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Do que a Lava Jato acusa o filho de Lula, Fábio Luís

PF cumpriu 47 mandados de busca e apreensão em endereços relacionados ao filho do ex-presidente - Reuters
PF cumpriu 47 mandados de busca e apreensão em endereços relacionados ao filho do ex-presidente Imagem: Reuters

André Shalders - @andreshalders - Da BBC News Brasil em Brasília

10/12/2019 18h31

Lava Jato realiza 47 mandados de busca e apreensão em operação que mira Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente. Oi teria feito pagamentos a empresas de Fábio para obter benefícios do governo.

A Polícia Federal saiu às ruas na manhã desta terça-feira (10/12) para cumprir 47 mandados de busca e apreensão em endereços relacionados a Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Também são alvos da operação os irmãos Fernando e Kalil Bittar, além de Jonas Suassuna.

Fernando, Kalil e Jonas são sócios de Fábio nas empresas que formam o grupo Gamecorp/Gol. Segundo a Força-Tarefa da Lava Jato em Curitiba (PR), a operadora de telefonia Oi e a antiga Telemar teriam feito pagamentos que somam R$ 132 milhões às empresas, em contratos de fachada. O objetivo seria obter decisões favoráveis do governo durante as gestões petistas.

Os pagamentos teriam acontecido entre 2004 e 2016. Em troca dos pagamentos, a empresa teria conseguido a edição de um decreto por Lula em 2008, que permitiu a compra da antiga Brasil Telecom pela Oi/Telemar.

Também teria conseguido a nomeação de um conselheiro ligado à empresa na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), no fim do mandato do petista - Lula nega irregularidades e diz que as investigações de hoje são parte de uma "perseguição ilegal" contra ele.

Além de Fábio Luís, a operação deflagrada na manhã de hoje também investiga o ex-ministro José Dirceu, por conta de pagamentos realizados pela Oi/Telemar uma empresa de consultoria dele, a RT Serviços Especializados. A ação de hoje é a 69ª fase da Lava Jato no Paraná.

Trata-se, segundo os procuradores, de um desdobramento de fases anteriores, principalmente da 24ª fase (Aletheia, em 4 de março de 2016), quando o ex-presidente Lula foi alvo de um mandado de condução coercitiva.

Informações de outras fases da Lava Jato (14ª e 34ª) também foram empregadas - assim como relatórios da Polícia Federal e da Receita, e até resultados de auditorias de Tribunais de Contas.

Para justificar os pagamentos, segundo os procuradores, as empresas de Fábio fecharam contratos com a Oi, sem que os serviços tenham sido realmente prestados. Os supostos serviços vão desde a produção de um site religioso (o "Portal da Bíblia") até uma iniciativa para reduzir a evasão escolar, passando por contratos com uma editora de material didático chamada "Nuvem de Livros".

"O maior ativo que a Oi/Telemar buscava na Gamecorp era o fato de que entre os seus sócios estava o filho do então presidente da República", disse o procurador Roberson Pozzobon a jornalistas, na manhã desta terça.

"No mundo dos negócios, e estamos falando aqui de negócios com o poder público, não há almoço grátis. Se há indícios de que os serviços não foram efetivamente prestados (...), então o que se tem aqui possivelmente são serviços de outra ordem", disse ele.

Parte do dinheiro recebido por Fernando Bittar teria sido usado para adquirir o sítio de Atibaia, frequentado pelo ex-presidente Lula, segundo a Lava Jato. O imóvel é peça-chave no processo que resultou na segunda condenação do ex-presidente, confirmada pela segunda instância da Justiça no mês passado. Formalmente, o sítio pertence a Fernando Bittar e a Jonas Suassuna.

Ao menos parte das informações apresentadas pela Força-Tarefa na tarde de hoje já era conhecida dos investigadores a mais tempo. Em outubro de 2017, relatório da PF apontou que empresas ligadas a Jonas Suassuna receberam pelo menos R$ 66 milhões da Oi.

Outros contratos da Oi/Telemar com a Gamecorp já foram alvo de investigação da Justiça Federal - e antes do início da Lava Jato. Um aporte de R$ 5 milhões da antiga Telemar à empresa de Fábio Luís resultou numa investigação da Justiça Federal em São Paulo, mas o caso acabou arquivado em 2012.

A reportagem da BBC News Brasil procurou os advogados de Fábio Luís, mas não conseguiu contato até o momento.

Ao portal UOL, a defesa dos irmãos Fernando e Kalil Bittar disse que não teve ainda acesso às informações da investigação. "De todo modo, informa que entregou ao MPF, há mais de dois anos, todos os documentos comprobatórios de prestação de serviço das empresas", disse a advogada dos dois, Luiza Oliver, ao portal.

Em nota, a Oi disse apenas que têm colaborado com as investigações. A empresa "atua de forma transparente e tem prestado todas as informações e esclarecimentos que vêm sendo solicitados pelas autoridades, assegurando total e plena colaboração com as autoridades competentes", segundo o texto.

