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Diante de possível soltura de Lula, atuação do PT se divide entre enfrentamento e conciliação

Simpatizante de Lula em São Paulo, em foto de 13 de outubro; PT agora "será forçado a voltar à mesa e fazer política", diz ex-ministro - Reuters
Simpatizante de Lula em São Paulo, em foto de 13 de outubro; PT agora 'será forçado a voltar à mesa e fazer política', diz ex-ministro Imagem: Reuters

Mariana Sanches - @mariana_sanches

Da BBC News Brasil em Washington

07/11/2019 07h55

Ao longo dos últimos 18 meses, o PT, partido que governou o país por 14 anos, adotou pauta única e exclusiva: "Lula Livre". A mensagem foi espalhada com relativo sucesso nas Américas e obteve endosso em figuras tão diversas quanto o presidente recém-eleito na Argentina, Alberto Fernández, e o pré-candidato democrata americano Bernie Sanders.

Nesta semana, no entanto, a sigla pode estar mais perto do que jamais esteve da libertação do ex-presidente. E na iminência de ter de definir o que fará quando o ex-presidente deixar a carceragem da Polícia Federal em Curitiba (PR).

"Desde que o Lula foi preso, o PT saiu do debate nacional. Não apresentou nenhum projeto próprio em relação às reformas, não se comportou como um partido que ganhou quatro eleições, que conhece o país e seus problemas. A agenda se resumiu a ficar na trincheira, fazendo o enfrentamento da prisão de Lula e nada mais. Agora será forçado a voltar à mesa e fazer política", critica um quadro do partido e ex-ministro da gestão Dilma Rousseff.

Solto, sim; livre, não

Preso pelo caso do tríplex no âmbito da Operação Lava Jato, Lula já recebeu sentença condenatória no Superior Tribunal de Justiça e começou a cumprir pena após a decisão em segunda instância.

No entanto, nesta quinta-feira, (7/11), o Supremo Tribunal Federal retomará a discussão que pode mudar o entendimento anterior da corte e determinar que o cumprimento de pena só possa ser iniciado após o fim da possibilidade de apelação do réu.

Lula é potencial beneficiário do resultado do julgamento desta quinta, ao lado de cerca de 5 mil presos, que também iniciaram cumprimento da sentença após julgamento em segunda instância. Se o entendimento dos ministros mudar, o ex-presidente será solto até que o próprio STF avalie se ele deve ou não ser condenado no processo em que é acusado de ter recebido um apartamento tríplex em troca de benesses à construtora OAS, como decidido pelas três instâncias anteriores.

Vários petistas ouvidos pela reportagem, no entanto, qualificam o julgamento desta quinta como uma "armadilha", já que liberaria o ex-presidente da prisão, arrefecendo a pressão política sobre as instituições, mas não restituiria seus direitos políticos nem daria a ele o atestado de inocência que, reiteradas vezes, ele afirmou desejar.

"Na prática, se soltarem, soltam o Lula com uma faca no pescoço. Quando acharem conveniente, prendem de novo e garantem que ele não pode ser candidato", opina um dirigente paulista da sigla.

Por não trazer os dividendos políticos desejados por Lula, o julgamento tem mobilizado baixas expectativas dos próprios correligionários.

Lula preso

Existe ainda, entre os petistas, a percepção de que o ministro Dias Toffoli, presidente da Corte, deve tentar uma modulação na decisão do STF: em vez de exigir que o cumprimento da pena se inicie apenas após trânsito em julgado, ele deve propor aos colegas que aceitem que o julgamento no STJ, a terceira instância, já seja suficiente para determinar início do cumprimento de pena. Se essa tese prevalecer, Lula sequer chegaria a ser solto, já que o STJ já o condenou no caso Tríplex.

"O julgamento que interessa ao presidente Lula é o habeas corpus de suspeição contra Sergio Moro, que pode anular essa sentença. O Supremo deve fazer esse julgamento ainda em novembro. A prisão de Lula é política e sabemos que demanda uma solução também política", afirmou à BBC News Brasil a presidente da legenda, deputada Gleisi Hoffmann.

Gleisi se refere a uma petição da defesa do ex-presidente que argumenta que o então juiz federal Sergio Moro, hoje ministro da Justiça no governo Bolsonaro, não tinha isenção ou neutralidade para julgar o petista.

Embora seja anterior à divulgação das mensagens trocadas por Moro e os procuradores do caso pelo site The Intercept, o habeas corpus incluiu essas novas informações e a defesa do petista acredita que a mudança de clima sobre a Lava Jato promovida pelas diversas reportagens sobre o material hackeado pode levar os ministros a anular o trabalho de Moro.

Não seria inédito. No mês passado, os juízes anularam sentenças da Lava Jato depois de concluírem que Moro não deu a palavra final à defesa do réu ao ouvir junto aos acusados as considerações de delatores.

Se aceitar os argumentos da defesa de Lula agora, o STF anularia a sentença, o processo retornaria para a primeira instância e Lula voltaria à condição de ficha limpa, tendo inclusive direito a se candidatar, se desejar.

