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Impeachment de Trump: quem é a embaixadora que se diz ameaçada pelo presidente

Marie Yovanovitch afirma ter sido alvo de uma campanha de difamação promovida por Rudy Giuliani, advogado de Trump, por atrapalhar planos de investigar Joe Biden, rival do presidente - Reuters
Marie Yovanovitch afirma ter sido alvo de uma campanha de difamação promovida por Rudy Giuliani, advogado de Trump, por atrapalhar planos de investigar Joe Biden, rival do presidente Imagem: Reuters

15/11/2019 16h30

Marie Yovanovitch é uma das mais importantes testemunhas dos democratas no inquérito de impeachment contra o presidente, e foi forçada a responder as críticas dele em tempo real perante o Congresso.

Uma diplomata com 33 anos de carreira e até então pouco conhecida nos altos círculos de Washington é uma das principais testemunhas no inquérito de impeachment contra Donald Trump, em meio a acusações de que o presidente a teria removido de seu posto para favorecer investigações contra seu potencial adversário nas eleições do ano que vem.

Marie Yovanovitch, que até maio servia como embaixadora na Ucrânia, começou a testemunhar nesta sexta-feira (15/11) perante o Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes (deputados), em sessão televisionada, e chegou a responder, quase em tempo real, às críticas feitas por Trump contra ela no Twitter.

Yovanovitch diz ter se sentido "intimidada" por Trump. Ela afirma também que foi alvo de uma campanha de difamação baseada em falsas acusações e comandada pelo advogado pessoal de Trump, Rudy Giuliani, que seria o responsável —segundo as acusações que pesam contra o presidente até agora— por pressionar o governo ucraniano a investigar o pré-candidato presidencial democrata Joe Biden e seu filho Hunter, que trabalhou para uma empresa ucraniana. As acusações são negadas por Trump e Giuliani.

"Esses eventos (sobre a campanha de difamação) deveriam preocupar todas as pessoas nesta sala", afirmou Yovanovitch em seu depoimento. "Embaixadores são o símbolo dos EUA no exterior, são o representante pessoal do presidente. Se o seu principal representante é alvejado, isso limita nossa capacidade de salvaguardar os interesses vitais de segurança nacional dos EUA."

"Nossa política para a Ucrânia foi jogada à desordem e interesses obscuros, e o mundo viu como é fácil remover uma embaixadora americana que não lhes dá o que eles querem", prosseguiu.

"Depois disso, qual oficial de política externa, corrupto ou não, pode ser criticado por questionar se o embaixador dos EUA representa as visões do presidente? E qual embaixador poderia ser criticado por temer que não pode contar com o governo para apoiá-lo enquanto implementa políticas externas americanas definidas e protege interesses americanos?"

Yovanovitch contou que quando leu os memorandos do telefonema de 25 de julho entre Trump e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky —telefonema que motivou o pedido de impeachment e no qual Trump descreve a embaixadora como uma "má notícia"—, achou que "soava como uma ameaça". Ela já havia sido removida do cargo na Ucrânia na ocasião e disse que temia alguma retaliação maior por parte do presidente.

'Intimidação de testemunha'

Enquanto Yovanovitch depunha, Trump tuitava a respeito dela. "Todos os lugares onde Marie Yovanovitch foi ficaram mal. Ela começou na Somália, como isso acabou? Avancemos para a Ucrânia, onde o novo presidente ucraniano falou desfavoravelmente sobre ela em meu segundo telefonema com ele. É um direito absoluto de um presidente americano nomear embaixadores", afirmou o presidente.

Pouco depois, no momento mais dramático do processo de impeachment até agora, o tuíte foi lido a Yovanovitch, durante o testemunho, por Adam Schiff, congressista democrata que comanda as sessões do comitê. Questionada por Schiff sobre o que achava do tuíte, Yovanovitch respondeu que parecia "muito intimidatório".

"Não sei o que o presidente está tentando fazer, mas acho que o efeito é ser intimidatório", declarou.

