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Por que o próprio partido de Bolsonaro pode 'travar' a reforma da Previdência

Bolsonaro com o vice-presidente Hamilton Mourão - Governo de transição
Bolsonaro com o vice-presidente Hamilton Mourão Imagem: Governo de transição

André Shalders - @andreshalders - Da BBC News Brasil em São Paulo

06/07/2019 15h40

Fração do partido do presidente quer abrandar reforma para policiais; movimento irrita outros partidos e pode pôr em risco votação da semana que vem

Na última quinta-feira (4), o comando do Partido Social Liberal (PSL) agiu com rapidez para evitar que uma "rebelião" de parte dos deputados do partido atrapalhasse a votação da reforma da Previdência na Comissão Especial: deputados da sigla na comissão que pretendiam contrariar o governo foram trocados, e o relatório acabou aprovado praticamente do jeito que estava.

Considerada uma vitória do ministro da Economia, Paulo Guedes, a aprovação resultou num recorde histórico da Bolsa de Valores de São Paulo, que fechou naquele dia acima de 103 mil pontos.

A reforma da Previdência é o principal desafio de Jair Bolsonaro (PSL) no começo do mandato.

Aprovar a reforma na Câmara antes do recesso dos congressistas, em 17 de julho, é uma prova de força importante para o governo.

Embora seja uma medida impopular, mudar as regras das aposentadorias é fundamental para ajustar as contas públicas, segundo justifica o governo: a meta atual é economizar cerca de R$ 1 trilhão em dez anos. No governo federal, o rombo das contas da Previdência tem crescido rapidamente. A diferença entre arrecadação e gastos foi de R$ 266 bilhões em 2018, segundo o Ministério da Economia.

É aí que o PSL volta a atacar. Uma parte dos deputados do partido está disposta a trabalhar, no plenário da Câmara, para garantir regras mais brandas aos policiais e outras categorias da segurança pública - às quais vários dos próprios deputados do partido pertencem.

E isto gera mal estar em outras siglas: deputados de legendas de direita e de centro não estão dispostos a bancar sozinhos o desgaste de mexer nas regras de aposentadorias. Na manhã da sexta-feira 5, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o tema é um dos com mais potencial para gerar polêmica durante a votação final do texto, no Plenário da Câmara.

Segundo Maia, a reforma deve começar a ser discutida no Plenário já nesta terça-feira (9). "Amanhã (sábado, 6) me reunirei com líderes e deputados para começarmos os trabalhos de aprovar a reforma da Previdência na semana que vem. O Brasil não pode esperar (...)", escreveu Maia em sua conta no Twitter no dia 5.

A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) diz que o partido está fechado em torno do texto básico da reforma.

"A única coisa que a gente está em dúvida é em relação (às regras para a aposentadoria da) à polícia. E aí tem que avaliar o seguinte: esta é uma plataforma do Jair (Bolsonaro), é uma plataforma nossa (da época da campanha). Se o Jair foi eleito nessa plataforma, então a maioria do povo também vai aceitar numa boa", disse ela à BBC News Brasil.

Zambelli pondera ainda que a atividade dos policiais não é como outras. "Conforme esse policial envelhece, os reflexos dele diminuem, o vigor físico diminui. Quanto mais velho, mais arriscado para ele atuar na rua, diante de uma bandidagem que usa armamento cada vez mais pesado", diz.

Ao longo da semana passada, a bancada do PSL sentiu a pressão de diferentes categorias da segurança pública. Na votação da comissão especial, na quinta-feira, um grupo de policiais passou a gritar em coro "PSL traiu a polícia do Brasil", depois que os representantes da sigla no colegiado votaram contra uma proposta de alteração da bancada do PSD. A emenda do partido de Gilberto Kassab criava uma idade de aposentadoria mais baixa para policiais federais, rodoviários, ferroviários e guardas municipais, entre outras categorias do serviço público.

O próprio Bolsonaro entrou em campo na quarta-feira (3) para tentar garantir um meio-termo para os policiais. Pelo texto atual da reforma, esses profissionais precisarão atingir a idade mínima de 55 anos antes de se aposentarem. O presidente da República atuou pessoalmente para costurar um acordo que permitisse aos policiais encerrar a carreira a partir dos 53 anos (homens) e 52 anos (mulheres), mas o acordo foi rejeitado pela categoria.

Hoje, não há idade mínima para os policiais: a única exigência é de 30 anos de contribuição. Em 2017, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostrou que 96% dos policiais militares se aposentavam ainda antes dos 50 anos.

Como a pendência com os policiais pode prejudicar a reforma?

Primeiro, a criação de regras mais benéficas para os policiais da União (federais, rodoviários, ferroviários, legislativos) pode contribuir para "desidratar" ainda mais a reforma - isto é, diminuir a economia prevista nos recursos públicos.

