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Queda do Muro de Berlim: Como os eventos de 1989 transformaram o mundo

Uma multidão se reuniu diante do Muro de Berlim após os anúncios feitos em uma entrevista coletiva que mudou o mundo - Getty Images
Uma multidão se reuniu diante do Muro de Berlim após os anúncios feitos em uma entrevista coletiva que mudou o mundo Imagem: Getty Images

09/11/2019 15h45

A onda de revoluções que tomou de assalto a Europa Central e Oriental naquele ano não só transformou o continente, como também redefiniu a ordem mundial.

Grandes eventos mundiais costumam se desenrolar em grande velocidade, mas é difícil encontrar um que se compare ao ritmo e poder das mudanças ocorridas em 1989 na Europa, que culminaram em uma das cenas mais famosas da história recente: a queda do Muro de Berlim.

O muro veio abaixo em parte por causa de um acidente burocrático, mas isso se deu em meio a uma onda de revoluções que deixaram o bloco comunista soviético à beira do colapso e ajudaram a definir uma nova ordem mundial.

Em 9 de novembro de 1989, cinco dias depois de meio milhão de pessoas se reunirem em Berlim Oriental em um protesto, o muro que dividia a Alemanha Oriental comunista da Alemanha Ocidental desmoronou.

Os líderes da Alemanha Oriental haviam pouco antes tentado acalmar os crescentes protestos afrouxando as fronteiras, facilitando assim as viagens para os alemães orientais, mas não tinham a intenção de abrir a fronteira.

Anotações sobre as novas regras foram entregues a um porta-voz, Günter Schabowski, que não teve tempo de lê-las antes de anunciá-las em uma coletiva de imprensa. Quando ele leu a nota em voz alta pela primeira vez, os repórteres ficaram surpresos.

"As viagens particulares para fora do país agora podem ser solicitadas sem pré-requisitos", afirmou. Os jornalistas pediram então mais detalhes. Com base em suas anotações, Schabowski disse que, até onde sabia, a medida tinha eficácia imediata.

Na verdade, o plano era que as novas regras começassem a valer no dia seguinte, com a divulgação de como solicitar um visto. Mas a notícia foi parar em todos os canais de televisão, e os alemães orientais foram em massa para a fronteira.

Harald Jäger, um guarda que estava trabalhado ali naquela noite, disse a jornal alemão Der Spiegel em 2009 que ficou confuso ao ver a coletiva. Depois, testemunhou a multidão chegar.

Ele ligou freneticamente a seus superiores, que não deram ordens para abrir o portão ? ou abrir fogo para deter a multidão. Mas, com apenas um punhado de guardas diante de centenas de cidadãos furiosos, a força teria sido de pouca utilidade de qualquer maneira.

"As pessoas poderiam ter ficado feridas ou morrido mesmo sem tiros, em brigas ou se houvesse pânico entre os milhares que estavam reunidos na fronteira", disse Jäger ao Der Spiegel. "Foi por isso que dei à minha equipe a ordem: abram a barreira!"

Milhares passaram por ela, comemorando e chorando, em cenas transmitidas ao redor do mundo. Muitos escalaram o muro e o quebraram com martelos e picaretas. Foi o clímax de um ano turbulento.

Por que o Muro caiu?

Após a Segunda Guerra Mundial, a Europa foi dividida entre a União Soviética e seus ex-aliados ocidentais, e os soviéticos gradualmente ergueram uma "Cortina de Ferro" para separar o Oriente do Ocidente.

A Alemanha derrotada foi dividida em duas por Estados Unidos, Reino Unido, França e União Soviética. A parte oriental foi ocupada pelos soviéticos e, batizada como República Democrática Alemã, tornou-se o ponto de apoio da União Soviética na Europa Ocidental.

Berlim foi dividida em quatro pedaços, com as zonas britânicas, francesas e americanas a oeste e uma zona soviética a leste. Berlim Ocidental tornou-se uma ilha cercada pela Alemanha Oriental comunista.

O muro foi finalmente construído em 1961, porque muitas pessoas estavam deixando Berlim Oriental rumo ao Ocidente.

Na década de 1980, a União Soviética enfrentava sérios problemas econômicos e escassez de alimentos. Quando um reator nuclear em Chernobyl, na Ucrânia, explodiu em abril de 1986, foi um momento simbólico do colapso iminente do bloco comunista.

Mikhail Gorbachev, o relativamente jovem líder soviético que havia assumido o poder em 1985, introduziu uma política de reforma de glasnost (abertura) e perestroika (reestruturação). Mas os desdobramentos ocorreram muito mais rápido do que ele poderia ter previsto.

Onda revolucionária

Os movimentos de reforma já estavam agitando o bloco comunista. Anos de ativismo e greves na Polônia culminaram com a legalização, pelo Partido Comunista, que governava o país, do sindicato Solidariedade, que estava até então banido.

Em fevereiro de 1989, o Solidariedade estava em negociações com o governo e, em eleições parcialmente livres, conquistou vagas no Parlamento. Embora os comunistas mantivessem uma cota de assentos, o Solidariedade conquistou grandes vitórias onde concorreu.

Os húngaros também se manifestaram em massa pela democracia em março daquele ano. Em maio, 240 km de arame farpado foram removidos ao longo da fronteira com a Áustria ? foi a primeira fenda a se abrir na Cortina de Ferro.

