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Por que grupo de Mujica corre risco de perder o poder no Uruguai, após 15 anos

Simpatizante de Lacalle Pou em comício do Uruguai; oposicionista está na frente das pesquisas de opinião - AFP
Simpatizante de Lacalle Pou em comício do Uruguai; oposicionista está na frente das pesquisas de opinião Imagem: AFP

Marcia Carmo - De Buenos Aires para a BBC News Brasil

23/11/2019 18h23

Duas faces do país são colocadas em disputa no pleito deste domingo, entre o governista Daniel Martínez, da Frente Ampla, e o oposicionista Luis Lacalle Pou, que está na frente nas pesquisas de intenções de voto.

Pela primeira vez desde que foi eleita para a Presidência do Uruguai, há 15 anos, a coalizão Frente Ampla, formada pelo ex-presidente José "Pepe" Mujica e pelo atual presidente Tabaré Vázquez, corre o risco de perder o poder no país.

Pesquisas de opinião apontam vantagem para o candidato da oposição Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, em relação ao presidenciável governista Daniel Martínez, da Frente Ampla. Um levantamento da empresa Factum divulgado na quarta-feira (20/11), quatro dias antes do segundo turno da eleição neste domingo, indicou que Lacalle Pou contaria com 51% da intenção de votos e Martínez, com 43%.

A distância entre os dois presidenciáveis apareceu um pouco maior na pesquisa Metrocall Contact Center, publicada pelo jornal uruguaio El País, na quinta-feira (21), com 52% para o opositor e 41% para o candidato da situação. Setores governistas observam que o índice de indecisos, em torno de 4% a 6%, ainda é alto, mas admitem as dificuldades.

"Sem dúvida, essa é a nossa eleição mais difícil para presidente. Existe uma crise (econômica) regional que impacta o Uruguai. Outro fato é o processo de mudança de lideranças da Frente Ampla. Não é fácil, tendo líderes marcantes como Mujica, Tabaré e Astori", disse à BBC News Brasil o deputado federal José Carlos Mahía, da Frente Ampla, eleito, em outubro passado, para seu sexto mandato seguido na Câmara dos Deputados.

Tabaré, de 79 anos, Mujica, de 84 anos, e o ministro da Economia Danilo Astori, de 79 anos, são apontados, dentro e fora da Frente Ampla, como o "triunvirato" e os "pilares" da coalizão que chegou à Presidência em 2004.

A Frente Ampla marcou a chegada da esquerda na Presidência, como fato inédito na história uruguaia. Até 2004, quando Tabaré foi eleito para seu primeiro mandato presidencial, os partidos Nacional (conhecido como "Blanco") e Colorado, que surgiram no século 19, se alternavam na Presidência. Tabaré governou o país até 2010, quando passou a faixa para Mujica que depois, em 2015, a passou de volta para Tabaré.

Fatores de insatisfação

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Daniel Martínez, ao lado do ex-presidente Pepe Mujica; coalizão Frente Ampla governa país há 15 anos
Imagem: Reuters

Segundo analistas e políticos entrevistados pela BBC News Brasil, pelo menos três fatores justificariam a insatisfação do eleitorado uruguaio: a desaceleração da economia (a estimativa do Fundo Monetário Internacional é de que a economia do país cresça só 0,4% neste ano), afetada pelo mau desempenho das economias do Brasil e da Argentina, a preocupação com a segurança pública e o desgaste pelo longo período no poder.

"A economia não vai bem, e já são 15 anos de gestão. É muito tempo. Precisamos dar uma guinada para que o Uruguai volte a crescer e a ampliar seu comércio internacional", disse o ex-chanceler e opositor Sergio Abreu, que apoia Lacalle Pou.

A economia uruguaia registrou crescimento econômico durante os últimos 15 anos seguidos. Mas neste ano registra "estancamento", resultado influenciado pela queda nos preços das commodities que também afeta os outros países da região, explicam especialistas. O aumento na taxa de desemprego, que agora está em torno dos 10%, é outro motivo de insatisfação dos eleitores, de acordo com analistas.

"A economia também afetou o voto, principalmente do interior do país. Neste ano, há redução de investimentos, aumento no desemprego e desaceleração do mercado interno", disse Gerardo Caetano, professor de Ciências Políticas da Universidade da República, de Montevidéu.

"A oposição deverá ganhar forte no interior do país, onde a preocupação com a segurança, influenciada também pela questão econômica, tem muito peso para o eleitorado. Ficou a imagem de que a Frente Ampla não combateu a insegurança", agregou.

