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A história do alemão que 'redescobriu' a América e influenciou Bolívar e Darwin

Retrato de Alexandre von Humboldt feito por Friedrich Georg Weitsch em 1806 - Getty Images
Retrato de Alexandre von Humboldt feito por Friedrich Georg Weitsch em 1806 Imagem: Getty Images

Ana Pais

Da BBC News Mundo

15/09/2019 16h52

Costuma-se dizer que Alexander von Humboldt "redescobriu" a América. O explorador alemão é chamado por alguns de o "segundo Cristóvão Colombo", o primeiro europeu a chegar ao continente americano.

O paralelismo entre os dois parte de uma extensa lista de coincidências, disse a historiadora da ciência Laura Dassow Walls à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

Jornais e livros repetiram várias vezes que "Colombo e Humboldt partiram da Espanha para o Novo Mundo, ambos lideraram viagens de descoberta, navegaram com a permissão da coroa espanhola e desembarcaram no mesmo lugar", explica Walls, esclarecendo que este último fato, no entanto, não é verdadeiro.

Mas, de acordo com a docente da Universidade de Notre Dame em Indiana, nos Estados Unidos, e autora do livro sobre Humboldt "The Passage to Cosmos" ('A passagem ao cosmos', em tradução livre), esses dois homens também estão unidos pelas diferenças.

"Em poucas palavras, Colombo, viajando com um exército, descobriu uma riqueza material que levava à servidão; Humboldt, viajando apenas com um único companheiro, o botânico francês Aime Bonpland, descobriu uma riqueza de conhecimentos que levaram à libertação."

Nesse sentido, há quem prefira chamar o alemão com outro rótulo, o de "descobridor científico da América".

A melhor prova de seu profundo legado, 250 anos após seu nascimento, está em seu nome: ele é usado para nomear muitos lugares, formas de relevo, plantas e animais.

Somente na América Latina existe uma corrente que banha as costas do Peru e Chile, um montanha na Venezuela, uma cordilheira no México, uma comuna na Argentina, um rio em Santa Catarina, no Brasil, e uma baía na Colômbia, entre outros.

Ele também deu o nome a uma espécie de pinguins e a uma lula gigante, a uma cratera na Lua e a um asteróide. Até o estado de Nevada, nos Estados Unidos, quase se chamou Humboldt.

A chegada do alemão à América, três séculos depois de Colombo, mudou novamente o destino do continente e o eixo da potência mundial.

A herança milionária

Alexander von Humboldt nasceu em 14 de setembro de 1769 em Berlim, em uma rica e aristocrática família, que era próxima ao rei Frederico, da Prússia.

"Quando sua mãe morreu, ele tinha cerca de 25 anos e herdou uma fortuna", diz Andrea Wulf, autora de uma biografia premiada sobre o naturalista chamada "A Invenção da Natureza" (publicada no Brasil pela editora Crítica).

"Ele gastou quase todo o dinheiro em uma viagem de exploração na América Latina que durou cinco anos", afirma Wulf. "Isso deu a ele uma liberdade sem precedentes, o que acho muito importante quando analisamos como ele empreendeu seus escritos mais tarde".

Mas antes de viajar, ele teve que pedir permissão ao rei Carlos 4º, da Espanha, para ir a territórios que eram então colônias do país.

"Os monarcas esclarecidos queriam fazer ressurgir a economia de suas colônias e modernizar a administração", escreveu Leila Gomez, diretora do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, em um ensaio publicado neste ano.

Portanto, acrescentou, a coroa decidiu nomear Humboldt como "inspetor de minas do Novo Mundo", permitindo uma exceção quase sem precedentes de deixar um estrangeiro entrar nas colônias espanholas.

Para Gomez, essa relutância da coroa em admitir estrangeiros explica por que "o conhecimento de grande parte dos recursos naturais do continente americano permaneceu um mistério fora da Espanha por muito tempo".

Mas Walls cita um segundo motivo em seu livro: para a Europa, a própria existência da América, com sua rica natureza e cultura, era um desafio aos seus valores, crenças e tradições.

