre 2007 e 2015 e que há poucas semanas confirmou sua candidatura como vice de Alberto Fernández, um peronista moderado visto como capaz de atrair os votos de centro que podem definir a eleição.

Nas últimas pesquisas de intenção de voto tanto Macri quanto Cristina aparecem com cerca de 30% da preferência do eleitorado. Ambos enfrentam, entretanto, forte rejeição.

Sergio Moro no Netflix

Nesse sentido, a deputada descarta a possibilidade de que a visita de Bolsonaro possa custar votos ao presidente em meio ao cenário de polarização. Questionada sobre a personalidade do líder brasileiro e sobre os comentários que fizeram dele uma figura polêmica entre os argentinos, ela foi sucinta:

"Eu o respeito como presidente de nosso país-irmão e como sócio mais importante da região, fundamental para o desenvolvimento das políticas conjuntas. É isso."

A deputada evitou falar sobre a popularidade do presidente entre os argentinos, mas comentou, ao falar sobre Lava Jato, a respeito da boa reputação da qual o ministro da Justiça, Sergio Moro, goza entre os vizinhos.

"Ele é personagem daquela série do Netflix, O Mecanismo, que muita gente aqui assiste", diz ela. A série sobre a operação da Polícia Federal, dirigida por José Padilha, estreou a segunda temporada no dia 10 de maio - também na Argentina.