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Como a economia do Peru se beneficia com a imigração vinda da Venezuela

Os venezuelanos Jéssica e Brayan entraram no Peru como turistas e hoje são empresários - Arquivo pessoal
Os venezuelanos Jéssica e Brayan entraram no Peru como turistas e hoje são empresários Imagem: Arquivo pessoal

Ángel Bermúdez (@angelbermudez) - BBC News Mundo

09/06/2019 10h56

Economia peruana aqueceu com a chegada de milhares de venezuelanos; a maioria dos imigrantes, contudo, está no mercado informal ou trabalhando como garçons, seguranças, pedreiros e motoristas.

iA história de Jessica Cochrane e o marido Brayan Ching combina risco e êxito empresarial.

Eles saíram da Venezuela com destino ao Peru em setembro de 2017. Entraram como turistas, mas tinham planos de pedir refúgio para começar uma nova vida em solo peruano.

Deixaram para trás a família, amigos e uma pequena empresa de importação de aparelhos eletrônicos da China, além de cursos universitários pela metade.

Jessica estudava Comércio Exterior e Brayan, Engenharia de Sistemas.

"Não tínhamos absolutamente ninguém aqui no Peru. Foi 100% arriscado", conta Jessica à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC News.

Trouxeram com eles um pouco de dinheiro com o qual queriam investir num negócio. Foi esse recurso que lhes permitiu solicitar uma permissão temporária de permanência, em vez de um pedido de refúgio.

Para aumentar o capital e abrir o negócio próprio, nos dois primeiros meses no país, ele começou a dirigir por meio do aplicativo Uber e ela trabalhava como assistente de loja.

Pouco depois, alugaram um lugar no bairro de Barranco, em Lima, e abriram um restaurante, o El Budare Restobar. Atualmente, eles têm 49 mesas, 32 empregados e 72 pratos no cardápio de comida venezuelana e algumas infusões inspiradas na culinária peruana.

"Nosso restaurante é a casa do venezuelano em Lima. Faz sucesso. Fica cheio aos domingos e as pessoas fazem fila para entrar", diz Jessica.

Mas o início foi bem difícil. Para economizar, o casal dormiu no segundo andar da loja, que tinha apenas oito mesas, e estava prestes a fechar, porque durante os primeiros cinco meses quase nenhum cliente entrou.

Eles fazem parte de um grupo enorme que transformou, nos últimos anos, o Peru no segundo país preferido por venezuelanos para tentar uma nova vida - a Colômbia é o primeiro destino de venezuelanos.

O Peru recebeu mais de 750 mil venezuelanos, segundo as estimativas oficiais mais recentes.

Essa onda migratória colocou à prova tanto os organismos internacionais, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), quanto os serviços sociais dos países que recebem venezuelanos e precisam absorver uma demanda totalmente nova de serviços.

Impactos positivos

Mas a chegada dos venezuelanos em território peruano também provocou um efeito favorável na economia do país.

O gasto realizado por imigrantes venezuelanos representou um aumento de 0,33 pontos percentuais nos 4 pontos de aumento do Produto Interno Bruto (soma de todas as riquezas produzidas) peruano em 2018, segundo informe do Banco Central do Peru, publicado na semana passada.

Jorge Baca Campodónico, ex-diretor do Banco Central do Peru e ex-diretor executivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, assinala que as estimativa se baseia em números de meados de 2018. Para ele, o aporte venezuelano na economia do Peru é ainda maior.

O especialista destaca que o número de venezuelanos no país cresceu muito ao longo de 2018, saltando de 40 mil em janeiro para cerca de 650 mil em dezembro.

Segundo Campodónico, a maior parte dos imigrantes venezuelanos trabalham no mercado informal e ganham, em média, um salário mínimo ou menos.

"Uma das coisas positivas desse êxodo maciço de venezuelanos é ter permitido que as economias dos países receptores fossem revitalizadas. Todas essas pessoas tiveram que alugar moradia, contratar serviços, pagar impostos sobre o consumo e, no caso daqueles que conseguiram emprego formal, pagar impostos ao tesouro público deste país", diz Óscar Pérez, presidente da ONG União Venezuelana no Peru, para a BBC News Mundo.

O Banco Central peruano também apontou como efeito favorável da imigração venezuelana uma aparente queda da inflação. Em tese, o aumento no número de trabalhadores disponíveis reduz os custos salariais e, possivelmente, os preços.

