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Por que Trump deve sofrer impeachment na Câmara, mas não deixar o cargo

Brendan Smialowski/AFP
Imagem: Brendan Smialowski/AFP

Mariana Sanches - @mariana_sanches

Da BBC News Brasil em Washington

17/12/2019 16h28

Até o momento, 194 parlamentares se declararam publicamente a favor da medida e 167 contrários. Como basta maioria simples para que o caso seja enviado ao Senado, a expectativa é que Trump enfrente o escrutínio dos senadores no começo do próximo ano.

A Câmara dos Deputados dos EUA decidirá na próxima quarta-feira, 18, se o presidente Donald Trump será submetido a um julgamento de impeachment pelo Congresso.

Após cinco semanas de debates, depoimentos de testemunhas e coletas de documentos, os deputados votarão sobre o indiciamento do presidente por abuso de poder e obstrução do Congresso por ter supostamente constrangido o governo da Ucrânia a anunciar uma investigação contra um opositor político de Trump em troca de ajuda militar ao país - e tentado atrapalhar inquérito sobre sua conduta.

Até o momento, 194 deputados se declararam publicamente a favor do impeachment e 167, contra. Como basta maioria simples para que o caso seja enviado ao Senado, a expectativa é que Trump enfrente o escrutínio dos senadores no começo do próximo ano.

Embora acirre as tensões políticas no país, que irá às urnas para eleger presidente em 2020, o processo de impeachment no Congresso é visto como um jogo de cartas marcadas tanto por democratas quanto por republicanos.

Na Câmara, onde a oposição está em maior número, a investigação prosperará, mas será barrada no Senado, onde Trump conta com ampla maioria.

Do que Trump é acusado?

Embora tenha sido reiteradamente acusado pelos democratas de condutas ilegais e impróprias ao longo do mandato e tenha sido alvo de uma investigação sobre as relações de sua campanha presidencial com a espionagem russa, o processo de impeachment de Trump nada tem a ver com inquéritos anteriores.

O gatilho para a investigação atual foi um telefonema entre o presidente americano e o ucraniano, Volodymyr Zelensky, em julho desse ano.

Trump disse ao colega que gostaria de lhe pedir "um favor": uma investigação sobre o filho de um dos pré-candidatos dos rivais democratas, Joe Biden. Hunter Biden fez parte da diretoria de uma empresa ucraniana de gás sobre a qual recaem acusações de corrupção enquanto seu pai era vice-presidente do governo de Barack Obama.

Um funcionário público que ouviu a conversa de julho denunciou, anonimamente, que Trump propunha uma espécie de quid pro quo: se o presidente ucraniano não anunciasse a investigação sobre o filho de seu possível rival, os Estados Unidos não liberariam uma verba milionária de auxílio militar, nem receberiam Zelensky na Casa Branca.

A expressão latina quid pro quo ganhou destaque no vocabulário político americano e se refere a uma troca de favores.

A Ucrânia sofre intensa pressão econômica e militar da vizinha Rússia, que a invadiu pela última vez em 2014. Logo, tanto o dinheiro quanto a demonstração clara de proximidade com os americanos são vitais para que Zelensky proteja o território do país de ações russas.

O que aconteceu durante as investigações?

Ao longo das investigações, os democratas acusaram Trump de usar dinheiro do contribuinte americano para se beneficiar política e pessoalmente em uma disputa eleitoral.

Disseram ainda que Trump ameaçou a segurança nacional ao incluir um país estrangeiro como elemento no pleito de 2020. E chegaram a qualificar os atos do presidente como corrupção e extorsão, mas optaram por não levar adiante formalmente tais acusações por temer falta de apoio político.

No pior momento para Trump, seu embaixador para a União Europeia, Gordon Sondland, disse que "houve um claro quid pro quo" na relação entre os dois presidentes. E que seguia ordens de Trump ao conduzir as relações entre os dois países.

O embaixador disse ainda que demais integrantes da gestão, como o secretário de Estado, Mike Pompeo, e o vice-presidente, Mike Pence, sabiam dos interesses pessoais de Trump na relação com a Ucrânia.

Sondland era um empresário republicano do setor hoteleiro no Oregon até que doou um milhão de dólares para a festa da posse de Trump e acabou catapultado ao posto diplomático, onde se envolveu diretamente na relação entre autoridades americanas e ucranianas.