Em agosto, a onda revolucionária havia realmente ganho força. Dois milhões de pessoas na Estônia, Letônia e Lituânia, então parte da União Soviética, realizaram uma das manifestações mais memoráveis da chamada Revolução Cantada, quando formou-se uma corrente humana de 600 km nas repúblicas bálticas por independência.

Em agosto, a Hungria abriu suas fronteiras para a Áustria, criando para os refugiados da Alemanha Oriental uma rota de fuga. A cortina de ferro estava cedendo de vez.

A antiga Tchecoslováquia, cujo movimento por reformas liberais havia sido brutalmente reprimido em 1968, forneceu outro meio de fuga. Os alemães orientais podiam viajar para a nação socialista vizinha sem restrições. Começaram a inundar a embaixada da Alemanha Ocidental no país às centenas, sendo eventualmente evacuados para o Ocidente de trem.

A Alemanha Oriental acabou fechando sua fronteira com a Tchecoslováquia em outubro para conter esse fluxo. Mas a revolução havia se espalhado então para a própria Alemanha Oriental.

Rebeldes da Alemanha Oriental

Tudo começou com manifestantes em defesa da liberdade na cidade de Leipzig. Em 9 de outubro, poucos dias após a Alemanha Oriental celebrar seu 40º aniversário, 70 mil pessoas foram às ruas.

Houve pedidos de eleições livres, e falas sobre reforma do novo líder comunista da Alemanha Oriental, Egon Krenz. Ninguém sabia que a queda do Muro ocorreria em poucas semanas.

No final de outubro, o Parlamento na Hungria, país que havia sido palco das primeiras manifestações em massa, adotou uma legislação que previa eleições presidenciais diretas e eleições parlamentares multipartidárias.

Em 31 de outubro, o número de pessoas que exigiam democracia na Alemanha Oriental havia aumentado para meio milhão. Krenz viajou para Moscou para reuniões ? ele disse recentemente à BBC que a reunificação alemã não estava na agenda.

Em 4 de novembro, um mês após o início dos protestos na Alemanha Oriental, cerca de meio milhão de pessoas se reuniram na Alexanderplatz, no coração de Berlim Oriental. Três dias depois, o governo renunciou. Mas não havia intenção de se instaurar uma democracia.

Egon Krenz permaneceu como chefe do Partido Comunista e líder de fato do país, mas não ficaria no posto por muito tempo. Cinco dias depois, Schabowski realizou a coletiva de imprensa que mudou o mundo.

Por que os soviéticos não usaram a força?

No início de 1989, manifestantes na Praça da Paz Celestial, em Pequim, pediram por democracia na China, mas foram esmagados por uma forte repressão militar.

A União Soviética já havia feito o mesmo e usado suas Forças Armadas para reprimir rebeliões antes. Na Geórgia, 21 manifestantes pró-independência foram mortos. Mas, em outros lugares do bloco comunista, não fez isso.

Em uma ruptura com a política do bloco, Gorbachev decidiu não usar a ameaça do poder militar para reprimir manifestações de massa e a revolução política nos países vizinhos.

"Agora, temos a filosofia Frank Sinatra", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores Gennady Gerasimov. "Ele tem uma música que diz: 'Eu (fiz) do meu jeito'. Portanto, todo país decide por si próprio qual caminho seguir."

Um novo capítulo na história da Europa

Em 3 de dezembro, Gorbachev e o então presidente dos Estados Unidos, George Bush, sentaram-se lado a lado em Malta e divulgaram um comunicado dizendo que a Guerra Fria entre as duas potências estava chegando ao fim.

Mas a onda de revoluções de 1989 ainda não havia terminado. Manifestantes estudantis em Praga, na antiga Tchecoslováquia, entraram em choque com a polícia, iniciando a Revolução de Veludo, que derrubou o comunismo em poucas semanas.

Na Romênia, os protestos terminaram em violência e com a queda do ditador comunista Nicolae Ceausescu. Um novo governo assumiu o comando quando o líder deposto fugiu de seu palácio e uma multidão furiosa o invadiu.

Ele e sua mulher Elena foram capturados e executados no dia de Natal. Mais de mil pessoas foram mortas em distúrbios antes e depois da revolução, diferenciando a Romênia dos eventos sem derramamento de sangue em outros lugares.

E quanto à União Soviética? Em 1990, Letônia, Lituânia e Estônia aproveitaram suas recém-conquistadas liberdades políticas para remover seus governos comunistas e avançar em direção à independência. A União Soviética estava desmoronando, mas Gorbachev fez uma última tentativa infeliz de reformá-la, reunindo os líderes das 15 repúblicas do bloco.

Os comunistas linha-dura que se opunham às reformas tentaram impedi-lo ao dar um golpe enquanto ele estava de férias na Crimeia, em agosto de 1991, e colocando-o em prisão domiciliar. O golpe foi derrotado em três dias, quando as forças pró-democracia reuniram-se com Boris Yeltsin, presidente da República Russa.

Mas foi a sentença de morte da União Soviética, e, uma a uma, suas repúblicas declararam independência. No final do ano, a bandeira soviética foi hasteada pela última vez.