Lula com foco em 2020

Se o caminho para sair da prisão parece acidentado, não há muitas dúvidas sobre o que Lula fará se sair da cadeia. Bem de saúde e, de acordo com aliados que o visitam com frequência, mais disposto do que nunca a fazer política, ele deve percorrer o país em viagens em formato semelhante às caravanas da cidadania que ele vinha fazendo antes de ser preso.

"Lula sabe que precisa reencontrar seu eleitor, mostrar que está de volta, para impedir o crescimento do próprio (presidente Jair) Bolsonaro em faixas da população que Lula, muito mais do que o PT, conquistou", afirma o cientista político Alberto Carlos de Almeida.

Para Almeida, Lula tem um objetivo muito claro que o empurrará para uma atividade política intensa: o sucesso eleitoral do PT nas eleições municipais de 2020. O pleito de 2016 foi provavelmente o pior para o partido desde que os petistas chegaram ao Palácio do Planalto. O PT sofreu derrota acachapante, perdeu metade das prefeituras que governava. Pior, foi praticamente varrido de seu principal reduto eleitoral, a região metropolitana de São Paulo. Dos 39 municípios da área, o PT tinha 9 prefeitos em 2012. Em 2016, reelegeu apenas um mandatário.

Em 2020, Lula e Bolsonaro podem se enfrentar diretamente como cabos eleitorais. É a primeira disputa em que valerá a proibição de coligação para cargo proporcional. Logo, os partidos vão depender muito de voto de legenda e de candidatos majoritários capazes de atrair atenção para os candidatos a vereadores de suas siglas.

O PT pretende lançar o maior número possível de candidatos próprios às mais de 5 mil prefeituras do país. Seleciona com cuidado quem pode ser mais competitivo nas disputas. Estaria aí a chave para entender um comentário feito por Lula sobre a ex-prefeita Marta Suplicy, que deixou o partido em 2015 e votou a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

"Se a Marta quiser, deve voltar (ao PT), ela tem relação com todo mundo e ainda continua sendo a prefeita mais bem avaliada de São Paulo", disse Lula, em entrevista ao UOL.

"Ele quer entrar na eleição do ano que vem com força total, é pragmático. Essa coisa de ficar denunciando o golpe se faz no discurso, mas a linha de ação política de Lula é outra", opina Almeida.

Frente ampla ou política de confronto?

A declaração de Lula quanto à Marta causou reações dentro do PT. O partido conhece e já se beneficiou do estilo conciliador de Lula, eleito em 2002 com uma roupagem apelidada de "Lulinha Paz e Amor", com diálogo aberto com banqueiros e empresários, além de políticos da centro-direita.

Parte dos petistas acredita que o momento demanda a construção de uma ampla frente democrática em que, eventualmente, se sente para conversar inclusive com quem, como Marta, ajudou a derrubar Dilma, e outra parte sustenta que é momento de radicalizar o tom à esquerda e adotar ações de "confronto e ruptura", como define Valter Pomar, ex-secretário de relações internacionais do PT.

"Há setores que defendem uma aliança com a centro-direita ultraliberal, em nome de derrotar a extrema-direita liberticida. O problema desta aliança é triplo: por um lado a esquerda teria que reduzir sua oposição ao ultraliberalismo; por outro lado, a esquerda teria que esquecer que foi a centro-direita quem deu o golpe contra a Dilma e endossou a condenação e prisão de Lula, além de ajudar a criar e eleger Bolsonaro; o terceiro problema é que por este caminho não derrotaremos a extrema-direita", argumenta Pomar.

Um ex-ministro petista rebate: "Lula consegue abrir diálogo até com o Centrão. Mas, para isso, o PT tem que mudar de discurso. O Brasil precisa de um líder que pacifique o país, precisa do Lulinha Paz e Amor. Não pode fazer o jogo do sectarismo. Toda vez que a gente vai bater boca na internet, quem ganha é o Bolsonaro".

Não há qualquer consenso no partido sobre o possível escopo de uma frente ampla democrática. A BBC News Brasil ouviu 5 deputados e senadores da legenda e colheu com cada um uma opinião diversa sobre o tema: "uma frente ampla democrática não pode ser só com a esquerda", disse um deputado.

"A frente ampla é necessária, mas tem que ser de enfrentamento, não dá pra fazer política de conciliação com golpistas e neoliberais", diz outro. "Uma coisa é o discurso, denunciar barbaridades, mas coligação temos que fazer com o maior número possível. Não vamos deixar de chamar de 'golpe', mas vamos continuar fazendo aliança com quem apoiou o golpe", diz um senador.

"Queremos uma frente ampla com todos aqueles que se opõe a uma pauta neoliberal do governo e que defendem a democracia", define Gleisi.

A disputa sobre qual caminho seguir deve ser a tônica do Congresso do PT, que acontece em São Paulo, no dia 24 deste mês, e vai definir os rumos da legenda. O humor de Lula ao deixar a carceragem da PF deve ter peso preponderante sobre essa decisão.