O 'anticonquistador'

Nas palavras de Walls, o trabalho de Humboldt na América foi uma espécie de "anticonquista".

Apesar de seu título de inspetor de minas, ele não levou ouro ou prata para casa, mas notas científicas e medidas astronômicas. Ele também retirou mais de 6.000 amostras geológicas, botânicas e de fósseis, além de ter feito inúmeras ilustrações.

"Entre suas façanhas e descobertas mais notáveis estão a escalada do Chimborazo, a então montanha mais alta do mundo —como se acreditava na época no Ocidente -, descobrindo a comunicação entre o rio Orinoco e a Amazônia. Inventou também as linhas isotérmicas e isóbaras", escreveu Gomez.

Por três décadas, Humboldt se dedicou a narrar sua viagem "em 32 volumes que incluíam botânica, zoologia, geologia, astronomia, meteorologia, relações públicas, economia e geografia dos países americanos visitados por ele".

Seu trabalho foi tão influente que o naturalista britânico Charles Darwin afirmou que, se ele não tivesse lido Humboldt, nunca teria escrito "Viagem do Beagle", livro sobre uma expedição que depois seria uma das principais influências para "A Origem das Espécies".

No entanto, para Gomez, o principal mérito do alemão "reside em ter feito sua viagem em um dos momentos mais especiais da história do Ocidente, no prelúdio da independência da América Latina".

Diplomacia e ciência

Segundo Walls, Humboldt era, em certo sentido, um diplomata: "Ele via o conhecimento como uma forma de diplomacia, e não como uma forma de poder ou controle".

"Ele era um admirador profundo de (George) Washington, (Thomas) Jefferson e (James) Madison", considerados os pais fundadores dos Estados Unidos.

Durante sua viagem à América Latina, mas especialmente à Venezuela, "Humboldt conversou sobre o movimento pela independência e ajudou a espalhar os ideais americanos de liberdade e igualdade", diz Walls.

Humboldt até se encontrou várias vezes com Simón Bolívar, principal líder da libertação da América Latina dos colonizadores, que reconheceu a influência do naturalista. De fato, Bolívar o chamou diretamente de "o descobridor do Novo Mundo".

"Enquanto Colombo foi a causa de nações inteiras serem reduzidas à servidão, Humboldt abriu o caminho para as revoluções que deram independência às nações da América do Sul", afirma Walls.

Humboldt, que afirmava ser "meio americano", diz a professora, "amava a América do Sul e nela se sentia em casa". Ele considerava a região "a mais bonita do mundo por causa de sua enorme diversidade natural e cultural".

Ele acreditava que, ao abrir os olhos da Europa sobre essa riqueza, "ele encontraria soluções para a guerra, a opressão e a abolição da escravidão".

Sua constante militância contra o imperialismo e a escravidão empreendida pelos europeus encontraria inimigos na corte de Berlim, na coroa espanhola e no governo de Napoleão Bonaparte, na França.

Pai da ecologia

Segundo Mary Louise Pratt, pesquisadora aposentada da Universidade de Nova York, a "audácia discursiva" de Humboldt procurou não apenas reinventar o imaginário europeu sobre a América, mas "o próprio planeta".

É por isso que Wulf, em seu livro, o chama de "o inventor da natureza": ele criou a noção de que a Terra é um organismo vivo, um tecido onde tudo está interconectado "do menor inseto à mais alta árvore".

"Isso mostra como a natureza é vulnerável, porque se for puxada por um fio, toda a tapeçaria pode ser desfeita", diz ela.

Naquela época, Humboldt já havia visto que essa natureza, vista como "uma rede de vida", estava ameaçada pelas ações humanas, fazendo dele o "pai esquecido da ecologia", afirma Wulf.

Ele foi o primeiro a alertar sobre as ligações entre o desmatamento e as mudanças que causam catástrofes no meio ambiente, tornando-se um precursor dos estudos sobre mudanças climáticas.

Para Walls, "em um momento atormentado pela ansiedade da conquista e destruição imperiais, Humboldt era um Colombo do Iluminismo, uma figura de redenção e esperança".