Os homicídios aumentaram 45% no Uruguai no ano passado, e cresceram também os roubos com violência (53%) e os sem violência (23%), segundo o Ministério do Interior. Apesar de esses índices pemanecerem em patamares bem inferiores ao restante da América Latina, analistas e moradores ouvidos recentemente pela BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) apontam que os aumentos impactam a qualidade de vida da população e elevam a sensação de insegurança geral.

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"É toda a oposição unida contra a maior força política do país: os partidos tradicionais, Blanco e Colorado, e o Cabildo Aberto, que recebeu 11% no primeiro turno e reuniu a extrema direita que antes estava dispersa", diz analista a respeito das forças aliadas a Lacalle Pou (acima)
Imagem: AFP

Em menor medida, outro tema que pode ter contribuído para influenciar o eleitorado foi a saída do ex-vice-presidente de Tabaré, Raúl Sedic, acusado de usar o cartão corporativo quando era presidente da petrolífera estatal Ancap. Ele foi substituído na vice-Presidência pela esposa do ex-presidente Mujica, a senadora Lucía Topolansky.

'Oposição unida contra a maior força política do país'

A disputa entre Lacalle Pou, de 46 anos, e Martínez, de 62 anos, mostra dois rostos do Uruguai. Ex-deputado e ex-senador, Lacalle Pou, que perdeu para Tabaré na disputa presidencial de 2014, recebeu 28,6% dos votos no primeiro turno desta eleição, em outubro. Martínez, de 62 anos, que foi prefeito de Montevidéu, contou com 39,2% do apoio popular.

O opositor, que é advogado, é definido como "o rosto jovem da direita", e Martínez, engenheiro, é chamado de "gestor" por seus aliados.

"Chega de governantes que não assumem seus erros. Nós vamos encarar os problemas dos uruguaios, como a segurança pública. Somos cinco partidos e vamos cumprir o que estamos prometendo", disse Lacalle Pou, no discurso de encerramento de campanha.

Martínez, por sua vez, disse que a coalizão opositora foi formada "apenas para combater uma coalizão estável" e que em caso de vitória, os opositores buscarão reduzir o gasto público e o tamanho do Estado. "Sabem como isso pode terminar? Como na Argentina, como no Brasil, como o que está acontecendo na nossa sofrida América Latina", disse Martínez.

Para tentar vencer o candidato de Mujica e de Tabaré, Lacalle Pou conta com o respaldo dos partidos de centro-direita e de extrema-direita do país. Entre esses partidos está o novato Cabildo Aberto, de extrema-direita, fundado neste ano e liderado pelo ex-comandante do Exército do governo Tabaré, general da reserva Guido Manini Ríos.

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Imagem: Reuters

"É toda a oposição unida contra a maior força política do país: os partidos tradicionais, Blanco e Colorado, e o Cabildo Aberto, que recebeu 11% no primeiro turno e reuniu a extrema-direita que antes estava dispersa", disse Caetano. Ele observou que, sem o respaldo da extrema-direita, Lacalle Pou não teria chances de vitória.

"Agenda de direitos"

A dúvida entre os que integram a Frente Ampla é se, em caso de derrota, a oposição buscará anular ou modificar as medidas implementadas por Tabaré e por Mujica chamadas de "agenda de direitos": o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a legalização da maconha, a lei trans, as regras que fortaleceram os sindicatos e que multiplicaram, em cerca de quatro vezes, o total de sindicalizados no país, além da lei de saúde, que é um sistema misto entre os setores público e privado, que estabelece o acesso à saúde a todos os uruguaios.

"Estando no governo ou na oposição, nós vamos lutar para que a agenda de direitos seja mantida", disse o parlamentar governista. O general Manini Ríos disse que "não concorda com a ideologia de gênero que tentam impor no nosso país". Mas Lacalle Pou disse, por sua vez, que não derrubaria tais medidas.

Caso Lacalle Pou vença, disse Caetano, a dúvida é saber como o político, que em campanha adotou um discurso de "mais ao centro", administrará a coalizão ao lado da extrema-direita — a qual "claramente" não é simpática à "agenda de direitos".

No primeiro turno da eleição presidencial, a Frente Ampla perdeu a maioria que tinha no Congresso, o que tornaria mais difícil sua pauta no Legislativo. Caetano observou que além dos sindicatos, nestes 15 anos, os movimentos sociais, incluindo os feministas, passaram a ser "muito poderosos" no Uruguai.

Martínez tem defendido que, caso a oposição vença, o Uruguai "pode sofrer um retrocesso" tanto no âmbito econômico como social. Suas afirmações foram elogiadas por seus aliados e criticadas pela oposição, que chamou-as de "discurso do medo".