Embora suas palavras tenham peso, especialmente quando ditas ao vivo e transmitidas em cadeia nacional de televisão, Sondland mostrou-se muito longe de ser um profissional da política: não tinha anotações sobre suas ações, algo importante nesse tipo de função, e também admitiu ter se orientado com base em coisas que o presidente nunca lhe disse.

Trump nega que tenha havido qualquer tentativa de troca de favores, corrupção ou extorsão. "Foi uma conversa perfeita com o presidente ucraniano", afirmou ele, em sua conta no Twitter. E alega que liberou o dinheiro aos ucranianos sem que Zelensky anunciacesse investigações contra Biden e antes que o escândalo viesse à tona (na verdade, tanto a liberação da verba quanto a denúncia pública acontecem em meados de setembro e não está claro se Trump já sabia das denúncias contra si no momento da liberação).

O presidente argumenta que o processo de impeachment é só mais uma "agressão" dos democratas, que não aceitaram o resultado eleitoral de 2016 e querem apeá-lo do poder antes da hora ou prejudicar sua candidatura à reeleição. Também diz que os parlamentares aceitaram o custo de paralisar leis importantes do país apenas para fustigá-lo.

Ao acusar os democratas de perseguição política, Trump colocou alguns dos parlamentares do partido em maus lençóis, já que em 2020 haverá eleições também para cadeiras no Congresso.

Ao menos seis dos atuais deputados democratas concorrerão à reeleição no ano que vem em distritos em que Trump ganhou em 2016 e segue popular. Ainda assim, esses políticos anunciaram apoio público ao processo contra o presidente.

Um deles, o deputado Ben McAdams, de Utah, cujo distrito elegeu Trump por uma diferença de 13 pontos sobre Hillary Clinton, anunciou seu voto sem deixar de resumir o sentimento de parte dos eleitores a respeito de todo o processo: "Eu vou votar sim, sabendo muito bem que o Senado provavelmente absolverá o presidente em uma exibição teatral de partidarismo, em que republicanos e democratas têm um desempenho perturbadoramente bom".

Como isso vai afetar a eleição de 2020?

Observadores da política americana apostam que o processo aprofundou ainda mais a polarização no país - já em níveis considerados históricos.

Ao longo do processo, o apoio popular à saída do presidente do cargo se manteve praticamente estável, de acordo com um compilado de pesquisas feitas pelo site FiveThirtyEight. Em outubro de 2019, 47% dos americanos apoiavam o impeachment de Trump, contra 45,6%, que gostariam de mantê-lo no cargo. Dois meses mais tarde, enquanto 47,7% querem tirá-lo do cargo, 43,8% desejam mantê-lo.

Entre os que se dizem favoráveis ao impeachment, 83% são democratas e apenas 9% republicanos, o que deixa clara a distância entre os eleitores de um partido e de outro. Quando o processo começou, no fim de setembro, os dois lados estavam mais próximos: 71,6% dos democratas e quase 10% dos republicanos queriam a saída de Trump.

No Congresso, o impeachment também falhou em se tornar algo suprapartidário: na Câmara, apenas dois democratas apoiaram Trump enquanto nenhum republicano disse ainda que pretende acusá-lo. No Senado, nenhum republicano indicou até o momento que irá apoiar o pedido de impeachment.

Isso sugere que, em vez de abrir espaço para o diálogo, o processo de impeachment provavelmente cristalizou as posições mais radicais de parte a parte e não virou nenhum voto na disputa eleitoral do próximo ano. Aqueles que estão com Trump tendem a ficar com ele em 2020. E quem não o apoia se sente ainda mais fortalecido para rejeitá-lo.

Pode parecer um resultado óbvio - eleitores que se identificam com um partido vão defender políticos desse mesmo partido, mas o histórico do bipartidarismo americano mostra que tanto republicanos quanto democratas costumavam disputar os espaços do centro no espectro político.

Quando Bill Clinton sofreu o processo de impeachment, em 1998, pouco menos de 60% dos republicanos apoiavam a retirada do presidente do posto, enquanto quase 40% dos democratas desejavam o mesmo, mostram as pesquisas da época compiladas pelo FiveThirtyEight.