No projeto inicial do governo, a economia prevista era de cerca de R$ 1,2 trilhão. Agora, depois das modificações introduzidas pelo relator da comissão especial, Samuel Moreira (PSDB-SP), e as alterações feitas durante a votação de quinta-feira, este valor caiu para algo como R$ 990 bilhões em dez anos, segundo cálculos do secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho. As regras mais brandas para policiais podem corroer ainda mais esse valor.

"Não estou avaliando se é justo ou não (criar regras mais brandas para policiais). Mas ao fazer isso, o governo não vai poder reclamar que não atingiu a tal meta de R$ 1 trilhão. Se o partido do presidente alterar, como é que nós (deputados de outros partidos) vamos ser contra?", diz o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS).

Além disso, há uma outra questão em jogo: se o PSL patrocinar alterações que criem regras mais benéficas para policiais militares e bombeiros, isto pode dificultar ainda mais a inclusão de Estados e municípios no texto. Estes profissionais são pagos pelos governos estaduais - se tiverem regras mais brandas, os incentivos dos governadores para entrar na reforma ficam menores.

O deputado Efraim Filho (DEM-PB) explica que a inclusão de estados e municípios na reforma será votada separadamente de destaques sobre policiais - em ambos os casos, o resultado está hoje indefinido, diz ele. A proposta de incluir Estados e municípios terá votos até mesmo entre partidos de oposição, principalmente no Nordeste - os governadores de alguns Estados da região estão trabalhando abertamente pela reforma, inclusive o piauiense Wellington Dias (PT).

Líder do governo na Câmara, o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO) diz que o partido é fiel - mas admite que é difícil manter grupo coeso o tempo todo.

"O PSL é o partido do presidente e é essencialmente o partido do governo. Se você olhar o Basômetro (a ferramenta online) do Estadão, vai ver que o PSL foi o que mais votou segundo a orientação do governo, em 99% das vezes", diz ele. "Agora, num partido de 54 deputados, é extremamente difícil conseguir a coesão", disse ele à BBC News Brasil.

Victor Hugo diz que o partido vai buscar formas de "resolver" a questão dos policiais no plenário da Câmara.

O deputado opina ainda acreditar que todos os 54 deputados do partido votarão à favor do texto básico da reforma.

"Mas sabemos que pode ter dissidências na hora de votar os destaques, por causa das categorias que cada um dos deputados representa", reconhece.

Uma bancada de majores, cabos e delegados

Nada menos que 12 deputados do PSL usam algum tipo de patente ou título. São quatro delegados, três coronéis, dois generais, dois majores e um cabo.

E a maioria absoluta é de novatos na política: dos 54 integrantes da bancada, 50 são deputados de primeiro mandato. Entre as poucas exceções estão o presidente do partido, Luciano Bivar (PE); o líder da bancada, Delegado Waldir (GO) e Eduardo Bolsonaro (SP), filho do presidente da República. Antes das eleições de 2018, o PSL era um considerado um partido nanico: nunca teve mais de oito integrantes. Na disputa de 2014, elegeu um único deputado federal.

"Quem poderia imaginar que o partido que inexistia até fevereiro de 2018 e que foi inflado por uma miríade de pessoas que colaram sua imagem a um sobrenome, teria um comportamento tão caótico e descontrolado no Congresso? Da série 'Quem poderia imaginar, não é mesmo?', escreveu o analista João Villaverde em sua conta no Twitter, na terça (2).

A bancada do PSL também se distingue das demais por outras características. Por exemplo: são raros os pesselistas do Norte e do Nordeste - menos de dez. A maioria é do Sul e do Sudeste.

Segundo dados compilados pelo jornal O Estado de S. Paulo em 2018, logo depois do resultado das urnas, a bancada do PSL é também mais jovem e com patrimônio menor que a média do congresso.

Carla Zambelli diz que a "desorganização" da bancada do PSL é só aparente.

"A gente tem reuniões semanais, com todos os deputados, duas vezes. Na terça, às dez da manhã, tem a reunião da bancada com o líder do PSL (Delegado Waldir). E aí, depois do Colégio de Líderes, temos uma outra reunião com o líder do governo (Vitor Hugo) para falar sobre o que vai ser votado na semana e como nós vamos votar", diz ela.

"E tem também um grupo (de WhatsApp) no qual a gente se comunica", diz.

"O Vitor Hugo deixa a gente ciente de onde há pautas negativas para o governo, para a gente intervir. Transformar uma convocação de um ministro (numa comissão) em convite, por exemplo", diz Zambelli. "Recentemente, a gente trabalhado mais para evitar essas pautas negativas do que qualquer outra coisa", detalha ela.