"Bem, quero que você saiba, embaixadora, que alguns de nós aqui (no Congresso) levamos intimidação de testemunhas muito a sério", declarou Schiff.

Mais tarde, o também democrata Eric Swalwell afirmou à imprensa que a mensagem de Trump poderia ser alvo de uma acusação separada, por suposta tentativa de obstrução da Justiça. "É prova de mais obstrução: intimidação, de manipulação de depoimento da testemunha", afirmou.

Jim Jordan, congressista republicano, afirmou que isso é descabido. "A testemunha estava depondo e sequer saberia (do tuíte) se ele não tivesse sido lido por Schiff."

Percepção do público

A sessão desta sexta é a segunda a ser publicamente transmitida. Na quarta-feira, os também diplomatas Bill Taylor e George Kent, ambos ligados à política externa americana com a Ucrânia, afirmaram ter havido um esforço do governo americano para pressionar Kiev por investigações contra Biden, em troca de ajuda militar americana aos ucranianos, algo que a Casa Branca nega.

A expectativa dos democratas é de que o depoimento de Yovanovitch —uma testemunha que desperta mais simpatia e que se diz intimidada pelas ações do presidente— reforce essa percepção perante o público americano, o que ainda não está claro se acontecerá.

Até o inquérito de impeachment, e antes de ser demitida por Trump da Embaixada na Ucrânia (posto para o qual foi nomeada em 2016 por Barack Obama), Yovanovitch era "uma diplomata de carreira anônima que serviu em diversos postos não glamourosos —Quirguistão, Armênia e Ucrânia— tipicamente reservados para servidores civis, porque doadores políticos e amigos do presidente não os cobiçam", afirma o jornal The New York Times.

Segundo o jornal, Yovanovitch foi acusada por um ex-procurador ucraniano de ter bloqueado a concessão de vistos a ele e sua equipe, que pretendiam ir aos EUA para entregar ao FBI informações supostamente prejudiciais a Joe e Hunter Biden. Yovanovitch confirmou que vetou os vistos, mas afirma que fez isso porque o ex-procurador era corrupto.

Episódios como esse teriam estimulado Giuliani, o advogado de Trump, a lançar a "campanha de difamação" contra a então embaixadora. Ela diz que foi acusada de ter falado mal de Trump a colegas, o que nega ter feito.

Em seu depoimento, ela se descreveu como uma "pessoa privada" passando por um "momento difícil". "Em nossa linha de trabalho (diplomacia), tudo o que temos é a nossa reputação, então tem sido muito dolorido", declarou.

"Eu não tinha nenhuma agenda além de perseguir nossos objetivos declarados de política externa. Ainda me custa compreender que interesses estrangeiros e privados foram capazes de minar os interesses americanos dessa forma", disse. "Nosso trabalho (diplomático) é essencialmente apartidário. Tem de ser centrado no que é certo para os EUA."

Democratas x republicanos

Por enquanto, o Congresso americano está dividido em linhas partidárias no que diz respeito ao inquérito de impeachment: a maioria dos democratas defende a saída do presidente, enquanto a maioria dos republicanos critica o processo em curso.

O democrata Adam Schiff afirmou que Yovanovitch foi removida de seu posto de embaixadora porque "era considerada um obstáculo à agenda pessoal e política do presidente. Por causa disso, ela foi difamada e afastada. Os poderes da Presidência são imensos, mas não são absolutos e não podem ser usados para fins corruptos".

Já Devin Nunes, republicano de alto escalão que acompanha as sessões, afirmou que os democratas montaram "uma operação para derrubar um presidente devidamente eleito", com "teorias conspiratórias ridículas de que o presidente Trump seria um agente russo".

"Os democratas prometeram derrubar Trump desde o dia que foi eleito", declarou Nunes. "Então, os americanos têm o direito de suspeitar que esse telefonema com o presidente (ucraniano) Zelensky foi usado como uma desculpa para os democratas satisfazerem suas fantasias de Watergate (em referência ao escândalo que levou à renúncia do republicano Richard Nixon em 1974).