Lula: assunto já foi investigado e arquivado

Por meio de seus advogados, o ex-presidente Lula disse que as suspeitas que motivam a investigação de hoje já foram investigadas diversas vezes pelo Ministério Público, tendo sido arquivadas em outras ocasiões.

"O tema que serviu de base para tais referências já foi objeto de ampla investigação realizada pela Polícia Federal de São Paulo, que foi concluída em 16 de abril de 2012, com a elaboração de relatório de arquivamento. Ou seja, a investigação - conduzida por órgão policial definido à época pelo STJ com base nas regras de competência - não identificou a prática de qualquer crime."

Segundo a defesa do ex-presidente, a Lava Jato de Curitiba "escondeu" este fato e "buscou criar vínculos artificiais de competência", isto é, atrair para si uma investigação que deveria ser conduzida por outro braço do Ministério Público. Segundo os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins, a Lava Jato age assim para "dar continuidade à perseguição ilegal contra Lula".

Na entrevista a jornalistas, procuradores não negaram a existência de investigações anteriores, mas disseram que a operação de hoje visava a aprofundar a apuração sobre as relações da Oi/Telemar com as empresas de Fábio Luís.

Quais eram os contratos de fachada, segundo a Lava Jato

Em nota, a Força-Tarefa da Lava Jato disse ter reunido provas de que os contratos firmados entre as empresas do grupo Gamecorp/Gol e a Oi eram falsos - seriam apenas pretextos para a empresa de telefonia fazer os pagamentos, com objetivo de influenciar decisões do governo.

"Provas documentais (...) indicam que as empresas do grupo Oi/Telemar investiram e contrataram o grupo Gamecorp/Gol sem a cotação de preços com outros fornecedores, fizeram pagamentos acima dos valores contratados e praticados no mercado, assim como realizaram pagamentos por serviços não executados", disse a Força-Tarefa, em nota.

O conglomerado da Gamecorp/Gol era formado por pelo menos nove empresas, ligadas entre si, e todas de propriedade de Fábio, Jonas Suassuna, Fernando e Kalil Bittar. Estes dois últimos são amigos de infância de Fábio Luís. São filhos de Jacó Bittar, ex-prefeito de Campinas (SP) e um dos fundadores do PT.

Integravam o grupo as empresas G4 Entretenimento e Tecnologia Digital, Gamecorp, Editora Gol, Gol Mídia, Gol Mobile, Goal Discos, Coskin, PJA Empreendimentos e PDI.

Abaixo, os principais pontos em investigação, segundo a Força Tarefa.

Projeto educacional

Um dos projetos analisados se chamava Projeto Letivo ou Conexão Educação - e era voltado a alunos da rede pública no Rio de Janeiro, entre 2008 e 2012. A premissa era usar mensagens de texto de celular (SMS) enviados aos pais dos alunos, de forma a reduzir a evasão escolar (o abandono da escola).

De 2008 a 2012, a Gol Mobile teria recebido R$ 14 milhões da Telemar para prestar o serviço, segundo os investigadores.

A empresa se comprometeu a mandar 18 mil mensagens de SMS por mês, somando 216 mil mensagens a cada ano de contrato. Mas, em um dos anos, a Gol Mobile teria mandado apenas 7,6 mil mensagens de SMS aos pais dos alunos, segundo o MPF - menos de 4% do total contratado.

Portal da Bíblia

Outro projeto mencionado pelos investigadores foi o desenvolvimento de um site para a internet, chamado de Portal da Bíblia.

A página foi lançada em janeiro de 2009, e o contrato entre a Oi e a empresa Gol Discos determinaria um pagamento de R$ 600 mil mensais à empresa.

"(O valor devia ser pago) independentemente da produtividade, o que por si só já chama a atenção", disse o procurador Roberson Pozzobon durante a entrevista a jornalistas.

O site existiu de março de 2009 a junho de 2013. Durante este período, a antiga Telemar (depois comprada pela Oi) fez 43 pagamentos à Gol Discos, que somaram R$ 27 milhões de reais.

"De janeiro de 2012 a abril de 2013, o portal teve 121 mil acessos. Como cada um valia R$ 0,015 centavos por minuto, o produto resultou para a Oi numa renda de apenas R$ 21 mil reais (durante esse período)", disse Pozzobon aos jornalistas.

A 'Nuvem de Livros'

Outro contrato suspeito, segundo os investigadores, está relacionado a uma editora de livros didáticos, chamada "Nuvem de Livros" - embora a empresa realmente existisse, ela foi sustentada durante parte de sua existência pela Oi/Telemar.

Uma empresa ligada à operadora telefônica, a Movile, teria repassado R$ 40 milhões à Editora Gol (responsável pela Nuvem de Livros) entre janeiro de 2014 e janeiro de 2016, novamente segundo o Ministério Público.