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Os erros econômicos e políticos que afundaram "plano para 20 anos" de Macri

Mauricio Macri, presidente da Argentina - Nicolás Celaya/Xinhua
Mauricio Macri, presidente da Argentina
Imagem: Nicolás Celaya/Xinhua

Daniel Pardo

Da BBC News Mundo

28/10/2019 16h15

"Começamos a percorrer os 20 melhores anos da história do país."

A frase foi dita pelo presidente argentino Mauricio Macri em 12 de agosto de 2017, quando a sua coalizão, Cambiemos [Mudemos], teve vitória contundente nas eleições legislativas de meio de mandato, que pareciam prenunciar uma era inédita de governos antiperonistas no país.

Naquela época, era dada como certa a reeleição de Macri em 2019. Já se falava também de um potencial sucessor, Horacio Rodríguez Larreta, prefeito de Buenos Aires. Dizia-se que em seguida viria María Eugenia Vidal, governadora da Província [Estado] de Buenos Aires.

Não foi o que aconteceu. No domingo (27/10), Macri e Vidal perderam a reeleição. Só Larreta conseguiu uma vitória.

Entre os motivos, estavam as desvalorizações do peso, saltos inflacionários e aumento da pobreza, características de outros governos que se repetiram na gestão Macri.

Nesse cenário, em apenas dois anos, um projeto que prometia ser de duas décadas se dissipou até à derrota, em primeiro turno, para Alberto Fernández, um candidato peronista apoiado pela ex-presidente Cristina Kirchner, agora vice-presidente eleita.

O que aconteceu? A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, aponta o que deu errado no governo Macri.

1. Não cumpriu sua principal promessa

Macri foi eleito com uma promessa central: resolver os persistentes problemas econômicos da Argentina.

"Macri não propôs construir uma sociedade mais igualitária, ou ter uma política de direitos humanos, mas sim colocar as contas em ordem, baixar a pobreza e reduzir a inflação, e não cumpriu nenhuma dessas três coisas", diz José Natanson, cientista político e autor de um ensaio sobre a ascensão de Macri e da chamada "nova direita" argentina.

Quando Macri venceu a eleição presidencial de 2015, interrompendo 12 anos de governos peronistas, a inflação e o déficit fiscal eram altos e havia um complexo sistema de controle cambial que provocava isolamento do mercado internacional e favorecia o mercado paralelo.

"Recebemos uma mochila com dinamite", resume o deputado Eduardo Amadeo, do Cambiemos.

Diante disso, o governo optou pelo chamado "gradualismo": um ajuste a conta-gotas que iria reduzindo o gasto público sem atingir as populações mais vulneráveis que dependem dele.

"Um ajuste (rígido) para equalizar um déficit de 7% teria significado quase uma guerra civil", acrescenta Amadeo. "E tudo correu bem até que tivemos uma terrível estação seca, que nos deixou com uma capacidade minguada de pagar nossas dívidas, e a economia mundial se desordenou notavelmente."

Os críticos, porém, afirmam que o problema não foi o gradualismo do ajuste, mas sim de um mau diagnóstico do contexto internacional e um manejo ruim de uma conjuntura que muitos já esperavam.

Quando a receita do governo fracassou, diz Natanson, "não souberam o que fazer".

"Foram ao Fundo Monetário Internacional (FMI) quando já haviam se endividado ao máximo, começaram com um plano de ajuste feroz que tampouco funcionou e, agora ao final, tomaram medidas kirchneristas embaraçosas para poder concluir o mandato."

Macri deixa o poder com a economia em recessão e a inflação, a pobreza e a dívida em níveis mais altos que há quatro anos.

2. Mau diagnóstico da realidade política argentina

Além de erros econômicos, alguns apontam também erros políticos.

A Cambiemos, coalizão antiperonista de correntes muito diversas, ganhou as eleições em 2015 por uma margem pequena, e nem depois de sua vitória nas legislativas de 2017 conseguiu ser maioria no Congresso.

"O sustento político do governo sempre foi muito frágil, porque era baseado unicamente no macrismo, e os demais membros da coalizão foram ignorados, sobretudo o radicalismo (União Cívica Radical), limitando a possibilidade de agregar setores moderados e republicanos do peronismo", opina Sergio Berensztein, cientista político e consultor.

"Não construíram uma base que fosse proporcional a suas ambições de projeto reformista", agrega.

Mas o deputado Amadeo discorda: "Aprovamos 250 leis e quatro orçamentos. Tivemos muita relação com outros setores. Mas é verdade que o diálogo com a oposição foi muito difícil, porque eles tinham uma visão de país muito distante da nossa".

O macrismo defendia que sua ascensão era resultado de uma mudança cultural na Argentina.

"Achavam que a maioria do país rejeitava o populismo e o autoritarismo, que se buscava uma outra forma de fazer política e modernizar o país", diz Berensztein. "Essa construção discursiva confundiu as pessoas e confundiu Macri, porque essa mudança nunca existiu."

Maristella Svampa, socióloga e ensaísta política, acrescenta que "Macri não pensou um país com todos os setores sociais dentro, mas sim o pensou com uma série de exclusões que afetaram muita gente, sobretudo as pequenas e médias indústrias, por exemplo, pelo impacto dos 'tarifaços' (aumento dos preços dos serviços públicos)."

Segundo ela, Macri leu mal seu próprio apoio, que era muito volátil. "Embora tenha um apoio consistente de 30%, a porcentagem que o ajudou a ganhar em 2015 era volátil, era uma classe média que acabou prejudicada por suas políticas."

3. Mau diagnóstico do contexto internacional

Outra das grandes promessas de Macri foi "voltar ao mundo".

Filho de um empresário milionário e amigo de presidentes e poderosos, o engenheiro Macri havia sido bem-sucedido em internacionalizar as marcas do clube de futebol Boca Juniors (do qual foi presidente) e da própria cidade de Buenos Aires (da qual foi prefeito).

Duas de suas primeiras decisões na Presidência argentina foram suspender o controle cambial e pagar a dívida com os fundos de investimento que restringiam o acesso do país aos mercados internacionais por conflitos com o governo da antecessora Cristina Kirchner.

Mas foi difícil "voltar ao mundo" em uma era de protecionismo econômico, altas taxas de juros em grandes mercados e guerra comercial entre superpotências, apontam especialistas.

"Macri acreditou que, ao abrir a economia e desregularizar os capitais, os investimentos viriam e com isso a economia cresceria. Mas o mundo não estava nesse espírito, e as commodities (principal tipo de exportação da Argentina) não estavam caras", disse Natanson.

Svampa acrescenta que Macri fez uma leitura muito linear. "Ele pensou que seu perfil empresarial e neoliberal lhe garantiria um lugar no mundo e em todos os investimentos estrangeiros."

"Voltar ao mundo era a única alternativa" para não ter que fazer ajustes mais duros ou emitir dinheiro, responde a isso o deputado Amadeo.

"E, além disso, havia outras vantagens, porque se abririam mercados que estavam fechados; começamos a exportar mais, gerando uma plataforma de crescimento para o futuro do país".