Em Lima, onde se concentra a maior quantidade de venezuelanos, a inflação foi de 3,9% em 2017 e de 2,5% em 2018, enquanto no resto das regiões do país foi de 4,8% e 3,4%, respectivamente.

Baca Campodónico, no entanto, atribui a queda da inflação à redução dos preços de alimentos, em especial batatas. Segundo ele, se existir, o efeito da imigração venezuelana na inflação seria "marginal".

Impactos negativos e mistos

Um dos aspectos mais polêmicos da onda de imigração venezuelana para o Peru é a possível ameaça aos postos de trabalho ocupados por trabalhadores peruanos.

"O grupo mais sensível à imigração são os com menos de 39 anos e com níveis de educação mais baixos. Esse grupo corresponde a 7% da população de trabalhadores de Lima e Callao (localizada nos arredores da capital peruana). Cerca de 45% desse grupo está no setor de serviços e, coincidentemente, os imigrantes venezuelanos atuam no setor de serviços", diz relatório do Banco Central.

Baca Campodónico, por sua vez, afirma que apenas 30 mil dos mais de 700 mil venezuelanos que chegaram ao Peru estão alocados no mercado formal. A maioria deles trabalha no comércio, ou como garçons e seguranças, o que explica a renda em torno de um salário mínimo.

"O Peru não tem um problema de emprego, mas de subemprego. A imigração venezuelana mostrou que o mercado informal tem uma capacidade de absorção bastante significativa. Em outras palavras, não é que um venezuelano está tirando o lugar de um peruano, mas quem está disposto a trabalhar por menos dinheiro vai encontrar trabalho", afirma o especialista.

Ele explica que, nos setores do comércio e de segurança, a maior parte dos trabalhadores são venezuelanos porque têm uma qualificação maior que a de um trabalhador peruano nesses postos e estão dispostos a ganhar menos.

"Então, obviamente, os contratam porque fazem um trabalho melhor a um custo menor", observa Baca Campodónico.

O especialista indica que um efeito negativo dessa imigração em massa é o "impacto significativo" sobre os serviços públicos.

"Esses venezuelanos também ficam doentes e precisam de uma série de serviços sociais. O sistema de saúde peruano já estava bastante precário e com a chegada de milhares de pessoas, obviamente, se geram novos problemas. O mesmo ocorre com a educação e com outros serviços sociais que já estavam limitados", avalia.

Alonso Segura, professor da PUC do Peru e ex-ministro de Finanças, considera que o êxodo venezuelano tem um impacto misto na economia do país. Num curto prazo, pode até estimular a economia, mas pressiona os salários para baixo, sobretudo nos setores que exige baixa qualificação, e, ao mesmo tempo, permite que os empregadores tenham mais mão de obra disponível.

"Se esses venezuelanos permanecerem no Peru, o efeito dependerá de vários fatores. A economia diz que, geralmente, essas ondas de migração também geram crescimento a longo prazo, mas a magnitude desse impacto dependerá de podermos dar pleno emprego a eles", diz o professor.

"É um problema também para os peruanos. Se tem um engenheiro e não pode empregá-lo como tal, o impacto na produtividade é bastante menor", observa Segura.

Sob essa perspectiva, Óscar Pérez assegura que a União Venezuelana no Peru trabalha no chamado Plano de Assimilação Produtiva, uma iniciativa para redistribuir geograficamente os venezuelanos, mandando-os para regiões onde há déficit de trabalhadores qualificados. Na área de saúde, por exemplo, Pérez diz que há um déficit de 18 mil médicos e 10 mil enfermeiros.

"Dizemos que, ao invés de ter médicos e engenheiros trabalhando como garçons, seguranças ou motoristas, é possível direcioná-los a diferentes províncias para exercer suas profissões, o que geraria uma situação em que o Peru e o profissional venezuelano ganhariam", avalia.

Segundo Pérez, a proposta foi apresentada às autoridades peruanas e já avançou. As taxas para revalidação de títulos acadêmicos caíram em 70%.

Isso pode ajudar os profissionais venezuelanos a trabalhar em suas áreas e a deixar de serem vistos como uma ameaça por peruanos que trabalham como, por exemplo, garçons e pedreiros.

Enquanto isso, Jessica Cochrane e o marido Brayan Ching já planejam um segundo empreendimento, para o qual avaliam que vão precisar de empregados.

Uma potencial boa notícia. Tanto para venezuelanos como para peruanos.